O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade, nesta quarta-feira (4), que os governos federal e estaduais devem fazer planos para combater problemas no sistema carcerário.
Em âmbito federal, a medida deve ser cumprida em um prazo de seis meses, a contar da publicação da decisão. Já os planos estaduais e distrital serão sugeridos em até seis meses após a homologação do cronograma nacional.
De acordo com a determinação, os planos também vão passar por validação do Supremo e, após essa etapa, devem ser implementados em um prazo de três anos.
Os ministros consideraram que há um "estado de coisas inconstitucional" no sistema penitenciário. Com a declaração, o tribunal reconhece que há violação sistemática e massiva de direitos dos presos. Pode, então, estabelecer que o poder público tome providências.
"Esse é um tema de difícil solução em toda parte do mundo. Não há uma solução perfeita, nem creio que com essa decisão se consigam resolver todos os problemas. Mas espero que seja um passo relevante para melhorar, minimamente que seja, as condições degradantes do sistema prisional brasileiro", disse o presidente Luís Roberto Barroso ao final do julgamento.
Posição unânime
A posição que se tornou unânime conta com as propostas do relator, ministro Marco Aurélio Mello (aposentado), e do ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte.
Mello já tinha apresentado voto em 2021, na linha de reconhecer a violação de direitos humanos e determinar medidas à Justiça.
Em relação ao relator, Barroso sugeriu prazos maiores para os planos federal e estaduais, além de outras medidas não previstas inicialmente por Marco Aurélio Mello – como a participação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na elaboração da proposta e a necessidade de homologação pelo STF, além do monitoramento do cumprimento pelo CNJ.
Os planos dos governos deverão contar com medidas como controle de superlotação dos presídios, por meio de mutirões que examinem processos de execução de pena; aprimoramento da infraestrutura dos presídios, e controle da entrada e saída de detentos.
Barroso também estabeleceu:
que juízes e tribunais de instâncias inferiores devem justificar porque não optaram por medidas cautelares ao determinar ou mantar prisões provisórias;
que devem fixar penas alternativas à prisão, quando possível;
e que devem levar em conta o quadro do sistema penitenciário no momento de concessão, aplicação da pena e execução penal.
Também determinou que sejam realizadas audiências de custódia no prazo de 24 horas, contadas no momento da prisão, preferencialmente de forma presencial. E que recursos do Fundo Penitenciário Nacional sejam liberados para obras no setor.
O CNJ vai avaliar ainda a possibilidade de criação de Varas de Execução Penal pelo país em número proporcional ao de Varas Criminais.
Acompanharam as posições de Mello e Barroso os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. O voto do decano encerrou a análise do caso.
Voto
No começo do voto, nesta terça-feira (3), Barroso apresentou dados sobre a situação do sistema prisional do país.
Argumentou que, entre 2009 e 2019, houve aumento de 59,61% da população carcerária. Ao mesmo tempo, um crescimento proporcional de vagas, de 58,99%. Mas, no mesmo período, o déficit de vagas subiu de 194 mil para 312 mil.
"O país vem apresentando um crescimento exponencial de suas taxas de encarceramento", afirmou.
"A superlotação compromete o funcionamento de todos os demais serviços prestados aos presos", pontuou. O ministro ressaltou a necessidade de que sejam atendidos os direitos dos detentos.
"A despeito da gravidade do quadro narrado, as demandas por melhores condições nas prisões são extremamente impopulares junto à opinião pública. Há uma certa resistência à ideia de que um país com recursos escassos e demandas sociais infinitas destine parte de tais recursos às pessoas que entraram em conflito com a lei, em prejuízo de outros grupos vulneráveis. Há, contudo, duas razões essenciais para dar atenção aos direitos dos presos: a primeira, ligada ao respeito aos direitos fundamentais protegidos pela Constituição e por outros diplomas. E a segunda, relacionadas ao impacto que o sistema prisional produz sobre a sociedade em geral", ponderou.
Histórico
A ação do PSOL sobre o tema, apresentada em 2015, pedia que o tribunal reconhecesse que há um "estado de coisas inconstitucional" no sistema carcerário do país.
O partido questionou a situação das penitenciárias e prisões pelo Brasil. Para a sigla, vários direitos fundamentais dos detentos são violados sistematicamente e de forma frequente no sistema prisional brasileiro.
"Não existe mais grave violação a direitos do que a que se pratica sistematicamente no sistema prisional do país", afirmam os autores da ação.
"As prisões brasileiras são, em geral, verdadeiros infernos dantescos, com celas superlotadas, imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água potável e de produtos higiênicos básicos. Homicídios, espancamentos, tortura e violência sexual contra os presos são frequentes, praticadas por outros detentos ou por agentes do próprio Estado", prosseguem.
"Faltam assistência judiciária adequada aos presos, acesso à educação, à saúde e ao trabalho. O controle estatal sobre o cumprimento das penas deixa muito a desejar e não é incomum que se encontrem, em mutirões carcerários, presos que já deveriam ter sido soltos há anos. Neste cenário revoltante, não é de se admirar a frequência com que ocorrem rebeliões e motins nas prisões, cada vez mais violentos", completam.
Com isso, entende o partido, está caracterizado o "estado de coisas inconstitucional". O conceito surgiu a partir de decisões da Corte Constitucional Colombiana.
Ele é caracterizado por uma violação massiva, sistemática e generalizada de direitos fundamentais, com potencial para atingir um grande número de pessoas.
Quando identificado, permite que o Judiciário determine ao Poder Público a adoção de medidas, que terão a implementação monitorada. Neste caso, não há interferência ou retirada de competências de outro poder, mas uma determinação judicial de providências, de forma a garantir que a Constituição seja cumprida.
Decisão inicial
Em setembro de 2015, em uma decisão inicial, no começo do processo, a Corte atendeu em parte às demandas dos autores.
Determinou, por exemplo:
que a Justiça realizasse audiências de custódia para analisar a regularidade da prisão;
que o governo federal liberasse todo o saldo acumulado no Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), destinado à construção e reforma de presídios. Além disso, a Corte proibiu novos contingenciamentos da verba.
Em 2021, O STF começou a analisar o mérito da ação, ou seja, o conteúdo, com o objetivo de dar uma solução definitiva para o caso. Mas o julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso. Agora, voltou à pauta a partir do voto dele.
Fonte: g1
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