Ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Barbosa Cid afirmou à Polícia Federal que três assessores presidenciais utilizavam a estrutura do governo, em uma sala do Palácio do Planalto, para produzir parte do conteúdo que o então presidente difundia para seus contatos e nas redes sociais.
Segundo a investigação da PF, o material continha ataques às instituições democráticas, como o Supremo Tribunal Federal (STF).
O depoimento de Cid foi prestado em 28 de agosto como parte de seu acordo de delação premiada – firmado com a PF e homologado em 9 de setembro pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo. A íntegra do material ainda não foi tornada pública.
As informações dadas pelo militar reforçam a principal suspeita da PF no inquérito das milícias digitais, de que Bolsonaro e aliados usaram a estrutura do governo para atacar e tentar fragilizar as instituições.
O chamado "gabinete do ódio", segundo o relato de Cid, era formado por Tércio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz — referidos no depoimento apenas por seus primeiros nomes.
Tomaz e Gomes foram nomeados assessores especiais do gabinete pessoal do presidente em janeiro de 2019, no início do governo Bolsonaro. Diniz ocupava um cargo na Secretaria de Comunicação.
Esse núcleo, ainda segundo Cid, tinha "relação de subordinação" com o vereador Carlos Bolsonaro, que "ditava" o que deveria ser produzido. A parte da delação relativa à liderança de Carlos foi antecipada pelo "UOL" no último dia 11.
Tércio Arnaud Tomaz afirmou ao blog que não há provas de que existia um "gabinete do ódio".
"O que existia era a assessoria especial do presidente da República. Estou com todos meus sigilos quebrados desde 2020 e nunca conseguiram nenhuma materialidade [de crime] para me convocar para uma CPI, pois não existem provas, apenas fofocas", disse.
Procurados por meio de telefonemas e e-mails, José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz não foram localizados. A assessoria do vereador Carlos Bolsonaro informou que ele não iria se manifestar, por estar em um evento.
O que a PF já havia descoberto
A PF já havia reunido elementos que indicam que Jair Bolsonaro era o difusor inicial dos ataques às instituições e aos ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), registrados nos últimos anos.
Esses elementos foram descobertos com a apreensão do celular do empresário Meyer Nigri, em agosto de 2022.
Foram encontradas com Nigri mensagens do ex-presidente que acusavam falsamente ministros do TSE de fraudar as urnas eletrônicas. Ao final, Bolsonaro pedia ao empresário: "Repasse ao máximo". Nigri negou à PF ter cometido irregularidades.
O que faltava para a investigação
Desde a descoberta dessas mensagens, a polícia vem buscando identificar quem escrevia os textos para serem disseminados pelo ex-presidente.
Esse dado é considerado relevante para a conclusão do inquérito das milícias digitais por permitir fechar o "ciclo" das notícias falsas (produção – disseminação – repercussão).
De acordo com a delação de Cid, ao menos parte das mensagens encaminhadas ou publicadas nas redes por Bolsonaro era elaborada dentro do Planalto pelo "gabinete do ódio", especializado em medir a "temperatura das redes" e gerar engajamento.
A PF está realizando diligências para comprovar os relatos do ex-ajudante de ordens.
Funcionamento e localização
Cid afirmou que Bolsonaro cuidava de sua conta no Facebook enquanto seu filho Carlos e o "gabinete do ódio" administravam os perfis do presidente no Twitter e no Instagram.
Segundo o ex-ajudante de ordens, esse núcleo fazia contato com influenciadores para eles replicarem determinadas notícias com o objetivo de gerar engajamento nas redes.
Cid disse desconhecer o teor dos materiais produzidos. As mensagens não eram identificadas como peças do governo.
O tenente-coronel detalhou à PF que os três assessores ficavam em uma sala sem janela e sem controle de entrada no terceiro piso do Palácio do Planalto, próximo ao gabinete de Bolsonaro.
Confirmação da autoria
A PF perguntou a Cid se era o próprio Bolsonaro quem manuseava seu celular e encaminhava a terceiros mensagens contra ministros do STF e o sistema eleitoral. O ajudante de ordens respondeu que sim.
De acordo com Cid, o ex-presidente era o "responsável" pelo encaminhamento das mensagens que estão na mira da polícia.
O militar, no entanto, buscou amenizar o suposto envolvimento de Bolsonaro com ataques coordenados ao sistema eleitoral. Para Cid, a desconfiança acerca das urnas eletrônicas era uma "pauta" que o ex-presidente sempre teve.
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro não se manifestou até a publicação desta matéria.
Fonte: Blog da Andréia Sadi
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