O Ministério Evangélico Comunidade Rhema, igreja brasileira filiada à americana "Word of Faith Fellowship" (Associação Palavra da Fé), disse em nota que não tolera nem permite "nenhuma forma de abuso em nosso ministério". Uma reportagem da Associated Press (AP) revelou que a matriz americana manteve brasileiros como escravos na Carolina do Norte, nos Estados Unidos.
A nota é assinada pelos pastores Juarez e Solange Oliveira e Paulo e Alice Santos, da igreja sediada em Franco da Rocha, na Grande São Paulo. Os pastores dizem estar "chocados, consternados e entristecidos com os artigos recentemente publicados pela mídia". Falam ainda conhecer a igreja americana "há mais de 30 anos", e que são "pessoas idôneas, vivem o amor de Deus, mas são caluniadas ao tentarem ajudar pessoas".
A Word of Faith Fellowship tem também uma filial em São Joaquim de Bicas, em Minas Gerais, a Ministério Verbo Vivo. Uma investigação da AP mostrou que a igreja americana usou seus dois ramos da igreja no Brasil como sifão de um fluxo contínuo de jovens trabalhadores, que tinham vistos de turistas ou estudantes, para a sua propriedade de 35 acres na zona rural de Spindale.
Brasileiros mantidos como escravos
Segundo as leis dos EUA, os visitantes com visto de turista são proibidos de realizar um trabalho pelo qual as pessoas normalmente seriam remuneradas. As pessoas com visto de estudantes têm permissão para alguns trabalhos, em circunstâncias que não correspondem às que aconteciam na Word of Faith Fellowship, conforme a AP descobriu.
Em pelo menos uma ocasião, os membros antigos alertaram as autoridades. Em 2014, três ex-congregantes disseram a uma procuradora-assistente dos EUA que os brasileiros estavam sendo forçados a trabalhar sem remuneração, de acordo com um registro obtido pela AP.
"E eles espancaram os brasileiros?", perguntou Jill Rose, agora procuradora dos EUA em Charlote.
"Não há dúvidas", respondeu um dos congregantes antigos. Os ministros "na maioria das vezes traziam eles para cá para trabalho gratuito", disse outro.
Embora Rose pudesse ser ouvida prometendo investigação, os membros antigos disseram que ela nunca respondeu quando eles repetidamente tentavam contato nos meses que antecediam à reunião.
Rose se recusou a falar do assunto com a AP, citando uma investigação em andamento.
Oliveira, que abandonou a igreja no ano passado, é um dos 16 membros antigos brasileiros que contaram à AP que foram forçados a trabalhar, frequentemente sem remuneração, e foram agredidos física ou verbalmente. A AP também analisou uma série de relatórios policiais e queixas formais apresentadas no Brasil sobre as condições adversas da igreja.
Juliana Oliveira, ex-membro da Word of Faith Fellowship (Associação Palavra da Fé) chora durante entrevista em Betim, em Minas Gerais (Foto: Silvia Izquierdo/ AP)
Famílias denunciam ameaças
Muitos dos mais de 30 ex-membros entrevistados pela AP disseram viver com eterno medo de retaliação. Alguns já tinham procurado ajuda psicológica. Outros se perguntavam como toleraram os abusos por tanto tempo.
A ex-integrante Juliana Oliveira se lembra de quando a vida era normal na igreja de São Joaquim de Bicas, anos antes de os americanos virem de Spindale, Carolina do Norte. Antes de mesmo de removerem as tradições brasileiras, os gritos e espancamentos começaram.
“Quando você está em uma seita, você não sabe que está em uma seita porque pouco a pouco isso se torna ‘normal’”, afirmou Oliveira, 34. “É como um sapo em uma panela de água. Quando está fervendo, ele não consegue pular fora.”
A disseminação da Word of Faith Fellowship no maior país da América Latina é parte de uma longa investigação da AP na igreja evangélica fundada em 1979 por Jane Whaley, uma ex-professora de matemática, e seu marido, Sam.
Com base em entrevistas exclusivas com dezenas de ex-membros, a AP reportou em fevereiro que os integrantes nos EUA eram frequentemente espancados, esmurrados e sufocados para supostamente expulsar demônios e “purificar” pecadores. A AP também detalhou como a Word of Faith Fellowship frequentemente enviava aos EUA jovens brasileiros com vistos de turista e estudante para forçá-los a trabalhar na igreja e em empresas dos líderes da seita.
Nem Whaley nem os pastores das unidades brasileiras ligadas à Word of Faith Fellowship responderam aos pedidos para comentar o assunto.
Fundadora da Word of Faith Fellowship (Associação Palavra da Fé), Jane Whaley, e seu marido, Sam, em imagem de 2012 (Foto: Arquivo AP)
Veja a íntegra da nota do Ministério Evangélico Comunidade Rhema:
COMUNICADO AO PÚBLICO
Nós, os pastores do Ministério Evangélico Comunidade Rhema, estando chocados, consternados e entristecidos com os artigos recentemente publicados pela mídia, vimos esclarecer ao público que:
Conhecemos o ministério Word of Faith Fellowship na Carolina do Norte, EUA, há mais de trinta anos, bem como os seus pastores, com os quais temos fortes laços de amizade e por quem temos grande consideração. São pessoas idôneas, vivem o amor de Deus, mas são caluniadas ao tentarem ajudar pessoas.
Nós não toleramos e não permitimos nenhuma forma de abuso em nosso ministério. Os relatos publicados são porções de mentiras e fatos distorcidos.
Nenhuma pessoa que é abusada e escravizada, como querem fazer crer os comentários, continua a frequentar a mesma igreja por 20 anos. Ou, ainda, escolhe voltar 20 vezes ao lugar em que é supostamente abusada, como mencionado por uma jovem, entrando e saindo do país.
Queremos mais uma vez deixar registrado o nosso repúdio às declarações feitas por essas pessoas, que pretendem manchar a nossa reputação e o bom conceito de que gozamos em nossa região, perante diversas instituições com quem temos relações de colaboração e perante todos os nossos conhecidos e amigos.
Pastores
Juarez & Solange Oliveira e Paulo & Alice Santos
Fonte: G1
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