Em maio de 2015, o chefe do bilionário fundo americano KKR para a América Latina, Jorge Fergie, estava em seu escritório em
São Paulo quando um e-mail piscou na tela do computador. Fergie não reconheceu o remetente, mas o assunto chamou a sua atenção: "Aceco TI".
Na mensagem, um delator anônimo dizia que a empresa brasileira, especializada em criar ambientes seguros para armazenagem de dados e recém-adquirida pelo KKR, fraudava o balanço para inflar lucros e subornava funcionários públicos no Brasil e no exterior para obter contratos.
O delator citava como exemplo um data center feito para a estatal de telecomunicações do Equador. Garantia que a Aceco perdera US$ 10 milhões com o projeto, sem registro contábil. Fergie tomou um susto. Somente alguém de dentro da empresa podia ter tantos detalhes.
Silvia Costanti - 15.jan.2013/Valor/Folhapress | |
Jorge Fergie, o chefe das operações do KKR no Brasil |
O que o executivo ainda não sabia é que o caso era apenas um dos problemas que teria de explicar a seus superiores em Nova York.
Uma investigação feita pela consultoria KPMG para o KKR descobriu que, entre 2012 e 2014, a Aceco pagou R$ 57 milhões a consultorias, escritórios de advocacia e outras firmas que podem ter sido usadas para repassar propina.
Quase um ano antes, em junho de 2014, o KKR havia adquirido 87% da Aceco por US$ 500 milhões (R$ 1,2 bilhão). A empresa pertencia à família Nitzan e ao fundo General Atlantic, que aproveitou a chance para deixar o negócio.
O empresário Jorge Nitzan reteve uma fatia de 12% na Aceco, e o acordo de acionistas o manteve como seu principal executivo. Ele e sua irmã herdaram a Aceco do pai, um israelense que se mudou para o Brasil em 1958.
Famoso pelo estilo agressivo nos negócios, o KKR foi criado em 1976 por Henry Kravis, um pioneiro da indústria de private equity nos Estados Unidos. Em Wall Street, os executivos do KKR são conhecidos como os "bárbaros".
A Aceco foi sua primeira aquisição direta no Brasil e um dos primeiros negócios fechados pelo venezuelano Fergie. Na época, ele achava que estava fazendo uma aposta segura, apesar da crise que se avizinhava, porque a demanda por armazenamento de dados só tendia a aumentar.
O executivo, no entanto, subestimou o tamanho da confusão no Brasil e a vulnerabilidade da Aceco, que obtinha mais de 80% de sua receita com clientes do setor público.
Quatro meses depois de o negócio ser fechado, Dilma Rousseff se reelegeu presidente e o dólar disparou, elevando o custo da aquisição da Aceco para o KKR. Ao mesmo tempo, a crise econômica reduziu o interesse do setor público por novos contratos – um golpe para a Aceco.
Regis Filho - 27.mar.2013/Valor/Folhapress | |
Jorge Nitzan, o herdeiro que vendeu o controle da Aceco |
PLANILHA DA PROPINA
Dois dias depois de receber o e-mail anônimo, Fergie chegou à sede da Aceco no início da manhã acompanhado de peritos da KPMG, especializados em desvendar crimes. O grupo foi recebido por Jorge Nitzan, que negou todas as acusações, mas permitiu a entrada da KPMG na empresa.
Os investigadores copiaram milhares de e-mails e documentos internos em poucas horas. Nas semanas seguintes, entrevistaram dezenas de funcionários e ex-funcionários, incluindo o remente do e-mail, que concordou em colaborar desde que sua identidade fosse preservada.
A consultoria encontrou uma planilha com informações sobre 144 notas fiscais emitidas por 35 fornecedores suspeitos de terem sido usados para o pagamento de propina, incluindo cinco consultorias que nos meses anteriores também haviam caído na teia da Operação Lava Jato.
Os valores das notas fiscais correspondiam a porcentuais de contratos com clientes do setor público, como o Ministério da Integração Nacional, o Ministério do Turismo, a Eletronuclear e a Secretaria da Fazenda de São Paulo.
