A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (30), por 307 votos a 27 e uma abstenção, um projeto que permite os governos federal, estadual e municipal a realizar uma disputa sigilosa de licitações para obras e serviços de engenharia.
As licitações são processos administrativos obrigatórios, salvo exceções, para a compra de bens e serviços.
Segundo a proposta, órgãos das três esferas de governo poderão adotar o modelo chamado de “disputa fechada” para licitações com valor estimado acima de R$ 1,5 milhão. A permissão valerá para contratação de:
obras ou serviços especiais de engenharia
serviços comuns de engenharia, que incluam serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual
e serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos
O texto, que seguirá para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), modifica a atual Lei de Licitações, que valerá integralmente a partir do dia 30 deste mês.
Até lá, a União e os estados e municípios poderão optar por realizar licitações nos três formatos antigos.
A disputa fechada já estava prevista na legislação, mas era proibida para licitações que tinham como critério de escolha o menor preço ou maior desconto.
Com o texto aprovado pela Câmara e pelo Senado, a possibilidade passa a valer até mesmo para disputas com esses critérios, desde que para a contratação dos serviços mencionados acima.
O modelo fechado permite que propostas sejam submetidas pelas empresas sem a divulgação pública dos lances. Os valores somente são conhecidos na data e hora escolhidas pelo órgão.
Na disputa aberta, porém, os lances são divulgados de forma aberta e transparente, com a garantia de consulta pública aos valores.
A mudança aprovada pelo Congresso pode, na prática, diminuir a transparência nas disputas de obras públicas.
Autora da proposta, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) afirmou que a alteração era necessária porque a “dinâmica da fase de lances é incompatível com a complexidade de orçamentação de grandes obras e serviços de engenharia”.
“A criação de estímulo artificial para a oferta de descontos sucessivos nas licitações para obras e serviços de engenharia desse porte pode provocar cotações inexequíveis e jogos de planilha, provocando inclusive a necessidade de renegociações precoces”, disse a senadora.
Em seu parecer, o relator do texto na Câmara, deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), argumentou que a mudança “mostra-se condizente com a proteção do interesse público, bem como homenageia a busca da melhor proposta para a administração pública”.
‘Carona’ para municípios
O projeto também permite que gestores municipais possam aderir a licitações de outras prefeituras na condição de não participante – na prática, uma “carona” de municípios que não participaram do planejamento da contratação.
Hoje, a legislação permite esse modelo de adesão à ata de registros de preços apenas para o governo federal e para os estados.
Pela lei atual, para ter direito a essa carona, os órgãos devem justificar vantagem na adesão e demonstrar que os valores registrados são compatíveis com o mercado, por exemplo.
A demanda para incluir as prefeituras foi proposta pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), que afirma que a medida dá "mais agilidade na aquisição de bens e serviços".
O deputado Domingos Sávio (PL-MG), que leu o parecer em nome de Elmar, que não estava na sessão, disse que a medida busca um “aprimoramento” na legislação.
Apesar de hoje a lei proibir a adesão de municípios, há um entendimento de que, na prática, isso continuava ocorrendo.
“O que existe neste projeto é a busca de aprimoramento, para estabelecer que ela só poderá ocorrer se houver licitação, e não apenas o que hoje se convencionou chamar de "carona", ou seja, há uma ata, o Município adere e não promove o processo licitatório. Então, é o processo de buscar o aprimoramento, de dar mais transparência a isso”, disse.
Reaproveitamento de recursos
O texto também incluiu, na Lei de Licitações, a possibilidade de os órgãos públicos reaproveitarem recursos destinados a empresas que romperem o contrato de prestação de serviço.
O reaproveitamento somente será possível para o dinheiro que ainda não tiver sido efetivamente pago e deverá ser utilizado em nova contratação. A hipótese também valerá para casos em que a empresa vencedora da licitação não assinar o contrato.
Outra mudança do projeto permite que empresas usem títulos de capitalização como garantia da prestação de obras e serviços.
