Quatro dias após a presidente Dilma Rousseff usar a expressão “governo novo, equipe nova” ao ser perguntada sobre a permanência do ministro da Fazenda, Guido Mantega, em um segundo mandato, o chefe da equipe econômica quebrou o
silêncio. Em entrevista ao GLOBO, Mantega disse que goza da plena confiança da presidente e que já tinha avisado que deixaria a pasta por motivos pessoais. “No dia em que eu não tiver a confiança dela, eu saio imediatamente. Isso é condição de trabalho. Somos muito afinados na política econômica. Ela vai levar essa política econômica até as últimas consequências”. O ministro adiantou que dará um novo agrado ao setor exportador e fixará em 3% a alíquota do programa Reintegra para 2015.
A presidente deixou claro desde a semana passada que o senhor não permanecerá no Ministério da Fazenda em um próximo mandato. Como recebeu essa declaração?
O mandato termina em 31 de dezembro. E quando a gente começa um mandato, o compromisso é ir até o final desse mandato. Eu já estou aqui há três mandatos e, só na Fazenda, há dois. Dois é bom, três é demais, principalmente para minha família. Quando eu saí de casa, meu caçula tinha um ano e meio. Hoje, ele tem 13 anos. Ou seja, por 11 anos e meio o pai esteve fora. Portanto, existe uma questão familiar que se tornou muito relevante. Não tenho condições de permanecer mais num mandato. (...) Minha mulher me disse que mais um mandato e eu estou fora de casa (rs). (...) Mas ficarei neste mandato exercendo plenamente as minhas funções até o último dia. Enquanto gozar da confiança da presidenta. É uma condição que todos os ministros têm. Ela já sabia que, por motivos familiares, eu não poderia ficar mais um mandato. Não é que eu estou saindo. Eu não posso ficar mais um mandato. Eu não escondia isso de outros interlocutores. Não sei qual é a novidade.
Por que então a presidente não deixou isso claro quando foi questionada sobre sua saída num segundo mandato? Ficou a impressão de que o senhor foi demitido. Ficou constrangido?
Não. A imprensa foi muito criativa em relação ao episódio. De fato, ela falou que vai renovar a equipe, e isso é muito natural. De 2006 para 2007, Lula renovou a equipe. Em 2011, a presidente renovou a equipe. É normal que continue fazendo mudanças, reformas e tudo o mais. Estava respondendo a outros candidatos que se apressaram em nomear uma nova equipe. Tanto que ela mencionou que não ia sentar na cadeira, isso dava azar, e fez referência a um candidato do passado que fez isso. Foi mais uma resposta que vocês distorceram. Ela continua dizendo a mesma coisa. Tenho essa posição há algum tempo. Existem limites para o que você faz, e eu estou diante de um limite. Mas trabalharei arduamente como sempre tenho trabalhado, participando de todas as questões econômicas até o fim do governo.
O fato de o senhor não ter falado com a imprensa no dia seguinte também provocou estranheza. Como o senhor se sentiu?
Ficou uma situação em que eu ia ser constrangido. Eu gozo da plena confiança da presidente, e ela sempre confirmou. No dia em que eu não tiver a confiança dela, saio imediatamente. Isso é condição de trabalho. Somos muito afinados na política econômica. Compartilhamos dessa política econômica, e ela vai levar essa política econômica às últimas consequências.
Como será a política econômica agora?
O que interessa é a estratégia econômica. São as ideias, não as pessoas. Tanto ela quanto eu somos portadores de um projeto de desenvolvimento que tem acontecido no Brasil, que tem passado por etapas diferentes. E esse projeto terá continuidade. Isso pode ser implementado por pessoas diferentes.
Quais as próximas medidas que o governo pretende tomar para ajudar no crescimento?
Para ajudar as exportações de manufaturados, nós reimplantamos o Reintegra. E agora nós vamos definir as alíquotas. Vou fixar uma alíquota que seja estimulante para os exportadores. Será de 3% para o ano que vem. Isso representa uma renúncia de R$ 3 bilhões.
É preciso fazer ajustes na política econômica?
A política econômica tem sempre que sofrer ajustes. Mesmo porque a economia passa por momentos diferentes, e você tem que dar as respostas que a economia exige. Até 2007, estávamos crescendo fortemente. Em 2008 e 2009, o panorama mudou. Entramos numa crise e passamos a fazer uma política anticíclica, e isso nos distingue de outros agentes econômicos. Fizemos desonerações, reduzimos juros, impedimos que o câmbio se valorizasse. Cumprimos o tripé e fizemos a política fiscal sólida. Muita gente manteria os juros altos. Não faria desoneração com a ilusão de manter a arrecadação. A economia iria afundar.
PUBLICIDADE
O que precisa mudar, na sua opinião?
