O Exército não esclareceu quais foram as punições adotadas para oficiais que assinaram uma carta que, segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, tinha "clara ameaça de atuação armada" após as eleições de 2022.
A Força informou ter aberto processo disciplinar contra 46 oficiais que assinaram o documento, mas não revelou quantos nem quais foram punidos pela ação.
A informação consta de resposta dada pelo gabinete do Comandante do Exército a pedido feito por meio da Lei de Acesso à Informação.
O documento, intitulado "Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro" é um ponto relevante das investigações feitas pela PF sobre a participação de militares na trama golpista.
Para a PF, o documento foi "utilizado como instrumento de pressão ao então Comandante do Exército General Freire Gomes".
Pressão para aderir a golpe
Em depoimento à Polícia Federal, no dia 2 de março, Freire Gomes foi questionado sobre a carta e afirmou que ficou sabendo dela por meio da Comunicação Social do Exército.
Perguntado se o documento foi feito para pressioná-lo "a aderir ao Golpe de Estado", o general disse que sim e informou que "determinou que fosse feita uma apuração em todos os Comandos de Área para que identificassem e tomassem as providências cabíveis" para identificar quem participou da carta.
O ex-comandante afirmou que "foi identificada a participação de alguns militares que foram punidos na medida de suas participações no ato" e que não considera lícito que oficiais da ativa das Forças Armadas se manifestem politicamente, como no documento.
O atual comandante do Exército, general Tomás Paiva, pediu uma análise aprofundada para saber se de fato houve punição aos envolvidos.
Militares interrogados
O documento alvo da investigação foi encontrado no celular do tenente-coronel e ex-ajudante de ordens da Presidência, Mauro Cid. Os investigadores suspeitam que o documento tenha sido produzido em uma reunião de militares em novembro de 2022.
O coronel Bernardo Romão Correa Neto, por exemplo, foi questionado sobre ter enviado a carta a Cid logo após a reunião, mas disse não saber quem elaborou o documento, negou que ela tenha sido redigida na reunião e disse não concordar com o conteúdo do texto.
Outro interrogado sobre o tema é o tenente-coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, que, para a PF, integrava o "núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral". Cavaliere disse à PF que chegou a assinar o documento, mas depois retirou a assinatura e orientou outros a retirarem. O oficial informou ainda à PF ter ouvido de Cid que o então presidente Bolsonaro sabia da carta.
Outros militares ouvidos pela PF e investigados no caso, como o general da reserva Estevam Teophilo, também negaram envolvimento com o documento.
'Hierarquia e disciplina'
O Gabinete do Comandante do Exército informou na resposta que "sendo considerada uma manifestação de cunho político, o que se caracteriza como transgressão disciplinar para os militares da ativa, o Comando do Exército determinou a abertura de Processo de Apuração de Transgressão Disciplinar (PATD) em relação aos 46 (quarenta e seis) oficiais identificados como signatários da Carta, conforme previsto no Regulamento Disciplinar do Exército (RDE)".
O acesso à lista de militares e as respectivas punições, no entanto, foi rejeitado em mais de um pedido.
Na negativa, o Exército alegou se tratarem de dados privados e disse que "a identidade, os dados funcionais e pessoais desses militares, e as respectivas punições disciplinares não foram divulgados, a fim de manter-se no âmbito de seus respectivos Comandos, para preservar a hierarquia e a disciplina".
O argumento se assemelha ao utilizado em 2021 pelo Exército para negar o acesso à íntegra das informações sobre a investigação disciplinar contra o então general Eduardo Pazuello, hoje deputado federal (PL-RJ). Em maio daquele ano, então general da ativa e ex-ministro da Saúde, Pazuello participou de um evento político com o então presidente Jair Bolsonaro.
Em junho, o Exército divulgou que Pazuello não seria punido, mas não divulgou a íntegra do processo que levou à decisão. Apenas em 2023, já no governo Lula, a Controladoria-Geral da União mudou de entendimento sobre o caso e determinou o acesso às informações.
À época, o princípio aplicado foi de que "o direito de acesso a processos disciplinares, o qual orienta que, após a tomada de decisão, qualquer particular tem direito a obter vista e cópias dos autos, independentemente de ser parte diretamente interessada ou não."
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