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domingo, março 30, 2014

Cartas censuradas pelo nazismo são encontradas em colégio no Paraná

Três cartas enviadas de Londrina, no norte do Paraná, para a Alemanha, entre 1939 e 1941, foram censuradas (Foto: Rodrigo Saviani/G1)A organização do acervo do Colégio Mãe de Deus, em Londrina, no norte do Paraná, revelou aos voluntários uma descoberta histórica. Cartas que haviam sido enviadas por uma
freira, entre 1939 e 1941, enderaçadas a parentes dela na Alemanha, estavam guardadas entre os pertences da religiosa. As correspondências nunca chegaram ao destino, pois foram censuradas pelo governo nazista.
As cartas escritas pela freira de Schoenstatt irmã Mariavirgo foram devolvidas ao colégio quase 50 anos depois de serem remetidas. Com a descoberta, os materiais devem ir para o acervo do colégio, fundado em 1936.
A irmã Mariavirgo, nome que faz referência a Virgem Maria, se chamava Gabriele Moser. Ela veio da Alemanha o Brasil em 1935, junto com outras religiosas. Depois, chegou a Londrina um ano depois, vinda de Jacarezinho, também no norte do Paraná.
O destinatário descrito nos envelopes é o pai de Gabriele, Ludwig Moser, morador da pequena cidade de Geislingen. Foram encontradas três correspondências, todas apresentando o selo de censura do Terceiro Reich.
Irmã Mariavirgo chegou ao Colégio Mãe de Deus em 1936, onde ficou até falecer (Foto: Rodrigo Saviani/G1)Cartas foram escritas pela Irmã Mariavirgo, que chegou ao
Brasil em 1935 (Foto: Arquivo/Colégio Mãe de Deus)
"Essas cartas foram encontradas na coleção da irmã Maria Wilfried, que trabalhava na escola de música. Quando achamos, ficamos curiosos em descobrir o que estava escrito nessas cartas, por ser da época da Segunda Guerra Mundial”, relata o arquivista Amauri Gomes.
"Foi uma surpresa grande quanto encontramos as cartas. Pelos envelopes, vimos que eram cartas censuradas pelo nazismo e ficamos curiosos, nos perguntando o que contém essas cartas para serem censuradas, o que a irmã estaria contando'", diz Elenice Dequech, voluntária que auxilia na organização do acervo histórico do colégio.
As cartas foram encaminhadas para uma religiosa do colégio, que iniciou a tradução do texto. Ela conheceu a própria irmã Mariavirgo, que ficou no no colégio até falecer. "Vamos interpretá-las devidamente, e que fique uma nova fonte para ver o quanto essas irmãs se dedicaram", diz a irmã Maria Fernanda Balan, que auxiliou na tradução dos textos durante a reportagem.
As correspondências
As cartas são escritas em papel de seda e outros tipos. Provavelmente, a irmã utilizou bico de pena e apresenta uma bela caligrafia. Em cada correspondência, Mariavirgo inicia com a saudação “Ave Maria”.
Na primeira carta, datada de 15 de outubro de 1939, irmã Mariavirgo já mostra preocupação se as correspondências enviadas estavam mesmo chegando ao destino “Ontem recebi a noticia que a carta teve um desvio”, escreveu.
Nesta mesma carta, Mariavirgo também mostra outra preocupação: a guerra. O ano coincide com o começo da Segunda Guerra Mundial. “Como será que vocês estão? O jornal de hoje não relata nada de alegre, mas não se pode acreditar em tudo”. Depois, a religiosa tranquiliza a família, pedindo que “não se preocupem porque estou muito bem”.
A irmã contava ainda que estava trabalhando no jardim de infância, com 20 crianças. Ela relatou que a maior dificuldade é o idioma, apesar de conhecer algumas palavras que seriam necessárias para o ensino.
Mariavirgo detalha aos pais como era a cidade de Londrina na época. "Londrina está com mais ou menos 12 mil moradores. A mata virgem vai aos poucos sendo derrubada", descreve. Fala ainda das plantações de “café, milho e feijão, laranjas e bananeiras”. Sobre os moradores, a irmã os considerava "muito filial, fácil de comunicar".

Em uma das cartas, irmã Mariavirgo diz que ficava admirada com o céu estrelado de Londrina, e desenha o Cruzeiro do Sul (Foto: Rodrigo Saviani/G1)Em uma das cartas, irmã Mariavirgo diz que ficava admirada com o céu estrelado de Londrina, e desenha o Cruzeiro do Sul (Foto: Rodrigo Saviani/G1)

A religiosa conta aos pais que ficava encantada com o céu da cidade durante a noite, permitindo ver muito bem as estrelas. “As estrelas são muito lindas, principalmente o Cruzeiro do Sul, que a gente pode ver de uma maneira admirável", escreveu, desenhando no papel a imagem da constelação.
Nas outras correspondências, o conteúdo é parecido, mesclando a preocupação da situação dos pais na Alemanha, contando a rotina no Colégio Mãe de Deus, como a chegada de novas religiosas, e lembrando de outros familiares e amigos.
Na carta datada de 25 de março de 1941, ela lamenta por não conseguir escrever antes. “Não pude com isso cumprimentar o pai pelo aniversário de 60 anos, mas eu não esqueci. O bom Deus ainda conceda muitos anos de vida, saúde e alegria”, conta. Ela ainda agradece pelas cartas recebidas no período. “Eu gostaria de dizer um Deus lhes pague pelas duas cartas que enviaram. Os senhores me causaram muita alegria”, relata.
Cartas apresentam o carimbo com o símbolo do alto comando das Forças Armadas do governo nazista (Foto: Rodrigo Saviani/G1)Cartas apresentam o carimbo com o símbolo do alto
comando das Forças Armadas do governo nazista
(Foto: Rodrigo Saviani/G1)
A censura
Nos envelopes, estão inscrições mencionando que as cartas foram abertos e passaram por um censor. Uma delas tem o adesivo escrito "censor 1162", número referente provavelmente ao funcionário que violou a correspondência. Também são vistos vários carimbos do alto comando das Forças Armadas do governo nazista.
Para a irmã Maria Fernanda Balan, a censura pode ser motivada porque o Brasil não era um aliado da Alemanha na guerra. “As irmãs também sofriam preconceito aqui, porque aqui tudo o que era alemão era odiado. Se generalizava que os alemães provocaram a Segunda Guerra Mundial", opina.
Outro motivo é o fato de a carta ser escrita por uma religiosa do movimento de Schoenstatt, fundado pelo padre José Kentenich que se posicionava contra o nazismo. “Ele foi perseguido pelo sistema nazista por ser um líder, uma pessoa que exercia influência social na Alemanha”. Kentenich ficou preso por três anos em um campo de concentração próximo a Munique, sendo libertado por causa do fim a guerra.
“Padre Kentenich viu que era necessário formar um novo tipo de homem, um novo tipo de personalidade, baseada pela liberdade, educada pelo amor, em contraposição ao sistema da época”, explica a irmã Maria Fernanda.
Acervo histórico
As cartas devem fazer parte de um acervo histórico, que está sendo montado pelo Colégio Mãe de Deus. “Inicialmente, estamos fazendo um o processo de catalogação e de levantamento histórico, resgatando materiais que fazem parte dessa história de quase 80 anos”, explica o arquivista Amauri Gomes.
“Essas cartas fazem parte da história de Londrina, contam como era a cidade poucos anos depois da fundação. Então, é de grande importância localizar esse material e apresentar aos moradores”, afirma a voluntária Elenice Dequech, que auxilia no trabalho.

Reprodução Cidade News Itaú via G1

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