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segunda-feira, outubro 23, 2023

Exclusivo: policiais apreendiam a droga, faziam a escolta até o RJ e depois negociavam com facção


Eles deveriam combater o tráfico de drogas, mas resolveram lucrar com o crime. Esta semana, a Polícia Federal fez duas operações contra policiais civis suspeitos de escoltar e vender drogas para traficantes.


Imagens exclusivas das câmeras de segurança flagraram passo a passo da ação criminosa feita por agentes do Estado. O caminhão frigorífico com 16 toneladas de maconha saiu do Mato Grosso do Sul, passou por São Paulo e, quando entrou no estado do Rio de Janeiro, foi parado por dois carros da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas com pelo menos cinco agentes.


“Eles foram para poder abordar essa carga com essa intenção de escoltar e, posteriormente, acabaram desenvolvendo esse desvio de conduta. Logo em seguida, já passaram a negociar tanto com quem estava transportando essa carga, o proprietário da carga, quanto depois, negociaram também o destino final, a entrega”, afirma o delegado da Polícia Federal Júlio Danilo, coordenador-geral de Repressão a Drogas e Facção Criminosa.


Repórter: “Tem câmeras para todo lado. São mais de 20 câmeras ao todo. Eles acreditavam na impunidade?".

Delegado Júlio Danilo: “Eu chamo a atenção realmente aí, a forma desinibida de que eles atuaram, até passando a impressão de que não pudessem ser responsabilizados ou alcançados pelo Estado”.


Esse mesmo carregamento de maconha também estava no radar do Serviço de Inteligência da Polícia Rodoviária Federal. Em um posto policial na BR-116, na Rodovia Presidente Dutra, já próximo da cidade do Rio de Janeiro, o caminhão e os dois carros da Polícia Civil foram parados e, mais uma vez, tudo foi registrado pelas câmeras de segurança.


Nas imagens, obtidas com exclusividade pelo Fantástico, o caminhão aparece escoltado com uma viatura da Polícia Civil na frente e outra atrás. Ao passar por um posto da PRF, com oito agentes de plantão, a primeira viatura recebe um aviso para encostar. O mesmo acontece com o caminhão. Segundo a PRF, quando perguntados sobre o carregamento, os policiais civis informam que a carga já está apreendida e que o motorista está preso.


O comboio segue pela estrada como em uma operação padrão e, por onde passa, as câmeras registram o crime em tempo real. Uma das câmeras do pedágio registra o rosto de um policial: Alexandre da Costa Amazonas.



Depois do pedágio, o destino era a Cidade da Polícia, onde ficam as delegacias especializadas do Rio de Janeiro. Lá, segundo a investigação, começaria uma negociação com a principal facção criminosa do estado para o resgate da droga. Horas depois, o motorista do caminhão seria liberado.


Toda essa história criada pelos policiais civis do Rio de Janeiro começou a ser desmontada depois que o motorista resolveu fazer o mesmo trajeto de volta para Campo Grande, com o mesmo caminhão, e encontrou a mesma Polícia Rodoviária Federal que tinha certeza de que ele havia sido preso por tráfico de drogas.


“O caminhão retornou já sem escolta, o que fez com que os policiais novamente abordassem aquele caminhão e, conversando com o caminhoneiro, conversando com o motorista, identificaram alguns elementos que eram muito inconsistentes. Histórias que não fechavam e isso tudo fez com que realmente as suspeitas aumentassem sobre o caminhão e sobre o motorista”, diz Alexandre Castilho, porta-voz da Polícia Rodoviária Federal.

Desta vez, veículo e condutor foram levados para a sede da Polícia Rodoviária Federal do Rio de Janeiro. Os agentes fizeram uma perícia e encontraram vestígios da carga de maconha. O motorista prestou depoimento e contou detalhes de tudo que aconteceu.



A investigação ficou com a Polícia Federal. Em dois meses, a PF identificou parte dos envolvidos. O Ministério Público Estadual denunciou quatro policiais civis e um advogado que ajudou na negociação para liberar a droga. Todos foram presos nesta quinta-feira (19).