A Folha teve acesso a contratos, notas fiscais e e-mails que ligam esses fornecedores com a Aceco e funcionários do governo. A reportagem verificou que muitas empresas não têm site na internet nem telefone ativo, e três fornecedores não souberam precisar o serviço que haviam prestado.
As notas fiscais registram pagamentos de serviços de consultoria, honorários de advogados, compra de material de construção e, principalmente, instalação de aparelhos de ar condicionado, essenciais para manter a temperatura nos data centers.
Após concluir as investigações e afastar Nitzan da direção da empresa, o KKR partiu para o ataque. Entrou com pedido de arbitragem contra a família e o General Atlantic para desfazer o negócio, alegando ter sido enganado. Também abriu processo na Justiça e orientou a nova direção da Aceco a buscar um acordo de leniência com o Ministério da Transparência.
O KKR não permitiu que seus executivos dessem entrevista e disse, por meio de nota, que foi "enganado" pelos vendedores da Aceco. Jorge Nitzan negou as acusações por meio de sua assessoria, mas não respondeu a perguntas específicas. O General Atlantic não deu entrevista.
Em conversas recentes com assessores, Nitzan disse que as acusações do KKR não passam de uma "armação" para receber o dinheiro de volta e que a auditoria feita pela KPMG é "tendenciosa". A KPMG afirmou que o caso é sigiloso e que "garante os resultados do seu trabalho".
O KKR reconheceu em seu balanço a perda do R$ 1,2 bilhão pago pela Aceco, mas segue tentando reaver o dinheiro com a arbitragem e a ação judicial. Os processos devem levar meses para chegar a um desfecho, mas os "bárbaros" de Wall Street não parecem dispostos a desistir tão cedo.
Herdeiro da Aceco retomou controle com ajuda do Bradesco
A disputa entre o KKR e Jorge Nitzan sofreu uma reviravolta no mês passado. O empresário retomou temporariamente o controle da Aceco, e o fundo americano agora corre o risco de perder todos os direitos sobre a empresa.
Quando os dois sócios ainda comemoravam a chegada do KKR, a Aceco tomou emprestados cerca de R$ 600 milhões do Bradesco para expandir suas operações.
A própria Aceco tomou metade dos recursos, e a Auckland, holding criada pelo KKR para adquirir a companhia brasileira, tomou o restante. O Bradesco recebeu como garantia todas as ações do KKR na Auckland e na Aceco.
O plano de expansão do KKR, aprovado por Nitzan, alavancou demais a Aceco. Sua receita despencou com a recessão no Brasil, e as dívidas ficaram pesadas demais.
A Aceco e sua controladora deixaram então de pagar a dívida. Pessoas próximas ao KKR dizem que estavam renegociando a dívida com o Bradesco e que informaram o banco das suspeitas de corrupção na Aceco. Procurado, o Bradesco não comentou.
Assessores de Nitzan afirmam que o Bradesco prorrogou o vencimento de juros oito vezes seguidas antes de negociar com ele uma solução.
Foi neste momento que a sorte do empresário virou. Sem conhecimento do KKR, o Bradesco vendeu a dívida da holding Auckland para uma empresa aberta por Nitzan e renegociou o restante.
O empresário então executou as garantias e se tornou dono de todas as ações que o KKR tinha na Aceco. Na prática, o fundo perdeu a empresa.
O KKR foi à Justiça reclamar, mas o juiz do caso determinou que o fundo só poderia retomar a empresa se quitasse a dívida com o Bradesco. Receoso de perder mais dinheiro, o KKR não pagou.
O contrato do empréstimo da Aceco e sua holding com o Bradesco impõe uma condição importante: se exercer as garantias, o detentor da dívida é obrigado a colocar as ações da empresa à venda.
Nitzan agora está em busca de um novo comprador para a Aceco. Com a empresa sob nova direção, o KKR não poderá sequer prosseguir com a arbitragem que acionou.
Se encontrar um novo sócio, Nitzan pode tentar reerguer a empresa que herdou do pai e esquecer os problemas. Tudo que o KKR quer é impedir que isso aconteça.
Fonte: Folha de São Paulo
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