Causa estranheza a quem chega à estrutura de casas erguidas no assentamento Nova Esperança, em Mossoró, a antiga Fazenda São João. Não precisa conhecer muito de agricultura para saber que ali nem todos os moradores estão envolvidos com o projeto de reforma agrária. A proximidade do terreno desapropriado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) com o Mossoró West Shopping levou a especulação imobiliária até os assentados e deu início a um ciclo criminoso que envolve colonos, empresários e até policiais militares. Hoje, lotes são vendidos por R$ 50 mil e depois revendidos pelo dobro do preço, dentro de um processo ilegal que vai de encontro ao que determina o Incra e a legislação.
Uma investigação conjunta da Polícia Federal, Incra e Ministério Público Federal confirma as suspeitas sobre venda de lotes do assentamento a empresários de Mossoró sem nenhuma vinculação com o projeto de reforma agrária. Em outros casos, policiais são investigados, suspeitos de participação no processo ilegal de compra e venda de terrenos dentro do Nova Esperança.
Conhecidos entre os assentados, os nomes das pessoas envolvidas nas transações são mantidos em sigilo pelos órgãos que comandam o processo de investigação. Mas devem ser revelados brevemente, assim que o Ministério Público Federal concluir o processo e denunciar todos os acusados à Justiça. O procurador-geral da República, em Mossoró, Fernando Rocha é enfático em afirmar que "todos" serão responsabilizados. "Já possuímos elementos fortes para dizer que essa prática existe dentro daquela área. Concluída a investigação, todas as pessoas serão responsabilizadas criminalmente", afirma.
Para quem comprou lotes e construiu casas no local, a abertura do processo é sinônimo de perda do terreno. "Quem comprou esses lotes sabia que isso era ilegal. Aquele terreno foi desapropriado para fins de reforma agrária. Não importa quem seja. Quem comprou lote ali ilegalmente vai perder. O Incra vai retomar. Aquilo é propriedade da União", comenta o procurador.
Uma vistoria feita por técnicos do Incra atestou que dos 190 lotes que compõem o assentamento Nova Esperança, 51 apresentaram irregularidades, entre elas a venda ilegal. O próximo passo, agora, será o de análise dos documentos. Nesta fase, caberá à Comissão de Supervisão, coordenada pelo procurador federal do Incra/RN, Adriano Vilar Villaça, verificar caso a caso. Existe situação em que os problemas são apenas documentais e plenamente possíveis de serem resolvidos e as famílias continuarem em seus lotes. Noutros, está constata a compra do lote e da casa, prática considerada criminosa pela Justiça.
Após a análise, serão dados os encaminhamentos de notificação para que as 102 famílias apresentem suas defesas. Se no período definido pelo Incra, as famílias não se defenderem ou as defesas não forem consideradas procedentes, o Instituto Agrário poderá ajuizar a reintegração de posse, retirando as pessoas que estão irregular no lote e casa.
Eletricista foi morto após acompanhar visita do Incra
Na noite de 3 de dezembro do ano passado, o eletricista e morador do assentamento Nova Esperança, Carlos Alves de Lima Júnior, conhecido como "Júnior da Pousada", foi executado com sete tiros de pistola quando estava consertando o som do seu carro, no assentamento Juremal, no município de Baraúna. A morte dele pode ter relação com o esquema de compra e venda de terrenos no assentamento, conforme está apurando a Polícia Civil, com acompanhamento do Incra.
"Júnior da Pousada" foi executado exatamente um dia depois da visita dos técnicos do Incra e da Polícia Federal ao assentamento. Eles estavam levantando informações sobre a situação na área. Júnior acompanhou todos os dias da visita. O DE FATO apurou que há suspeita de que os matadores pensassem que a vítima teria dado informações aos fiscais sobre a compra e venda de terrenos no local.
O procurador-geral da República, Fernando Rocha, confirmou a suspeita da ligação do crime com os casos investigados, mas disse que essa parte está sendo investigada pela Delegacia de Polícia Civil em Baraúna. "É uma situação complicada naquela área, mas o Ministério Público Federal não vai se intimidar de forma alguma. Todos serão responsabilizados", assegurou.
Fonte: Defato
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