E onde foram parar as 16 toneladas de maconha que estavam no caminhão? Segundo as investigações, nas mãos da principal facção carioca, que pagou R$ 300 mil pelo resgate da droga. A PF descobriu que a carga era de um traficante do Complexo do Alemão. Nas conversas com os policiais civis, o bandido faz um lance para o resgate: R$ 300 mil e o nome do informante da polícia.


Proposta aceita. O motorista contou, em depoimento, que os agentes da civil saíram da Cidade da Polícia escoltando o caminhão com dois carros e uma caminhonete, e foram encontrar o advogado que participava da negociação. De lá, seguiram com a carga para a Favela de Manguinhos, na Zona Norte do Rio.


O motorista disse que ficou no caminhão enquanto a mercadoria era descarregada e que demoraram cerca de três horas para tirar tudo. Só na madrugada do outro dia, ele foi liberado. A apreensão da droga nunca chegou a ser registrada na Polícia Civil.



A conta não fecha

Um dia depois dessa operação, a Polícia Federal voltou às ruas do Rio de Janeiro e, de novo, o alvo eram policiais civis: três inspetores e um delegado são suspeitos de desviar 280 kg de cocaína que iam para a Europa.


Essa investigação começou em 2020. O Setor de Inteligência da PF monitorava um caminhão com 0,5 tonelada de pasta base de cocaína, que tinha saído do Complexo da Maré com destino ao porto do Rio. No meio do caminho, o veículo foi parado por policiais civis. No dia seguinte, o delegado falou com a imprensa sobre o caso.


“Conseguimos localizar, interceptar e, quando da abertura do container, para nossa surpresa, havia em seu interior somente sete bolsas, dentro das quais 203 tabletes de cocaína pura”, disse o delgado Renato Mariano em dezembro de 2020.

A conta não fechou. A Polícia Federal monitorava um carregamento de 500 kg, mas só 220 kg tinham sido apresentados. A informação surpreendeu até o bandido dono da carga. Ele foi identificado como Leonardo Serro, que trocou uma mensagem com um comparsa depois de ver a notícia na imprensa.


“Roubaram 280 kg. Só apresentaram 220 kg. Bando de ladrão”, diz na mensagem.


Todos os policiais identificados foram afastados do cargo e, por enquanto, vão usar tornozeleira eletrônica. A Justiça também determinou o bloqueio de bens dos envolvidos no valor que teria sido arrecadado com a venda da droga: R$ 5 milhões. Na casa de um dos alvos, foram apreendidos pacotes de dinheiro.


“Foi possível detectar que boa parte deles tinham uma movimentação financeira e patrimonial que não condizia com a atividade que eles desenvolviam e, a partir daí, foi possível comprovar, demonstrar o envolvimento deles no tráfico de drogas”, afirma o delegado da PF Júlio Danilo.

Essas prisões acontecem em um momento delicado para a segurança pública do Rio de Janeiro: depois de uma sequência de crimes noticiados pela imprensa - execuções, guerras entre bandidos, treinamento de traficantes em favelas e, agora, policiais civis usando a instituição para cometer crimes.


Repórter: “Como explicar para quem está em casa que a polícia que deveria combater o crime está cometendo o crime e com a estrutura do Estado?”

Cláudio Castro, governador do RJ: “É chocante sim. É chocante, inclusive para o governador, aumenta o meu nível de cobrança. A gente quer, realmente, colocar esses maus policiais na cadeia. Eu sou o chefe máximo da polícia. A certeza que eu dou é que a cobrança será dura”.

Repórter: “Se o senhor fala que é o chefe máximo, o senhor se sente responsável por isso também?”.

Cláudio Castro: “Claro que eu me sinto. Eu nunca fugi da minha responsabilidade. Quando tem que defender a polícia, eu defendo, e quando tem ir para cima de maus policiais, eu vou com certeza. Aqui a gente não faz acepção de bandido nenhuma. Seja de terno, de tênis ou de farda, bandido é bandido em qualquer lugar, e nossa meta, nosso trabalho é combatê-los”.



“Eu considero agente do Estado travestido de agente do Estado de polícia que comete o crime como como esse, muito pior do que o bandido”, diz o delegado Júlio Danilo.

O Fantástico não localizou a defesa dos policiais civis investigados e nem do advogado preso.


Fonte: Fantástico

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