Uma das causas que tem ganhado cada vez mais apelo frente ao Poder Público e sociedade civil, a luta pela inclusão da pessoa com autismo está cada vez mais presente em discussões e ações no debate social, embora ainda careça de ações práticas e inclusivas para as pessoas com autismo, condição que pode afetar 1 a cada 36 crianças, segundo o último levantamento do Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Nesta semana, no dia 02 de abril, foi comemorado o Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo.
Pais e mães são enfáticos ao alegarem que o tema está sim mais presente nas discussões sociais, no entanto, as judicializações por terapias e acesso à escolaridade, por exemplo, são realidades constantes. No interior do Estado, por exemplo, as situações são ainda mais complexas e desafiadoras, segundo mães ouvidas pela TN.
O número divulgado pelo CDC em 2023, referente a crianças dos Estados Unidos, mostra um aumento no número de casos de autismo no mundo, já que em 2000 essa proporção era de um caso a cada 150 crianças. Entre as principais hipóteses apontadas estão o maior acesso da população aos serviços de diagnóstico, formação de profissionais capazes de detectar o transtorno e ampliação da compreensão do que é o autismo.
Segundo Priscila Oliveira, mãe de Piero, 12 anos, os primeiros sinais do seu filho a serem identificados foram o atraso na fala, com o diagnóstico vindo aos 5 anos. A avaliação precoce, inclusive, foi essencial para dar início aos tratamentos, que precisaram de ida à justiça. No entanto, o desenvolvimento do seu filho veio atrelado a outro obstáculo: o acesso à escola, que ela também só foi conseguir após judicialização, mesmo sendo para uma escola pública. A luta foi para ter direito a um Atendimento Educacional Especializado (AEE).
“Do ano passado para cá judicializamos para que ele pudesse ter um professor que pudesse fazer educação especial para fazer intermediação com o conteúdo da sala de aula, já que ele não tem autonomia e são várias matérias. Conseguimos isso, mas esse ano, apesar de termos feito renovação de matrícula, começamos o ano letivo sem esse professor. Ele está indo duas vezes por semana para 50 minutos na sala de AEE, que é um suporte pedagógico”, explica.
A mãe chegou a fazer uma denúncia em sua rede social sobre as situações pelas quais seu filho passou, como ter sido colocado num canto da sala de aula assistindo vídeos no Youtube, e atestados apresentados pelos docentes impossibilitando sua ida à escola. Atualmente, Piero faz três sessões de terapias numa clínica privada em Natal, além de ir à escola em dois dias na semana. A evolução, segundo a mãe, é constante.
“O que procuramos é a busca pela estimulação. A ideia é a autonomia da pessoa com deficiência para que ele possa se desenvolver e ter uma vida adulta funcional. Piero é autista de nível de suporte três, não oralizado, e várias atividades como alimentação, dormir bem, não andar de ponta de pé, as crises dele conseguimos ter previsibilidade e a terapia tem sido um divisor de águas”, acrescenta. Segundo ela, seu filho gosta de assistir desenhos japoneses e tem hiperfoco em marcas de carros, uma das características da pessoa com autismo.
Segundo a coordenadora do grupo Mães Corujas Batalhadoras, Rochelle Barbalho, que conta com mais de 170 participantes de todo o Estado, o acesso à educação e terapias têm sido os grandes desafios de mães atípicas no Rio Grande do Norte. Rochelle é mãe de Alberto, de 17 anos, e relata que seu filho tem conseguido ir à escola e é bem acolhido pelos colegas. Atualmente, ele está em processo de alfabetização. “A interação com os colegas é grande! Eles gostam muito dele”, comemora.
“É comum demais os meninos não irem às escolas pela falta de auxiliares. Por outro lado, às vezes não são professores, são estagiários, com remuneração baixíssima, então às vezes eles não querem”, comenta. “Essa capacidade dos autistas se organizarem não é do mesmo jeito. Há todo um planejamento feito por eles, por isso a rotina é importante”, reflete.
Em nota, a Secretaria de Estado da Educação e Cultura (SEEC-RN) disse que, sobre a denúncia na Escola Estadual Augusto Severo, a pasta convocou professores para atuarem no atendimento da Educação Especial. No entanto, o número de profissionais que compareceram ao chamado foi menor do que o esperado pela pasta. A pasta disse ainda em nota que a oferta da educação especial na rede estadual de educação cresceu no comparativo entre os últimos dois anos letivos, saindo de 7.911 em 2022 para 8.622 no último ano letivo.
“A secretaria está organizando as demandas para uma nova convocação de professores em substituição aos que não compareceram ao primeiro chamado. Na escola estadual Augusto Severo, uma das professoras da educação especial, teve que se afastar por motivo de doença, no início do ano letivo, que começou no dia 4 de março. Mas a escola conta com professores da base comum curricular, de atendimento educacional especializado e cuidador”, disse.
Mobilização avançou, mas é preciso mais
Mesmo com os desafios presentes diários, pais e mães apontam que a causa tem ganhado cada vez mais apelo na sociedade, apesar de apontarem que são necessárias ações mais efetivas do Poder Público para para a pessoa com autismo. Nessa semana, por exemplo, ocorreu a 9ª edição da caminhada da pessoa com autismo. “Com essa mobilização social e todas essas informações, plantamos essa sementinha e criamos pontes da inclusão, pois há muros altos do capacitismo”, explica Priscila Oliveira.
Outras das ações elencadas pelas mães são algumas legislações recentes aplicadas no Estado, como a Lei Complementar nº 685/2021, conceder o direito a horário especial ao servidor público considerado pessoa com deficiência ou que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência de qualquer natureza, incluindo-se os responsáveis por pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Nessa semana, a Assembleia Legislativa aprovou projeto de lei que assegura o direito ao atendimento psicossocial prioritário aos responsáveis que se dedicam integralmente ao cuidado de pessoas com deficiência. Uma lei semelhante foi aprovada na Câmara Municipal de Natal.
Decisões judiciais
Com um aumento considerável no número de judicializações, as decisões precisariam serem uniformes, segundo análise e avaliação do advogado Airton Romero Ferraz, especialista no tema e a frente de vários casos de judicializações sobre autismo no Rio Grande do Norte.
O advogado cita como exemplo um acórdão feito recentemente no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), que vem garantindo decisões uniformes, com respaldo médico e cientifico.
“O Tribunal de Justiça de Pernambuco elaborou por meio de um Acórdão onde teve a participação, em sua elaboração, de médicos e estudiosos da área voltado ao autismo, diretrizes a ser seguida por todos os juízes e desembargadores quando o assunto for o direito dos Autistas. Já aqui no RN isso ainda não existe e com isso, lá alguns direitos são garantidos pela justiça e aqui no RN não o são, como por exemplo, as terapias em ambiente domiciliar e escolar, pois uma parte do tratamento deveria ser em seu ambiente natural, buscando com isso, dar uma melhor qualidade de vida as pessoas com transtorno do espectro autista e as suas familias consequentemente”, explica o advogado.
“Ainda estamos longe de poder dizer, que no Rio Grande do Norte, as pessoas com transtorno do espectro autista, possuem seus direitos respeitados, pois, por exemplo, as terapias e tratamentos ainda são muito caros, são diários e dependem de um conjunto de profissionais, tais como: Psicólogos, Fonoaudiólogos e Terapeutas Ocupacionais. A maioria das pessoas, que não possuem planos de saúde e dependem da rede pública, não possuem acesso a esses tratamentos com a intensidade, periodicidade e qualidade que deveriam ter”, finaliza.
Fonte: Tribuna do Norte
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