Atualmente, a Lei de Licitações prevê que o edital da licitação pode exigir como garantia:
caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública
seguro-garantia
e fiança bancária
Uso de recursos federais
Em outra alteração, o projeto cria um regime simplificado para a fiscalização e utilização de recursos enviados pelo governo federal aos estados, municípios e entidades privadas sem fins lucrativos. Esses repasses podem ser utilizados, por exemplo, para obras públicas de comum acordo.
Segundo o texto, contratos de até R$ 1,5 milhão serão pagos de forma única e não dependerão de aprovação prévia de um projeto. O repasse só terá obstáculo quando houver exigência de projetos de engenharia e licenciamento ambiental, por exemplo.
O projeto prevê que o cumprimento da parceria só será verificado ao final da execução do projeto.
Também abre a possibilidade de utilização da sobra do contrato para ampliar a meta e os objetivos estabelecidos no projeto inicial. Exemplo: se houver saldo em um convênio entre a União e um governo municipal para a construção de 7 salas de aula e banheiros para pessoas com deficiência, a Prefeitura poderá utilizar o dinheiro que sobrou para ampliar o número de espaços que serão entregues.
Discussões durante a sessão
Por volta das 20h de quarta, na mesma sessão o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), havia informado ao plenário que encerraria os trabalhos após a votação de um projeto que tratava sobre regulamentação de pesquisas clínicas em seres humanos.
A sessão, contudo, prosseguiu até a madrugada.
Um requerimento de urgência para analisar o projeto foi colocado em votação às 23h17 da noite pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que presidia a sessão, mesmo após protestos de alguns parlamentares.
A aprovação do pedido permitiu que o mérito da proposta fosse analisado em seguida, mesmo com críticas de alguns deputados de que o conteúdo do relatório não era conhecido.
O deputado Gilson Daniel (Podemos-ES) chegou a fazer um apelo para que o mérito do texto fosse votado apenas na próxima semana.
“É uma lei importante, que afeta os municípios brasileiros, os estados, as compras governamentais. É preciso uma análise mais criteriosa. Essa forma de votar, em seguida à votação do regime de urgência é ruim”, disse.
O deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) disse que "o projeto pode ser bom, pode ser ruim", mas que ele foi" convencido pela liderança do União Brasil, pelo deputado Domingos Sávio [deputado que leu o parecer do projeto], que é do nosso partido, de que o projeto é bom". Contudo, o parlamentar reclamou da falta de previsibilidade nas votações.
"Mas eu falo, repito e insisto, que tem que haver previsibilidade para a pauta da semana, a fim de evitar debates desgastantes, para não chegarmos à 0h04 debatendo coisas simples", disse.
O deputado Márcio Correa (MDB-GO) também reclamou que não houve previsibilidade para a votação e questionou no plenário: "a quem interessa esse projeto?"
"Deixo aqui o meu repúdio a esse rolo compressor que coloca em pauta a Lei de Licitações, mais de meia-noite, sem ter sido enviado o texto anteriormente a esta Casa. E vem a dúvida: a quem interessa esse atropelo?", disse.
Ao orientar contrário à medida, Tarcísio Motta (PSOL-RJ), disse que o debate sobre a Lei de Licitações é importante, mas "deveria ser feito com um pouco mais de calma".
"Admitir títulos de capitalização como forma de garantia, esse é um tema que precisa ter mais cuidado, porque pode ser prejudicial ao Erário público. Outro exemplo é a previsão de que, em obras de engenharia cujo valor ultrapasse R$ 1,5 milhão, o processo seja de modo fechado. Isso favorece o acordo escuso, a combinação de preços, mas está nesse projeto que estamos votando agora."
Em nome do governo, o deputado Alencar Santana (PT-SP), orientou favorável, mas disse que se houver vetos presidenciais, há um compromisso com o deputado Elmar Nascimento (União-BA) de que eles serão mantidos pelo Congresso.
Fonte: g1
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