Um das empresas líderes na produção de cigarros no país, a Souza Cruz está impedida de firmar novos contratos de compra e venda
de tabaco no Rio Grande do Norte. A pena, em caso de descumprimento, é de multa diária no valor de R$ 10 mil. A decisão liminar é da 4ª Vara do Trabalho de Natal, após analisar uma ação movida pelo Ministério Público do Trabalho que denuncia uma fraude trabalhista e situação de trabalho escravo no município de Brejinho, a pouco mais de 50 quilômetros de Natal.
Em Nota, a Souza Cruz disse que “repudia veementemente qualquer relação de trabalho análogo ao trabalho escravo e garante que cumpre rigorosamente as leis trabalhistas brasileiras”, e que “em outras ocasiões o Judiciário já se manifestou a favor da Souza Cruz, confirmando a inexistência de vínculo empregatício entre Souza Cruz e os fumicultures e a validade dos contratos de compra e venda de tabaco”. Por fim, “esclarece que as operações na localidade foram encerradas em janeiro de 2014 e, portanto, não estão sendo firmados novos contratos com produtores de tabaco, e que está tomando as medidas necessárias para suspender a liminar em questão”.
Para o procurador do Trabalho José Diniz de Moraes, que assina a ação do MPT, “o contrato acabava por transferir todos os riscos e custos da produção ao agricultor, além de tratar-se de um esquema utilizado pela Souza Cruz com intuito de ocultar relação econômica equiparada à empregatícia e se furtar das obrigações trabalhistas e previdenciárias”. O TRT informou também que a empresa foi intimada várias vezes para comparecer a audiências na sede do MPT, mas não compareceu nem apresentou manifestação.
Com a decisão, assinada pela juíza do Trabalho Anne de Carvalho Cavalcanti, foi reconhecida a fraude na relação de trabalho, “realizada através de contrato bilateral fictício de compra e venda de folhas de tabaco, que na realidade beneficiava apenas a Souza Cruz e dava margem a condições de trabalho semelhantes à escravidão. Esse tipo de contrato agora está proibido de ser firmado pela empresa no estado”.
Diante das irregularidades, o MPT ajuizou ação que pede uma condenação final da Souza Cruz no valor de R$ 5 milhões pelo dano moral coletivo causado. Também é requerido o ressarcimento de R$ 100 mil por trabalhador envolvido.
O esquema
Segundo o TRT, uma equipe de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego constatou que a empresa aliciava agricultores em Brejinho para que firmassem os contratos, “iludindo-os com promessas de vantagens econômicas impossíveis de concretização”.
Ainda de acordo com o tribunal, os empregados eram obrigados a contrair financiamento bancário no valor de R$ 11.700 destinado à aquisição de equipamento de secagem que custava R$ 8.700, e construção de estufa de alvenaria. Como o financiamento não era bastante para iniciar a plantação, uma segunda dívida era contraída, diretamente com a Souza Cruz, para custear os insumos da produção. Desta forma, a empresa fornecia tudo, de sementes até fertilizantes e agrotóxicos, para pagamento na colheita. “Tais dívidas asseguravam a dependência econômica do agricultor por muitos anos, chegando a sujeitar os trabalhadores rurais às condições análogas a de escravos, prática conhecida como servidão por dívida”, explica o procurador do Trabalho.
Conforme apurado, além de intermediar o financiamento, a própria Souza Cruz vende os insumos, fiscaliza a produção, é também quem classifica o produto e determina o preço final, para seu fornecimento exclusivo.
“As folhas não eram pesadas em Brejinho, mas na sede da empresa em Patos (PB), distante e jamais acompanhada pelos trabalhadores, que reclamavam dos pesos verificados, sempre bem menores do que o esperado, mas nada podiam fazer para contestá-los”, narra a ação.
Resultado
O TRT relata que os ganhos eram inferiores aos apontados em materiais promocionais da companhia, sendo a produtividade superdimensionada e nunca alcançada na região. De acordo com o procurador, “os agricultores praticamente pagavam para trabalhar, com gastos muito mais altos do que os valores irrisórios recebidos pela venda, fazendo com que trabalhassem apenas para pagar a dívida contraída e ainda assim sem conseguir nunca o suficiente para quitar”.
Ao relatar o prejuízo sofrido com o cultivo do fumo, uma das testemunhas contou que deve a agiota, que precisou vender o boi da carroça e trabalhar por fora, pois faltou dinheiro para pagar os trabalhadores e garantir o sustento da família, a ponto de passar necessidade, sendo acolhido pelos pais, enquanto era pressionado pela Souza Cruz.
Prejuízos à saúde
O Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Norte também divulgou que os depoimentos confirmam que a aplicação de agrotóxicos era realizada sem treinamento devido e sem uso adequado de Equipamento de Proteção Individual, os chamados EPIs, cuja distribuição era insuficiente. "Ao todo, cerca de 10 agricultores trabalhavam no cultivo de um lote, mas era distribuído apenas um conjunto individual de EPI, e descartável, portanto, quantitativamente insatisfatório e absolutamente inadequado ao reuso", argumenta o procurador.
Além disso, durante a plantação, manuseio e coleta, as folhas soltavam uma espécie de musgo (seiva), que em contato com a pele causava irritação e mal-estar, sintomas característicos da doença da “folha verde”. No processo da secagem, a empresa exigia que a estufa fosse alimentada com lenha 24h por dia, por aproximadamente 3 dias ininterruptos, para manter a temperatura elevada estável e garantir a qualidade do produto.
Segundo relatos, as altas temperaturas somadas aos vapores do fumo e dos agrotóxicos resultavam em adoecimentos constantes dos agricultores, vítimas de doenças de pele, gástricas, diarreias e doenças respiratórias, que repercutem até os dias atuais, bem como de intoxicação, náuseas, vômito, cólica abdominal, fraqueza, tontura e dores de cabeça.
A ação alerta que em relação à produção e à qualidade do produto, as exigências eram criteriosas, mas, quando se tratou de resguardar a saúde e segurança do trabalhador, a Souza Cruz negligenciou atenção ao treinamento e uso dos EPIs. “Mais uma vez observa-se o desprezo com a dignidade do trabalhador, exposto a agentes nocivos do cultivo da folha de fumo sem proteção, o que exige uma reparação”, defende o procurador do Trabalho.
Fonte: G1
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