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quinta-feira, abril 12, 2012

PMs cobram para trabalhar no interior


O arrastão praticado por um grupo armado em Janduís na terça-feira passada, 10, trouxe à tona o velho problema da falta de segurança nas cidades do interior e uma grave denúncia feita pelo prefeito da cidade, Salomão Gurgel. Ele afirma que vem sendo pressionado há vários anos pelos policiais militares da cidade a pagar propina para que eles executem suas atividades de policiamento. As cobranças de pagamento são constantes e teriam sido mencionadas por policiais novamente após o arrastão da terça.
Salomão Gurgel está completando seu segundo mandato à frente da Prefeitura de Janduís, cidade distante 101km de Mossoró, e diz que as pressões para pagamento de propina começaram logo no início do seu mandato e continuam até hoje. A cobrança, segundo ele, é feita pelos policiais que são designados para trabalhar no município. Os valores cobrados variam de acordo com a patente. A cidade de pequeno porte tem à frente um sargento que coordena um grupo de soldados. Para os sargentos, segundo o prefeito, o valor cobrado varia entre R$ 600,00 e R$ 800,00 mensais.
Os soldados, cada um, custam cerca de R$ 200,00 mensais. Sendo assim, numa cidade como Janduís o prefeito teria de pagar aproximadamente R$ 2.000,00 mensais, contemplando seis soldados e um sargento. Salomão faz questão de dizer que, apesar das constantes pressões que tem sofrido ao longo desses oito anos que administra a Prefeitura de Janduís, nunca pagou a propina. "Além da assistência (feita oficialmente) que a gente já dá, através de uma parceria mantida legalmente com as forças policiais, ainda querem mais uma ajuda financeira", reclama, revoltado, o prefeito.
A assistência a que se refere Salomão Gurgel é com relação ao mantimento dos policiais, do prédio, da viatura e dos equipamentos de trabalho, como computador, por exemplo. A segurança é uma atribuição específica do Governo do Estado, mas é exercida também pelas Prefeituras, como uma forma de auxiliar o Governo e melhorar o rendimento das forças de segurança. Os custos são variados. Em Janduís, segundo o prefeito, existe um convênio entre o Município e a Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social (SESED), que oficializa as ajudas dadas aos policiais.
A Prefeitura custeia a alimentação (café, almoço e janta), o que gera aproximadamente R$ 2 mil de custos mensais, reposição de peças para as viaturas, como pneus e outros, doação de equipamentos, manutenção do prédio e outros. "Só isso já nos dá um custo muito alto", reclama Salomão, disparando: "Nós fazemos tudo isso e não temos a segurança que precisamos para os nossos munícipes". "Os policiais, quando chegam aos nossos municípios, já vêm perguntando quando será pago ao sargento e aos soldados pelos prefeitos. É uma prática bem comum, infelizmente", reclama.
Ainda segundo a denúncia feita pelo chefe do Poder Executivo de Janduís, esse costume de cobrar propina para prestar segurança à população é feita com o conhecimento dos superiores. A PM na cidade de Janduís, por exemplo, é subordinada ao Batalhão de Patu, cidade próxima, que já é subordinado a outras instâncias na Polícia Militar, chegando ao Comando-Geral, que é o administrador maior da PM. Ele não detalha, no entanto, até que ponto vai esse conhecimento dos superiores. "Nossa polícia chegou a esse ponto com a complacência dos gestores", complementa o prefeito.

População já pagou dinheiro extra a PMs
Com a recusa do Executivo em ceder às supostas pressões feitas pelos policiais militares que trabalham ou já trabalharam na cidade, a própria população já se reuniu e juntou o dinheiro para pagar os PMs.
Salomão Gurgel não informou com precisão a época em que isso ocorreu, mas garante que as pessoas davam uma certa quantia e todo o dinheiro apurado era entregue ao comandante do Destacamento da Polícia Militar no município. "Um dava cem (reais), outro dava (dez) e ia juntando até chegar o valor cobrado pelos PMs", diz.
Ao ser questionado sobre melhorias na segurança com o pagamento do dinheiro extra, o prefeito é enfático e nega ter percebido qualquer avanço. Para ele, os policiais receberam o dinheiro por um determinado tempo e a cidade continuou sofrendo com a violência.
"A população já se reuniu e arrecadou dinheiro, fazendo essa doação por conta própria. Cada um dava o que podia e repassava esses valores para os policiais. Não melhorou em nada quando isso foi feito."

Prefeito diz que sofrerá represálias
Apesar de ser uma prática comum, bastante antiga no interior do Rio Grande do Norte, segundo o prefeito Salomão Gurgel, o assunto é novidade na imprensa. Por isso, o chefe do Executivo de Janduís afirma que já espera sofrer represálias após as denúncias que está fazendo contra policiais militares que cobram pagamento extra.
"Nós vamos sofrer represálias, policiais não vão querer vir para Janduís", desabafa Salomão, reafirmando seu posicionamento contra essa prática.
"É uma prática ilegal você dar dinheiro extra para policiais porque isso se caracteriza como crime de corrupção. Dar dinheiro a um senador, deputado, prefeito, para que ele lhe ofereça benefícios, é passível de punição e o mesmo acontece com o policial", compara.
As possíveis represálias temidas pelo prefeito referem-se apenas ao fato de policiais se recusarem a trabalhar na cidade ou que, forçadamente, tenham que ir, mas não se esforcem.
Ele não fala durante a entrevista em represálias físicas, por exemplo, e aproveita o momento para orientar os prefeitos das outras cidades a adotar essa mesma postura.
"Os prefeitos não devem dar porque não há como justificar dar dinheiro a policiais, e segundo, as nossas Prefeituras não dispõem desse dinheiro."

Sargento diz que recebe em Janduís
O sargento Edevânio Cunha, comandante do Destacamento da Polícia Militar de Janduís, revela que recebe pagamento mensal da Prefeitura, assim como os cinco soldados que trabalham com ele na cidade. A verba dele é de R$ 600,00 e os soldados recebem mais R$ 300,00, cada.
O militar confirma que recebe o dinheiro, o qual ele trata como ajuda de custo. Ele vai de encontro ao que foi dito pelo prefeito da cidade, Salomão Gurgel, que nega pagar qualquer dinheiro extra aos PMs e denuncia estar sendo cobrado.
"Ele não é obrigado a gratificar policiais. Eles dão dinheiro de livre e espontânea vontade. A gente trabalha assim... Pela ajuda que eles dão. É uma ajuda. Tem que ter ajuda, né? Eles não têm obrigação de dar", defende-se o militar, justificando-se, ao afirmar que o pagamento recebido não é forçado.
O militar mostrou-se extremamente revoltado com as declarações dadas pelo prefeito, que concedeu entrevista a emissoras de rádio da região ontem, falando sobre o caso.
"Eu e cinco policiais recebemos e assinamos todos os meses. Ele dá sem obrigação. A gente serve onde for determinado. Ninguém obriga ninguém a dar nada a ninguém não. Eles dão porque gostam de ajudar à Polícia", reafirma.
Cunha confirma que o pagamento extra feito pelas Prefeituras é comum no interior. Ele está em Janduís há menos de um ano. Antes trabalhava em Frutuoso Gomes, onde também havia dinheiro extra.
O comandante recebia R$ 600,00 em dinheiro e os soldados recebiam R$ 400,00, cada.

Fonte: Defato

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