Pais espancados e saqueados, um casal surrado e desfalecido no chão, crianças gritando por socorro e seguranças mandando todos
fugirem para não morrerem. Tudo isso em meio a uma confraternização dentro da sede do Corinthians. O motivo é ainda pior: uma simples briga entre crianças! Os agressores? Torcedores organizados armados, embriagados e drogados. Pois foram essas as palavras usadas por duas sócias do clube ao narrar à Justiça como viveram momentos de horror no Parque São Jorge.
Para preservar o nome verdadeiro das vítimas, que temem pelas suas integridades físicas por se tratarem de membros das torcidas organizadas Camisa 12 e Gaviões da Fiel, a reportagem vai nomeá-las apenas com as alcunhas fictícias de "Isabela", a primeira, e "Laura", a segunda.
Elas ingressaram há algumas semanas com duas ações no Poder Judiciário contra o Corinthians pedindo reparação por danos morais. Tudo por conta do episódio ocorrido no dia 12 de dezembro de 2015, em uma reunião após o término do campeonato brasileiro de natação - uma delas é mãe de atletas do clube, enquanto a outra estava com os filhos.
A história jamais veio a público.
As alegações das vítimas são estarrecedoras e correm nos tribunais da Justiça de São Paulo, sob os cuidados da juíza Juliana de Azevedo. A ESPN teve acesso aos autos e revela a seguir as exatas palavras das mães, que buscam ressarcimento após o trauma.
Elas, inclusive, solicitaram segredo de Justiça devido ao temor de represálias.
A VERSÃO DAS SÓCIAS
Todo o relato abaixo são alegações de Isabela e Laura.
As sócias do Corinthians dizem que estavam com marido, filhos e amigos no interior do Parque São Jorge no dia 12 de dezembro do ano passado, após um torneio de natação. Eram cerca de 10 pessoas.
Próximo a eles se encontrava um grupo de 40 membros das organizadas Camisa 12 e Gaviões da Fiel. Eram homens, mulheres e crianças, que também estavam se confraternizando.
Em determinado momento, as crianças de ambos os grupos passaram a brincar juntas. Até que algumas delas se desentenderam e acabaram indo às vias de fato.
O que vem a seguir é assustador.
Isabela e Laura afirmam que os torcedores organizados tomaram partido do jovem que os acompanhava e partiram para a agressão contra a criança de 11 anos que estava com o grupo da autora.
Assim, os adultos do grupo da natação tentaram impedir a violência, o que irritou os organizados, que partiram para a briga também contra os pais. Em meio a um local, aliás, ocupado por inúmeras crianças e adolescentes.
Os casais, então, correram à portaria suplicando por ajuda dos seguranças.
Só que os profissionais, contudo, disseram que estavam em menor número e não podiam interferir. Um deles ainda falou para Isabela, Laura e suas famílias fugirem, pois senão "poderiam até morrer".
O relato a seguir vem nas palavras das duas sócias, em petições enviadas à Justiça e reproduzidas logo no fim da reportagem.
"Enquanto isso, alguns pais foram covardemente espancados e saqueados pelo bando, que, mesmo com as crianças gritando por socorro, saquearam toda a alimentação da confraternização, quebrando tudo o que viam pela frente.
Em ato contínuo, e frente à ausência de segurança no local, todos tiveram que sair correndo para salvaguardar suas vidas enquanto viam suas coisas sendo roubadas e quebradas pelos sujeitos que estavam provavelmente embriagados e drogados.
Diante das cenas de horror que estavam vivenciando, a autora e seus amigos tentaram correr a fim de alcançar a portaria principal, local normalmente com maior trànsito de pessoas, a fim de inibir a continuidade das agressões que lhes desferiam o bando.
Ainda assim, mesmo em clara demonstração de recuo e defensiva da autora e seus amigos, demonstrando ser composto por pessoas más e sanguinárias, o bando continuou atacando alguns pais que não conseguiram correr.
Um dos casais pertencente ao grupo da autora, inclusive, quedou-se desfalecido, e o bando somente cessou o espancamento por súplicas de um senhor que estava desesperado vendo o casal no chão desmaiado de tanto apanhar.
Nesse momento, a autora, depois de sofrer agressões que deixaram várias lesões em seu corpo, correu em direção à avenida externa buscando por socorro.
Passados mais de 30 minutos, chegaram ao local dos fatos viaturas da polícia militar, que não tiveram franqueado o ingresso nas dependências do clube pelo segurança da entrada do estacionamento, com a alegação de se tratar de instituição privada e que o chamado não havia sido realizado por eles.
Inconformados e mediante o receio de serem novamente espancados, todos saíram do local sem poder levar nada dos seus pertences e toda a alimentação adquirida para a confraternização.
Diante da gravidade das lesões, a autora foi para o hospital e assim ficou a madrugada toda hospitalizada fazendo os exames para certificar-se às pancadas levadas na cabeça".
O boletim de ocorrência feito por Laura é ainda pior.
