domingo, setembro 03, 2023

Professora é gravada dizendo 'isso é falta de uma boa surra' para criança com autismo em SP


O Fantástico deste domingo (3) mostrou dois casos de educadores que agiram com agressividade contra alunos com deficiência, em escolas de São Paulo. Num dos episódios, os pais de um menino de 12 anos, com autismo, descobriram que o aluno era humilhado em sala de aula, numa escola particular, depois de colorem um gravador na mochila dele para captar o áudio das ofensas.


Os pais contam que o filho estava tendo uma resistência muito grande para ir à escola, mas não dizia o motivo. A ideia da gravação surgiu após um relatório assinado pela diretora, que dizia que o garoto "tinha preguiça de fazer a lição".



“Tenho mais o que fazer! Não tenho que ficar correndo atrás de você! Acabou! Você não tem idade para isso! Não sai daí! Todo dia essa palhaçada! Isso é falta de tomar uma boa surra, viu menino?! Se você tomasse uma boa surra você ia parar com suas graças! Você entende sim! Se você não quer copiar, cala a sua boca e olha. Se você fosse meu filho, você não teria mais pernas porque eu tinha quebrado as duas!”, gritou uma professora.

A gravação foi feita dentro da sala de aula de uma escola particular da Zona Norte de São Paulo. Os gritos foram dirigidos a um garoto com autismo de 12 anos, filho de Thiago Camargos, analista de suporte, e de Alessandra Tavolasse, assistente financeira.


A mãe conta que, quando ele foi para o sexto ano, com mais professores, começaram os maiores problemas. A rotina mudou e aumentaram as reclamações, como a de que ele jogava a mochila, saía correndo e batia a porta. Os pais falaram que poderiam ficar um tempo com ele na escola, mas foram impedidos. Eles disseram ainda que poderiam levar um profissional para ficar com ele, mas a instituição informou que não podiam aceitar acompanhantes de fora, mas também não forneciam esse acompanhante.



A ideia da gravação surgiu após um relatório assinado pela diretora Andréa Claudia Camargo aos pais. O documento afirmava que o garoto ‘tinha preguiça de fazer a lição’ e que muitas vezes ele fazia 'ruídos de bichos'. Os pais, então, colocaram um gravador na mochila por três dias seguidos.


“Uma coisa é ser autista, outra coisa é ser mal-educado. Eu já cansei de falar para vocês que o autista tem alguma coisa na cabeça que não funciona”, disse uma professora em uma das gravações.


“A gente ficou alguns dias sem dormir. Eu não conseguia falar com ninguém porque eu começava a falar com alguém e começava a chorar”, conta o pai.

O casal decidiu registrar um boletim de ocorrência de discriminação por motivo de deficiência contra a diretora Andréa e moveu uma ação indenizatória contra a diretora e contra a escola.


“A gente entende que teve uma violação da família como um todo. Os pais também sofreram danos, mas, sem dúvida alguma, a criança foi a mais prejudicada”, afirma Gabriel de Oliveira Silva, advogado da família Camargos.

A diretora Andrea Claudia Camargo não respondeu ao pedido de entrevista do Fantástico. A produção também fez tentativas com a secretária e com um advogado da escola.


“Desrespeito, humilhação, culpa", diz a mãe. Medo de deixar o filho da gente em algum lugar e pensar que pode acontecer isso com ele de novo", diz Alessandra.

Thiago e Alessandra matricularam o filho numa escola pública, onde ele está em fase de adaptação.


Agressão em escola estadual de Salles Oliveira, no interior paulista

No outro episódio, ocorrido em escola estadual do município de Sales Oliveira (SP), um vídeo da agressão foi registrado por outro estudante. Uma professora maltrata uma estudante de 13 anos com transtorno desafiador opositor e deficiência intelectual moderada.


Os pais da estudante, o trabalhador rural Edson Ventura Chaves, e a caseira Edinalda Moreira Ferreira, contam que a adolescente já enfrentava problemas havia um ano.


“A escola só falava que a nossa filha que era culpada, o comportamento dela era difícil, que ela agredia, era violenta. Nós acreditávamos na escola e acreditávamos nos profissionais que estavam lá dentro”, diz o pai.

A menina chegava em casa e ficava quieta, no quarto, sem vontade de levantar para ir para a escola, segundo os pais. Eles notaram a diferença, porque a adolescente não era agressiva.


O episódio aconteceu na última quinta-feira (31). A aluna foi levada para casa e a escola comunicou aos pais que ela havia sido agressiva. Nesta semana, os pais foram surpreendidos ao assistir ao vídeo na internet. Ao disserem o que sentiram ao ver as imagens, eles falaram em indignação e que foram traídos e enganados.


O vídeo mostra também a professora dizendo que foi agredida fisicamente pela aluna. A professora chegou a registrar um boletim de ocorrência contra a estudante.


“Um outro colega de sala gravou de maneira escondida para conseguir demonstrar o que havia acontecido. Não fosse esse vídeo, muito provavelmente os pais não teriam tido conhecimento do que efetivamente aconteceu ali”, conta Victória Vitti de Laurentiz, advogada da família Chaves.

Em nota, a Secretaria Estadual da Educação afirma que a professora foi afastada da sala de aula e que uma apuração foi aberta, sendo que ao final do processo, ela poderá ter seu contrato rescindido.


Edinalva e Edson ainda não sabem onde a filha vai estudar. Ela já está há uma semana fora da escola. Os pais contam que ela não quer estudar mais.


"Perdi o chão porque a gente é mãe né? A gente quer proteger o filho e quando a gente põe o filho na escola é para ter uma educação”, diz a mãe.

O que dizem os especialistas e os direitos dos estudantes com deficiência

No Brasil, estudantes com deficiência têm direito de estudar em qualquer escola, pública ou privada. Todas precisam se adaptar para atender a esses alunos.


“No caso das pessoas com deficiência intelectual ou com algum comprometimento cognitivo, essa pessoa vai enfrentar certamente também barreiras atitudinais. É a atitude das pessoas que lidam com essa pessoa com deficiência e não têm capacidade, preparo. Infelizmente a matrícula é aceita, mas o aluno é colocado lá de maneira negligente e de alguma forma aguardando-se que os pais desistam”, afirma Camilla Varella, advogada da comissão das pessoas com deficiência da OAB.

A deputada Andrea Werner preside a Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Assembleia Legislativa De São Paulo. Somente neste ano, ela recebeu 197 denúncias de violações nas escolas.


“Para você fazer a inclusão de verdade não é preciso só boa vontade, é preciso investimento. A lei garante que essas crianças têm direito a adaptação de material, adaptação de currículo, adaptação do espaço. A um acompanhante especializado muitas vezes”, afirma Andréa Werner, deputada estadual (PSB-SP).

Para especialistas, o desafio da inclusão de alunos com deficiência no ensino só vai ser superado se houver adaptação das escolas e investimento na preparação dos profissionais.


A especialista em educação inclusiva Carolina Videira diz que toda criança é capaz de aprender.


“Já é mais do que fundamentado na ciência e na pedagogia. Então a gente não tem nenhum motivo para deixar uma criança para trás. O problema é bem complexo. Ele tem várias camadas. O professor está no final dessa fila. Ele não tem um suporte especializado, mas é ele que lida com a criança dentro da sala de aula”, afirma Carolina.


Fonte: Fantastico

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