O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que apure a ação da Polícia Militar que resultou em 12 mortes e seis
feridos no bairro do Cabula, em Salvador, em fevereiro de 2015. Janot destacou que houve "incongruências" nas investigações e "fatos que causam estranhamento", como a absolvição dos nove policiais militares envolvidos na operação. A informação sobre o pedido do procurador foi divulgada pela PGR na última semana. Nesta segunda (27), a assessoria de comunicação do órgão informou que o pedido ainda será apreciado pelo STJ, mas que não há previsão para que isso ocorra.
O procurador propôs deslocamento de competência (federalização) para que o caso vá para o STJ por entender que "ao absolver sumariamente os policiais militares envolvidos, sem permitir que o andamento normal do processo ocorresse, a Justiça Estadual não levou em conta informações importantes que poderiam levar a um resultado diferente, o que demonstra a necessidade de a Justiça Federal assumir as investigações". A OAB Nacional também já havia formulado pedido ao MPF para envio do caso à Justiça Federal.
A absolvição dos policiais ocorreu menos de um mês após a divulgação do resultado do inquérito do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que apontou legítima defesa dos PMs. O laudo contradisse o resultado da investigação realizada de forma paralela pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), que denunicou os policiais por "execuções sumárias". Após a sentença favorável pela juíza substituta Marivalda Almeida Moutinho, da 2ª Vara do Tribunal do Júri, no entanto, os PMs voltaram a trabalhar nas ruas.
Para o procurador-geral, da forma como foram descritos os fatos na denúncia do MP-BA, que já havia sido recebida, não houve tempo nem espaço no âmbito do Judiciário estadual, para instrução adequada dos autos, oitiva de testemunhas, contradição às conclusões da reprodução simulada e a diversos pontos e questões pendentes de melhor apuração e esclarecimento que poderiam levar a resultado investigatório diverso.
Janot classificou como "curiosa" a rapidez com que os policiais foram absolvidos, já que, segundo ele, eram muitos os indícios que apontavam, possivelmente, para a ilegitimidade da ação dos acusados. O procurador citou, ainda, o fato curioso de um PM não envolvido na ocorrência e não denunciado também ter sido citado na lista de policiais absolvidos.
“A sentença desconsiderou absolutamente todos os elementos sobre os quais jogou luz o órgão acusatório e, fixando-se unicamente no que extraiu do inquérito, com os vícios já apontados, e, muito claramente, na 'qualificação' das vítimas, entendeu dispensável a produção de provas, desrespeitando decisão do juiz titular da Vara, que a havia deferido, e interrompendo o caminho natural do processo, que poderia levar o caso ao julgamento pelo Tribunal do Júri”.
Em nota, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) informou que não manifesta juízo de valor sobre o conteúdo decisório de uma sentença dada por magistrados no exercício do seu livre convencimento.
Deslocamento de competência
Conforme a Procuradoria, o deslocamento de competência é possível quando há requisitos de grave violação de direitos humanos, risco de responsabilização internacional pelo descumprimento de obrigações assumidas em tratados internacionais e evidência de que órgãos do sistema estadual não mostram condições de seguir no desempenho da função de apuração, processamento e julgamento do caso.
No pedido ao STF, Janot destacou que o caso do Cabula foi tema de representação formulada pela ONG Justiça Global à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com relato de ameaças sofridas por integrantes da campanha "Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto", conhecida pela atuação contra a violência policial na Bahia e que também destaca o caso do Cabula.
Para Janot, o caso em análise “traz indícios fortes – que merecem apuração adequada – de que agentes do Estado promoveram verdadeira execução, sem chance de defesa das vítimas, o que configura hipótese de grave violação de direitos humanos, a exigir pronta atuação dos poderes constituídos do Estado brasileiro, especialmente no âmbito da União, no sentido de restaurar o Estado de Direito na região”.
De acordo com a PGR, foram 143 disparos, 88 deles certeiros, o que resulta em média de quase 10 tiros certos por acusado. Os mortos tinham entre 15 e 28 anos de idade. Conforme o procurador, há registro de inúmeros ferimentos causados por disparos deflagrados de trás para frente – com as vítimas de costas – e de cima para baixo, além de vários nos braços e mãos, com características de posição de defesa, segundo os laudos cadavéricos insetidos no inquérito. Na ação, um dos PMs também foi baleado de raspão na cabeça.
Ainda conforme o procurador-geral, os fatos em exame podem gerar a responsabilização do Brasil nos foros internacionais de proteção dos direitos humanos. “Houve parcialidade ou, ao menos, complacência com apurações favoráveis aos agentes da polícia, com indícios de que partiram com ponto de destino certo, não sem se desqualificar as vítimas, seja no curso do trabalho de apuração, seja na sentença”, comentou.
Versão da PM-BA
Segundo a PM, as 12 pessoas foram mortas durante confronto com agentes das Rondas Especiais (Rondesp). Conforme os policiais, tiroteio aconteceu após eles terem recebido a informação de que um grupo planejava roubar um banco no bairro do Cabula.
A PM afirma que, ao chegar ao local, a polícia encontrou seis homens de mochilas, o que despertou desconfiança inicial. Durante perseguição, a polícia conta que os suspeitos correram para um local onde estavam mais 30 homens, que teriam iniciado o tiroteio.
Na ação, a PM diz que foram apreendidos com os suspeitos 12 armas de fogo calibre.38; uma pistola calibre.40; outra pistola calibre .45; uma espingarda calibre .12; dois coletes balísticos. Além de armas, a PM diz que foram apreendidos 3 kg de maconha; 1,2 kg de cocaína; 300 gramas de crack; além de diversos uniformes camuflados parecidos com as roupas usadas no Exército.
Fonte: G1
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