A dor e o sofrimento dos pacientes do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel (HWG), maior hospital público do RN, não se limita apenas aos corredores superlotados. Ontem, um paciente se recuperava de uma cirurgia no baço na porta do Centro Cirúrgico deitado numa maca cujo suporte para sua cabeça era a tampa de um tambor de lixo. Absurdos como esse e muitos outros foram vistos durante uma visita realizada pelo Conselho Regional de Medicina (Cremern), que convidou conselheiros dos Direitos Humanos no RN para conhecerem a realidade do Walfredo. O Rio Grande do Norte está em estado de calamidade há mais de 60 dias, e o plano emergencial lançado pela governadora Rosalba Ciarlini (DEM) para conter o caos ainda não apresenta resultados visíveis, pelo menos para os pacientes da unidade. Revoltados, eles chegaram a ameaçam queimar colchões. Médicos e funcionários fizeram um protesto na frente do Pronto-Socorro Clóvis Sarinho.
Para onde se olha no Walfredo Gurgel é possível ver problemas, inúmeros, graves, proporcionais à superlotação. Macas de ambulâncias do Samu ficam retidas dentro do hospital com e sem pacientes. Algumas completamente sujas de sangue. Eletrocardiogramas são feitos no meio do corredor por falta de espaço. Pacientes aguardam uma cirurgia ortopédica há mais de um mês, sem nenhuma previsão de quando farão o procedimento.
O cenário de hospital de campana, daqueles que são vistos em guerra ou em filmes de ficção, chocou os representantes dos Direitos Humanos. "É uma situação calamitosa, inimaginável. Os pacientes estão rebelados. Chegou o momento da sociedade e das instituições buscarem restaurar a dignidade dessas pessoas. Desejamos que o governo estadual reabra o diálogo e que dê resolutividade a esses problemas. Apesar de tudo, esse hospital é um grande salvador de vida. Eu já tive minha vida salva, passei três dias amarrado no corredor. O Walfredo precisa ser um hospital de vida, e não a sala da morte como é agora", afirmou Marcos Dionísio, presidente doConselho Estadual dos Direitos Humanos.
O presidente do Cremern, Jeancarlo Cavalcanti, afirmou que as instituições avaliam uma forma de propor uma ação judicial conjunta para que alguma coisa seja feita para diminuir os problemas. Eles vão se reunir na próxima segunda-feira, 17, às 9h da manhã. "Não podemos fechar o hospital, interditar as áreas mais críticas, sob risco de corrermos homicídio culposo. Vamos lutar até a última hora para os pacientes terem atendimentos dignos, como eles merecem", afirmou.
Cavalcanti disse que a situação é grave em todos os setores do hospital, especialmente no pronto-socorro, e que a única possibilidade de interdição real é no Centro de Recuperação de Operados (CRO). "Mas não é nossa intenção porque isso traria um prejuízo imenso à população, mas lá os médicos e outros profissionais trabalham em condições precárias". O DN constatou, no CRO, tambores de lixo ao lado dos leitos onde os pacientes estavam entubados, recebendo tratamento.
Grito de socorro na porta do hospital
Após a visita do Cremern e dos Direitos Humanos, os pacientes que tiveram condições de se deslocar acompanharam médicos e outros profissionais de saúde até a porta do Pronto-Socorro para fazer o protesto em frente às câmaras de televisão e jornalistas presentes durante a visita. Com palavras de ordem, os manifestantes gritavam: "Saúde é o que interessa. A Copa não tem pressa", sobre os investimentos do governo potiguar na infraestrutura para a sede da Copa de 2014.
"Queremos respeito aos pacientes, respeito a todos nós. Nossas mãos hoje não foram lavadas. Temos risco de contaminar os pacientes porque não lavamos nossas mãos por falta de sabão no hospital. Sabão. Queremos lavar as nossas mãos", gritava a técnica de enfermagem Ângela Maria Ramos, que trabalha na sala de gesso do hospital. Outra mulher, a acompanhante de um paciente, se ajoelhou e implorou por ajuda. "Peço até pelo amor de Deus. Nos ajudem. Tenham piedade. Misericórdia de todos nós", rogou a mulher.
Vítimas da crise e do descaso
Na porta do hospital, sem macas
O agricultor Francisco Canindé Dantas, 47 anos, tem problemas com alcoolismo e está com crises cardíacas. Ele precisou ser transferido do Hospital Alfredo Mesquita, em Macaíba, para o Walfredo Gurgel, mas teve que ser conduzido sentado por falta de macas - retidas dentro do hospital. "Ele está sofrendo muito. Tem problemas no coração. Sequer tem uma cadeira de rodas para levá-lo lá pra dentro", afirmou a acompanhante, Maria Edna Dantas, auxiliar de serviços gerais.
No Politrauma, dor e revolta
Não bastasse o sofrimento de ter a mãe assassinada na segunda-feira no bairro Planalto, o desempregado José Maria de Souza, 29 anos, sofreu um tiro no rosto após a ocorrência e foi levado ao Hospital Walfredo Gurgel. Sem poder falar com tanta dor, ele está internado no setor de Politrauma. "Ele foi ajudar minha mãe, mas os caras invadiram a casa dela e a mataram com oito tiros. Ele queria pegar os caras, e a polícia baleou ele. A bala está alojada no corpo dele. Ninguém quer tirar", diz a irmã Cleosilva Souza, 29 anos, passadeira de hotel que acompanha o paciente. José Maria está internado no lugar errado. O Politrauma é uma espécie de porta de entrada que recebe e estabiliza os pacientes, antes da internação.
Tambor de lixo como travesseiro
O paciente Jefferson Diego Rodrigues Rocha, 22 anos, sofreu um acidente de moto e está internado há três dias na porta do Centro Cirúrgico, por falta de vagas no Centro de Recuperação de Operados (CRO), o pós-operatório do Walfredo. Desiludido, ele está deitado num colchão que tem um tambor de lixo servindo de suporte para sua cabeça. "Perdi meu baço, estou com meus testículos inchados. Faltou lençol, cobertor, produtos de higiene. Com hospital lotado, nem só os médicos e funcionários estão revoltados. Me sinto destruído, estou sofrendo o pão que o diabo amassou. Alguém precisa fazer alguma coisa pelo amor de Deus".
Acompanhante ajuda no curativo
O autônomo Francisco de Assis Souza Lopes, 43, sofreu um acidente de moto e, por falta de pessoal suficiente para a grande demanda, precisou do apoio do amigo e acompanhante João Maria Oliveira, para levantar o braço e possibilitar que a enfermeira Uiara Pinheiro, pudesse fazer seu curativo, nos corredores lotados do Walfredo Gurgel. "É normal os acompanhantes nos ajudarem porque não têm funcionários suficientes. Não era pra ser assim", relata.
Fonte: DN Online/Cidade News Itaú
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