O tenente-coronel Mauro Cid Barbosa, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) preso em uma operação nesta quarta-feira (3), nos bastidores, é um arquivo vivo dos últimos quatro anos do governo Bolsonaro.
Cid admitia a interlocutores, nos bastidores, que seguramente é a pessoa que mais sabe o que aconteceu, todas as histórias que aconteceram nesses quatro anos. E por um motivo simples: viveu todas ou, como gostava de dizer, eu vivi “99%”.
"Contrarregra"
Se Cid estivesse em campo, sua função seria a de contrarregra: não jogava, mas arrumava o campo para jogar, botava as redes de futebol, trazia bola e botava todo mundo para campo.
O contrarregra de Bolsonaro é homem forte do ex-presidente. Cuidou de contas de Bolsonaro - como posse de cartões - a telefonemas com Donald Trump, políticos e autoridades de todos os Poderes e países.
Era um assessor pessoal do ex-presidente, confirmando sempre que cuidava da “vida pessoal” de Bolsonaro - e, com isso, vieram acessos e poderes e, principalmente, as missões.
Cid gosta de dizer que não gosta do mundo político e chegou a Bolsonaro porque foi designado para a função de ajudante de ordens (AJO) pelo Exército. Estava de malas prontas para os EUA para um curso militar, de passaporte na mão, quando recebeu uma ligação do general Tomás (hoje comandante do Exército) o escalando para ser AJO de Bolsonaro. Até aquele momento, garante Cid, “nunca tinha falado” com Bolsonaro.
Gostava de dizer, inclusive, que nunca tinha votado em Bolsonaro, mas não por que não gostasse dele - mas por que não dava bola para política.
Apesar da versão de Cid, as relações entre a família dele e Bolsonaro vêm de longa data. O pai de Cid, Lorena Cid, general da reserva foi da turma de Bolsonaro na Aman, onde criaram um laço de amizade.
A amizade rendeu desdobramentos anos depois, quando, no governo Bolsonaro, Lorena Cid foi indicado para um cargo na Apex nos EUA ganhando cerca de 50 mil dólares.
Cid, o filho, se incomoda com as vinculações de que teria sido indicado para AJO por causa disso. E reforça sempre que foi escolhido por conta de seus méritos profissionais.
Desde que assumiu como AJO, com Bolsonaro, Cid se transformou em figurinha carimbada em fotos, lives e missões polêmicas e, hoje, na mira da Justiça.
Cid viralizou em grupos bolsonaristas nos anos Bolsonaro, pois deixou vazar sua mão tentando arrumar a conexão de uma das inúmeras lives de Bolsonaro - e o vídeo ganhou recortes com comparação da trilha Família Adams, a mão.
Mas a mão que Cid estendeu a Bolsonaro prestou diversos serviços ao ex-presidente, como o próprio ex-AJO gosta de rememorar nos bastidores e que mostram a relação de confiança que tinham.
Num relato recente a interlocutores, ele relatava que Bolsonaro não teria cartão e crédito e queria que Cid pagasse todas as suas contas na boca do caixa, “para não ter problema”.
Cid entrou em campo para convencer Bolsonaro a usar o caixa eletrônico para pagar as contas, mas com muita dificuldade, pois Bolsonaro teria medo.
Medo de quê? Na versão de Cid, Bolsonaro teria “medo” de que depositassem dinheiro de forma aleatória em sua conta.
Cid, que ficava então com cartão de débito de Bolsonaro, era cobrado para saber se havia alguma coisa em sua conta que ele desconhecesse, na versão de Cid.
Cid tirava semanalmente um extrato da conta de Bolsonaro.
Esse episódio relata o grau de confiança que existia entre Cid e Bolsonaro. Literalmente, Bolsonaro dava acesso a suas contas ao AJO.
Outra característica que demonstra a relação de confiança entre eles é o acesso ao celular.
O AJO servia de filtro de telefonemas a Bolsonaro, fazia meio de campo para saber quem o ex presidente atenderia ou não- claro, àqueles que não tinham acesso direto ao ex-presidente ou que não conseguiam falar com ele na hora.
Quem assumia a missão foi Cid, que falou de ministros do STF a jogadores de futebol a Donald Trump - tudo, segundo relatos a interlocutores de Cid - no seu próprio celular.
Uma das ligações que Cid intermediou foi Daniel Silveira, que apresentou um plano de golpe ilegal contra ministros do STF a Bolsonaro no fim do ano, que envolveria grampo contra Moraes.
Cid garante a aliados que não estava nessa reunião que ocorreu no Palácio da Alvorada após a derrota de Bolsonaro, mas, mais uma vez, atuou no meio de campo ao falar por telefone com Silveira.
Outra versão de Cid de bastidores é sobre o caso das joias sauditas. Segundo alegou Cid à PF, Bolsonaro informou a ele em meados de dezembro de 2022 sobre a existência de um presente retido pela Receita Federal e pediu que ele checasse se era possível regularizar os itens. De acordo com Cid, não houve ordem de recuperação do presente por parte do ex-presidente, mas sim uma solicitação.
O ex-ajudante de ordens, então, teria entrado em contato com Júlio César Vieira Gomes, então secretário especial da Receita, que confirmou que havia um pacote retido e que já havia um pedido de liberação dos itens datado de novembro de 2021, em nome do ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
No depoimento, Cid afirmou que Júlio César o orientou sobre como deveria ser feito o documento para solicitar à Receita a retirada do presente, inclusive sobre quem deveria assinar o pedido. A maior parte das tratativas aconteceu por meio do WhatsApp, de acordo com o ex-ajudante de ordens.
Do "cordão de isolamento" ao posto de influenciadores de Bolsonaro
Os outros dois assessores presos, Max Guilherme e Sérgio Cordeiro, ex-militares, são seguranças que também gozam da confiança do ex-presidente e ganharam funções de assessores e conselheiros de Bolsonaro nos últimos anos. Junto com Câmara, formavam o trio de assessores acompanhou Bolsonaro após o fim do mandato e ida para os EUA.
Max, inclusive, era um dos assessores mais inflamava Bolsonaro com discurso radical e postava nas redes sociais.
Cordeiro emprestou a casa para Bolsonaro fazer lives durante eleição após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibir uso do Palácio do Alvorada.
Na campanha de Bolsonaro, assessores do ex-presidente se irritavam com a atuação e influência do trio sob o então presidente.
Um ex ministro de Bolsonaro disse ao blog que esse é o “entorno que botou derrota no colo de Bolsonaro, que era para estar cuidando de cordão de isolamento e passou a influenciar os rumos da campanha”. “Fez com o que o bolsonarismo pragmático tivesse que dar pirueta para sobreviver", avalia um assessor político de Bolsonaro.
Fonte: g1
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