As investigações do esquema de corrupção na Petrobras pela Polícia Federal, na Operação Lava-Jato, revelaram a prática reiterada da
estatal de reajustar contratos no meio das obras, fazendo disparar o custo final de grandes projetos, como a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), alvos de auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU). Documentos obtidos pelo GLOBO mostram que a estatal também pagou suplementos a contratos de obra já concluída. É o caso da Termoaçu, termelétrica da Petrobras que fica no interior do Rio Grande do Norte. No final do ano passado, a Petrobras autorizou o pagamento de um valor extra de R$ 139,8 milhões à construtora Camargo Corrêa a título de compensação por despesas adicionais como subcontratações durante as obras da Termoaçu, cinco anos depois da inauguração. A construtora, uma das acusadas pelas investigações da Lava-Jato de participar de cartel e do esquema de pagamento de propinas na Petrobras, já havia recebido pelo menos R$ 690 milhões pela obra.
A Petrobras arcou com a maior parte do investimento porque detinha 77% da usina. A outra sócia era a Neoenergia, dona do restante das ações. Em setembro de 2008, o então presidente Lula inaugurou a Termoaçu ao lado da atual presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, que na época era diretora de Gás e Energia da estatal, à frente da área responsável pelo empreendimento. Construída para produzir 323 MW a partir da queima de gás natural e vapor para injeção em poços de petróleo na costa potiguar, a usina foi apresentada com custo total de R$ 735 milhões.
A inauguração foi por videoconferência numa universidade de Mossoró, a 125 quilômetros da usina e onde Lula tinha compromisso com a então governadora do RN, Wilma de Faria. Se tivesse ido pessoalmente à Termoaçu, Lula poderia ter visto o que observaram executivos da área de auditoria interna e controladoria da térmica, indicados pela Neoenergia: a usina tinha várias falhas de construção.
Segundo uma fonte da área de engenharia da Petrobras, a Termoaçu tinha erros construtivos como os do sistema de captação de água do Rio Açu e o assoreamento do canal de escoamento, que provocaram inundações na usina logo no início da operação. Havia erros de montagem em pelo menos quatro tanques, limitando o uso a 60% da capacidade. Os dois principais transformadores estavam fora de especificação, gerando perda de energia acima do padrão. A sala de controle, coração da térmica, não funcionava por falhas de interligação.
Executivo preso cobrou estatal
Os problemas fizeram com que técnicos da Termoaçu iniciassem negociação com a Camargo Corrêa para descontar os reparos do valor que a construtora ainda tinha a receber pelas obras. A iniciativa foi registrada em relatório das atividades de auditoria interna da Petrobras apresentado à diretoria da estatal em junho de 2009. Com a negativa da empreiteira, a direção da Termoaçu não assinou o Termo de Aceitação Definitiva da usina, bloqueando o pagamento de cerca de R$ 44 milhões. A Camargo Corrêa então passou a cobrar da Petrobras não só a liberação desses recursos, mas também o pagamento de mais R$ 320 milhões sobre o contrato original, a título de ressarcimento por “custos adicionais” que teria tido durante a obra, espécie de aditivo retroativo. Os valores estão em notificação extrajudicial assinada pelo presidente da Camargo Corrêa, Dalton Santos Avancini, com data de 29 de novembro de 2010, e enviada à direção da Termoaçu uma semana depois. Avancini foi um dos presos ontem na nova fase da Lava-Jato.
O documento, obtido pelo GLOBO, foi registrado no 2º Ofício de Notas de Natal e enviado com cópia para José Alcides Santoro Martins, atual diretor de Gás e Energia da estatal. Na época da cobrança, ele era gerente executivo de operações e participações da diretoria ocupada por Graça. Na Petrobras, Martins é conhecido como um dos executivos mais próximos dela. Em 2012, quando foi escolhida pela presidente Dilma Rousseff para presidir a Petrobras, Graça escolheu o braço-direito para assumir a diretoria de Gás e Energia.
Embora estivesse disposto a atender a Camargo Corrêa, Martins enfrentou forte oposição da Neoenergia, sócia da Petrobras na Termoaçu. Pelo estatuto da usina, a diretoria de controladoria e auditoria ficava sob influência da sócia privada. A convicção sobre a improcedência do pagamento dos acréscimos era tanta que a Neoenergia não concordou com a proposta da Petrobras de contratar uma consultoria independente para avaliar o pleito da construtora. O relatório de atividades de auditoria interna da Petrobras do terceiro trimestre de 2010, que trata de R$ 3,7 milhões relativos a gastos com seguros que a usina deveria descontar do valor do contrato com a empreiteira, menciona que “o sócio Neonergia não concorda que a Termoaçu efetue os pagamentos devidos à CCCC”, sigla da construtora.
Sócias disputavam arbitragem
O relatório menciona ainda que a solução do imbróglio dependia de uma arbitragem, processo extrajudicial sigiloso comum em conflitos empresariais, entre as duas sócias. A desavença entre Petrobras e Neoenergia começou por causa dos pagamentos à Camargo Corrêa, mas evoluiu para uma arbitragem por outro motivo: divergências sobre o preço do gás fornecido pela estatal à Termoaçu, diz uma fonte envolvida na negociação. De qualquer modo, a Petrobras só conseguiria atender aos pleitos da construtora após o fim da contenda.
A Neoenergia não concordava com o pagamento de suplementos não só por causa das falhas da obra, mas porque o contrato já havia recebido aditivos em 2005, quando a obra foi retomada após duas paralisações.
O projeto da Termoaçu começou em 2001, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Diante do racionamento, a Petrobras foi levada a se tornar sócia de investidores privados em várias geradoras de energia térmica. Na Termoaçu, entrou como minoritária no projeto liderado pela Neoenergia. A Camargo Corrêa foi escolhida para erguer a usina num contrato único, que inclui obras civis e montagem de equipamentos. O valor inicial do contrato era de R$ 167,6 milhões, com mais uma parcela de US$ 31,5 milhões referentes a equipamentos importados. Mudanças na conjuntura do preço do gás paralisaram o projeto duas vezes. Em 2005, já no governo Lula, a Petrobras injetou recursos na sociedade para retomar a obra, incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e se tornou sócia majoritária, com 77%. O contrato foi renegociado com a Camargo Corrêa para compensar gastos com manutenção do canteiro de obras e dos equipamentos nas paralisações. O novo valor apresentado foi de R$ 675 milhões. O diretor de Gás e Energia nessa época era Ildo Sauer, substituído por Graça em 2007.
Em agosto de 2013, cinco anos após a inauguração da Termoaçu, a Petrobras concluiu negociação para comprar a parte da Neoenergia. A aquisição de 23% das ações, cujo valor não foi revelado, encerrou a disputa arbitral. Pouco mais de um mês após se tornar única dona da usina, a Petrobras atendeu, ainda que parcialmente, a construtora. Em 18 de outubro de 2013, a estatal autorizou instrumento de transação extrajudicial para pagar R$ 139,8 milhões à construtora, o que levou a usina a fechar 2013 no vermelho, com prejuízo de R$ 59 milhões. O acordo está no balanço da Termoaçu, publicado em 26 de março deste ano, e inclui o reconhecimento de R$ 46,6 milhões devidos pela Camargo Corrêa à usina. Como a empreiteira recebeu menos do que pedira, esse valor acabou diluído no acordo. A Petrobras afirmou que o valor efetivamente pago à construtora foi de R$ 124,9 milhões.
Fonte: O Globo
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