A desoneração da folha foi uma medida horizontal que aumentou o emprego e reduziu o custo da mão de obra, beneficiando os trabalhadores. Veio para ficar. Reduzimos tributação sobre todo o investimento. Demos crédito subsidiado. Se não tivéssemos feito isso, teríamos crescido menos, perdido parte da indústria. Isso não seria feito por outras pessoas. Uma entrevista do Giannetti (Eduardo Giannetti, assessor econômico de Marina Silva) fala em eliminar os subsídios, o crédito subsidiado do BNDES, que é o PSI, para máquinas e equipamentos. Ele fala que vai fazer um tratamento de choque. Que vai fazer um desmame. Vai desmontar a política industrial. Vai abrir a economia e submeter a indústria à competitividade. Ou seja, vão quebrar a indústria desse país. Isso se chama tratamento de choque neoliberal. Isso é clássico. Até acho que Giannetti é bem intencionado. Ele acredita que você tem que tirar subsídio ao crédito. Mas, lá fora, todo mundo tem isso. Temos obrigação de dar condições de competitividade. Enquanto o setor privado não tem condições de fazê-lo, temos que fazer isso.
Mas a economia não cresceu...
O crescimento durante a crise, de 2008 a 2014, dá mais ou menos 3% em média. Poucos países tiveram esse crescimento. O governo dela (Dilma), reduziu desemprego na contramão do que acontece em outros países. A massa salarial cresceu. Mantivemos um mercado consumidor forte. Tem alguma coisa mais importante num país do que gerar emprego e reduzir desemprego?
Os dados recentes do emprego mostram desaceleração...
Eu quero discordar de você. Tenho certeza de que continuamos gerando empregos. A maioria da população só melhorou de vida durante a pior crise do capitalismo.
Quanto a economia vai crescer em 2014?
Vai crescer em torno de 1%, um e pouco por cento, porém gerando emprego e aumentando a renda. Temos um mercado consumidor intacto no Brasil. Só falta crédito. Nós priorizamo o controle da inflação e a inflação está sob controle, está num patamar baixo e vai continuar. O Brasil está praticando uma das políticas monetárias mais inflexíveis de todo o planeta, com juros elevados.
Mas a inflação está no teto da meta...
A inflação está caindo. Foi 0,25% em agosto, praticamente zero em julho. Tivemos a seca, que é um fenômeno que não depende do governo e atrapalhou a economia. Mas a população não sofreu com isso. Passamos esse período sem nenhum sofrimento da população.
O que falta para retomar o crescimento?
Temos que fazer um (esforço) fiscal maior para manter a dívida caindo. Temos que baixar ainda mais a nossa dívida. Nesse pós-crise, não vamos fazer mais desonerações. Está de bom tamanho. Vamos em busca de um fiscal um pouco maior. Temos que fazer um aperto de despesas em 2015. Temos que fazer um primário de 2,5% a 2%. É perfeitamente possível. Estamos trabalhando com inflação sob controle. Então, o Banco Central, em 2015, fará política monetária mais flexível. Portanto, vai voltar a ter crédito na economia. Teremos chuva e o problema elétrico estará dissipado. Haverá equação fiscal e monetária um pouco diferente, com um fiscal mais forte para o monetário ficar mais livre.
Qual será o superávit primário em 2014?
Neste ano, vamos fazer o máximo fiscal possível. Será um resultado positivo. Temos que esperar para ver qual a arrecadação extraordinária que vamos ter no segundo semestre. Fizemos dois Refis e um leilão de 4G. Tudo isso é imponderável. Ninguém consegue acertar exatamente esses valores. Se eu fizer uma projeção por semana vocês vão me criticar. Vamos esperar para ver.
O Tesouro continua usando práticas condenadas pelo mercado para administrar o caixa, como a chamada "pedalada fiscal" (retenção de recursos de bancos públicos destinados a programas sociais, por exemplo). Isso compromete a credibilidade...
PUBLICIDADE
Não há pedalada coisa nenhuma. São contas correntes com instituições financeiras que pagam os nossos tributos. É Bolsa Família, é salário família, É o INSS. Os bancos não estão perdendo nada. Só ganham. Não há nenhum atraso de pagamento. Pode ter tido um fluxo descasado no passado.
O mercado e o setor produtivo apontam que o principal problema hoje da economia é a crise de confiança.
A Alemanha faz política fiscal austera, é a mais caxias da Europa. E há oito meses consecutivos está com queda de confiança. Vai dizer o quê? Que fizeram pedaladas? Tem um ingrediente político-eleitoral. Normal que a oposição use todos os instrumentos que tem. Avaliação do Focus (mercado financeiro) não é relevante. Importante é a avaliação da população.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua opinião é muito importante para nós, comente essa matéria!