Ela relata que, em determinado instante, "todos se esconderam na pizzaria do clube, momento em que se depararam com vários indivíduos portando facas, os quais corriam atrás dos pais das crianças, sendo que todos de porte físico avantajado".
Isabela diz que, durante a briga, foi saqueada e levou prejuízo em um óculos de natação de R$ 348, um traje de natação feminino de R$ 1.999, uma mochila de R$ 760,40 e uma câmera digital de R$ 350.
Já Laura declara que teve roubados os seguintes materiais: mantimentos no valor de R$ 367,71; um conjunto de panelas de R$ 329,90; uma caixa organizadora de R$ 49,90; e um celular Iphone Apple 6 Gold 128gb de R$ 4.288.
Elas ainda alegam que, no dia seguinte, o Corinthians afirmou que iria ressarcir os prejuízos, pois já tinha assistido ao vídeo com as imagens. Meses depois, contudo, elas apontam que o clube voltou atrás.
O marido de Isabela foi à delegacia de polícia e fez um boletim de ocorrência, reproduzido acima, assim como o de Laura, que é ainda mais terrível.
Os envolvidos ainda afirmam que conseguiram a placa do carro de um dos organizados, mas que o Corinthians negou-se a ajudar ou punir os agressores, "que continuam com livre acesso ao clube como se nada tivesse ocorrido", conforme relatam as sócias.
À Justiça, Isabela e Laura pediram cópias das imagens do circuito de segurança registradas no dia dos fatos, ressarcimento nos devidos valores dos objetos furtados e pagamento de danos morais na casa dos R$ 20 mil para cada uma delas.
Uma audiência de conciliação ocorreu no fim de maio, mas as partes não chegaram em um consenso. A Justiça marcou um novo encontro para o mês de agosto.
O LADO DO CORINTHIANS
A reportagem procurou o time do Parque São Jorge para dar a sua versão dos fatos narrados por Isabela e Laura. O advogado Diógenes Mello, do Corinthians, confirmou a existência das ações, mas defendeu os interesses da agremiação alvinegra.
"Essas são as alegações delas. O clube é privado, só entra sócio ou pessoa convidada. Então, essa é a alegação delas, vamos ver como resolvemos, ou mediante prova ou composição", disse o advogado à ESPN.
Perguntado sobre como foi a audiência com as sócias, que ocorreu no fim de maio, o representante jurídico deu a explicação do clube.
"Elas alegaram que perderam algumas coisas, perguntaram se o Corinthians pagaria. Imagina, você vai em um lugar e perde celular, óculos ou carteira, como eu sei que você estava com isso mesmo? Por isso que não teve acordo, vamos aguardar tudo e apresentar a nossa defesa", declarou Diógenes.
O advogado reitera que essa é a alegação das sócias, e que não necessariamente condiz com a verdade.
"Essa é apenas a palavra delas. Deve ter ocorrido algum desentendimento, era uma confraternização, então pode ter tido desentendimento entre um e outro. E como tudo com o Corinthians toma uma proporção... Essa é uma coisa de menos importância, elas estavam apenas acompanhando um torneio de natação, então a situação vai se resolver de uma forma ou de outra", finalizou o advogado corintiano.
RELAÇÃO CORINTHIANS x ORGANIZADAS
Faz parte da centenária história do Corinthians: torcedores organizados das principais torcidas do time alvinegro costumam ter amplo acesso ao clube e suas dependências.
No mês passado, por exemplo, diante de fase instável da equipe, membros de uniformizadas foram recebidos no CT do Corinthians para reunião com diretores e jogadores.
O encontro incomodou o técnico Tite e diversos atletas do elenco. Mesmo assim, foi bancado pelo mandatário máximo do clube.
"Não é ser a favor nem contra da presença da torcida no CT. É uma conversa. A torcida faz parte do futebol. Chamei para conversar. Qual o problema? Conversa cabe sempre, em qualquer lugar. Não é a primeira vez que faço isso. Achei necessário", apontou o presidente do Corinthians, na ocasião.
Ele acrescentou que tudo ocorreu com o aval da presidência.
"A comissão técnica não tem que dar aval nenhum. O presidente sou eu. Chamei a torcida para conversar com jogadores. A comissão não precisa falar se pode ou não. Eu sei o que pode", disse Roberto de Andrade, na ocasião.
Uma tensão, inclusive, teria ocorrido entre organizados e atletas, após derrota para o Vitória por 3 a 2.
O presidente, por outro lado, declarou que foram apenas reclamações.
"Os torcedores estavam lá, reclamação faz parte. Não tem como travar as pessoas de falarem. Não houve agressão, nada. Quem falou é mentiroso. Houve xingamentos e reclamações", concluiu, na ocasião, o mandatário alvinegro.
Agora, confira abaixo, na íntegra, o depoimento de Isabela e Laura - renomeadas no documento como "a Autora" - à Justiça de São Paulo.
Fonte: ESPN
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