RESUMO Kauany Sousa, 24, estudante de jornalismo e recém-formada em serviço social, ficou conhecida pela homenagem que fez aos seus pais, trabalhadores rurais,
na festa de formatura. Seu gesto de levantar uma enxada na entrada do baile de gala foi filmado pelo irmão e amplamente compartilhado nas redes sociais. De Almino Afonso (RN), Kauany alfabetizou-se tarde e viu televisão pela primeira vez aos 17 anos.
Nasci na pobreza. No sítio, na cidade de Almino Afonso [a 339 km de Natal (RN)], morava em uma casa de taipa e barro. Tinha um único quarto, sem camas.
Dormíamos em redes. A casa era emprestada pelo patrão do meu pai, que sempre trabalhou roçando, no sol a pino. Até hoje esse é o sustento da nossa família.
Sempre quis ajudar. Ia para a roça com meu pai, a contragosto da minha mãe, que me queria cuidando da casa. Nos períodos mais difíceis, lembro de dias em que ele ganhava R$ 20. Era tudo. Agradecíamos quando um vizinho nos dava um prato de comida.
Nessa época, aprendi a ler debaixo de uma árvore, sentada no chão, graças a uma conhecida, que depois nos levou à escola. Mas meus irmãos não continuaram nos estudos. Seguiram o ciclo da roça: trabalhar, casar, ter filhos.
Minha casa não tinha energia elétrica. Queimei muito a mão em lampião. Eu ouvia rádio de pilha e dizia que um dia seria jornalista.
Eu tinha 17 anos quando vi televisão pela primeira vez, na casa de uma vizinha. Passava "Os Goonies" [de Steven Spielberg, 1985], mas só descobri o que era muito tempo depois, aos descrever as cenas a um amigo, que me contou o nome do filme.
Logo que me formei no colegial, tentei uma bolsa de estudos em uma universidade particular e consegui.
Queria fazer jornalismo, curso que a instituição não oferecia. Na dúvida, escolhi serviço social sem nem saber o que era. Fui atrás da palavra que remetia a comunicação social, o meu grande sonho. Acertei e não me arrependo. Posso ajudar muita gente com a minha profissão.
Quando cursava o terceiro período de serviço social, fui aprovada na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, enfim para jornalismo.
Levava as duas graduações e ainda fazia estágio. Sem dinheiro, precisei morar cada dia na casa de uma amiga. Hoje vivo em um apartamento financiado pelo meu marido.
Saí do Nordeste pela primeira vez em 2015, quando fui escolhida para conhecer a TV Futura, no Rio de Janeiro.
Eu era a segunda colocada, mas minha amiga, que obteve o primeiro lugar, faleceu em um acidente de carro uma semana antes da viagem. O reitor da universidade pagou as despesas com as minhas passagens.
Minha formatura foi num sábado, 9 de abril de 2016, em Mossoró (RN). Passava das 22h e eu estava prestes a descer as escadas que levavam à festa da minha primeira faculdade, de serviço social, na Universidade Potiguar.
Uma semana antes, tinha dito a uma amiga sobre a intenção de homenagear meus pais, que até hoje vivem na roça. Levei a sério o que ela sugeriu como brincadeira: levar uma enxada.
Foi ela que arranjou o instrumento. Para não levantar suspeitas, não pedi para a minha família –era surpresa para todos. Na grande noite, quando chegou minha vez, entrei na festa com a enxada nas mãos, sobre a cabeça.
Meu irmão gravou e publicou na internet. Jamais imaginei que fosse fazer tanto sucesso e alcançar tanta gente.
Foi meu marido quem pagou a festa, parcelada em muitas vezes. Casei cedo porque quis, mas nunca moramos juntos. Por causa do trabalho, ele vive na Paraíba.
Consegui o sonho do diploma, de aparecer na televisão, ajudar meus pais, ser jornalista. Agora falta conhecer o Silvio Santos, meu maior ídolo.
Quando criança, brincava de procurar avião no céu. Dizia para minha mãe que um dia também voaria. Voei.
Fonte: Folha de São Paulo
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