O veto da governadora Fátima Bezerra (PT) ao projeto de lei complementar (007/2023), que prevê desobrigar produtores de compensar a supressão de vegetação natural, vai inviabilizar o desenvolvimento da agricultura do Rio Grande do Norte, avaliam interlocutores do setor. O PL é um pleito dos agricultores que atuam no Distrito Irrigado do Baixo-Açu (Diba) e foi construído com participação do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema) e a própria Secretaria de Estado da Agricultura, da Pecuária e da Pesca (Sape), de acordo com a federação representativa (Faern). A articulação foi conduzida pelo deputado estadual George Soares (PV), da base governista e ex-líder do governo Fátima.
Os produtores apontam que projeto partiu do governo, com a anuência da Sape e do Idema, mas acabou vetado integralmente pela própria chefe do Executivo, atendendo recomendação da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que enxerga inconstitucionalidade na matéria. Em março deste ano, o deputado George Soares, ex-líder do governo na AL, encaminhou a aprovação do PL complementar à governadora e justificou que a ideia era corrigir um “transtorno burocrático”, que poderia impedir a execução de projetos da agricultura familiar.
“Nesse sentido, entendendo ser um pleito justo que envolve uma atividade e um serviço importante para coletividade, é que apresento essa propositura, contando com aprovação dos nobres colegas deputados, bem como com sanção do referido projeto de lei para nossa governadora”, diz trecho da justificativa do Projeto de Lei Complementar nº 007/2023, assinado por George Soares.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Faern), José Vieira, vê a decisão com preocupação e projeta impactos negativos para os produtores do Diba. “Não entendemos que existe nenhum atrito com o Código Florestal porque o Estado pode legislar sobre a questão ambiental nas particularidades. A não aprovação e o veto sinalizam a falta de investimento que vai ocorrer, inviabilizando a agricultura. Isso só existe no Rio Grande do Norte”, destaca.
O projeto de lei complementar busca desobrigar os produtores do Distrito Irrigado de recompor a vegetação retirada de dentro dos lotes comprados junto ao Governo. “Existe o distrito irrigado público [Diba] e o governo faz uma licitação. As pessoas vão lá e compram. O empresário vai para aquele lote e vai explorar. Se ele comprou 100 hectares, ele vai ter direito a uma infraestrutura de irrigação para os 100 hectares. O produto vai limpar o lote para produzir e o Estado diz que ele tem que compensar essa vegetação, que ele limpou para produzir no próprio lote dele, comprado do Estado. Isso não existe”, explica.
Outro argumento da categoria é que esse processo já foi feito na época de construção do Diba, na década de 1980. “Essas áreas que foram desapropriadas já foram limpas, ficaram prontas para uso na época. Estamos falando de um processo de 30, 40 anos, e a mata já cresceu de novo”, explica Michel Cosme, presidente da associação de produtores do Diba. Ainda segundo Michel, os investimentos por parte dos empresários, que acabaram de arrematar lotes do Diba, ficarão paralisados por causa da não aprovação da lei.
Na semana passada, o Governo do Estado entregou oito lotes do Diba aos empresários que compraram as terras em processo licitatório. Sem a isenção para supressão da vegetação, os lotes ficarão parados, diz Michel Cosme. “A gente fica extremamente preocupado. Os produtores não podem começar a trabalhar sem essa supressão vegetal. Com esse veto, o pessoal não tem como investir aqui no Estado. Eles vão ficar parados por pelo menos um ano para poder pedir uma licença ao Idema”, pontua.
O setor entende que o veto é mais uma baixa para a agricultura potiguar, uma vez que os produtores já estão descontentes com a iminente publicação de um decreto para regulamentar a cobrança da água bruta, utilizada no cultivo de diversas culturas econômicas. “Da forma como está, nós estamos caminhando para diminuir cada vez mais os investimentos no Rio Grande do Norte”, comenta José Vieira, presidente da Faern.
Projeto
O procurador-geral do Estado, Antenor Roberto, explicou que o projeto é “absolutamente inconstitucional” porque colide frontalmente com o novo Código Florestal e que, por esse motivo, orientou pelo veto integral. De acordo com o PGE, embora o Estado tenha autonomia para legislar de forma suplementar ou complementar sobre questões ambientais, permitir a isenção significaria “sobrepor” a legislação federal.
“A legislação ambiental foi revista recentemente no Brasil. As exigências, tanto do Ibama quanto do Idema, dizem que quando você apresenta um projeto para licenciar um empreendimento, você tem que dizer aonde vai recompor a vegetação que for suprimida. Eles pegaram mecanismos jurídicos do velho Código Florestal, como se eles pudessem revolver com indenizações pecuniárias. Eles pagariam por árvore, digamos assim. Para quem tem poder aquisitivo é muito conveniente, mas o impacto ambiental não fica contemplado”, detalha Roberto.
O ex-vice-governador do Estado e do PC do B acrescenta que já conversou com o deputado George Soares sobre a necessidade de ajustes na proposição. “Falei com ele, que por sinal é meu primo, e perguntei quem o tinha assessorado nesse projeto. Apesar das autonomias, a gente na PGE não é contra sentar com deputado, mostrar a legislação, para não fazer coisas, como foi essa. Eles trabalharam com institutos e dispositivos legais que já estavam colidindo com matérias do plano federal”, complementa.
O Diba
O Distrito Irrigado do Baixo-Açu (Diba) tem um perímetro irrigável de 6 mil hectares. Destes, cerca de 2,2 mil hectares já estão funcionando produzindo as mais diversas culturas como banana, coco, feijão, jerimum, feno, mamão, limão, melancia, melão, batata, sorgo, manga, entre outros. Com a entrega dos últimos lotes, a expectativa é de que a área em funcionamento chegue a 3,2 mil hectares em um ano.
O distrito está situado na região centro-oeste do Rio Grande do Norte, na margem direita do trecho final do rio Açu, abrangendo os municípios de Afonso Bezerra e Alto do Rodrigues. O suprimento hídrico do perímetro é feito pelo açude público Armando Ribeiro Gonçalves, administrado pelo DNOCS ,com uma capacidade de 2,4 bilhões de m3, atualmente 67% cheio.
Fonte: Tribuna do Norte
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