A gestão da política externa de Jair Bolsonaro durante a pandemia foi marcada por um negacionismo e a tentativa de enfraquecer organismos internacionais que poderiam agir contra a covid-19.
O alerta faz parte do informe preparado pelo grupo de trabalho que atuou na transição do governo de Luiz Inácio Lula da Silva em temas relacionados com política externa. O documento produzido pelo grupo estava sendo mantido em sigilo e, nesta quinta-feira, foi publicado.
"Durante a pandemia de COVID-19, o governo Bolsonaro negou sua gravidade e questionou sistematicamente a capacidade da Organização Mundial da Saúde como coordenadora dos esforços multilaterais de contenção da crise sanitária", disse a avaliação.
"Ao hostilizar ostensivamente a China, criou constrangimentos desnecessários com nosso principal parceiro comercial e país produtor de produtos hospitalares essenciais, vacinas e seus insumos básicos", afirmou. "Ao deixar de apoiar a proposta de Índia e África do Sul pela suspensão de patentes para a produção de medicamentos essenciais no combate à Covid-19, o Brasil abandonou sua posição tradicional em favor do acesso a medicamentos, em prejuízo dos interesses de nossa própria população", insistiu.
Outra conclusão tem relação com a compra de vacinas. "O governo Bolsonaro optou por não adquirir tempestivamente vacinas suficientes para efetuar campanha massiva de imunização e apostou na obtenção de hidroxicloroquina, sem respaldo científico", lamentou.
"A ausência de estratégia organizada e centralizada deixou os entes da federação abandonados à própria sorte. Sem coordenação federal, prefeitos e governadores se viram forçados a buscar diretamente fornecedores externos, em contexto de extrema competição por insumos, para manter o suprimento regular de material de saúde junto a estados e municípios. O Brasil tornou-se uma ameaça sanitária global e quase 700 mil vidas foram perdidas, das quais se estima que 400 mil poderiam ter sido poupadas", disse o documento.
O grupo concluiu que o Brasil, tradicionalmente considerado ator relevante em fóruns multilaterais de saúde, "precisa atualizar sua atuação diplomática, de modo a responder às necessidades de país que garantiu, em nível constitucional, o Sistema Universal de Saúde".
A atuação em mais alto nível do Itamaraty em relação à pandemia, especialmente na gestão do ministro Ernesto Araújo, foi fartamente documentada no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia do Senado Federal.
Mas elas incluem acima de tudo:
Iniciativas não baseadas em evidências cientificas, como as relacionadas à falta de prioridade para a compra de vacinas, à promoção de medicamentos sem eficácia, inclusive por meio de seminários da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), e à atuação na OMC em temas de propriedade intelectual, afastada dos pleitos de países em desenvolvimento, são exemplos de como o país abdicou de histórico protagonismo em defesa da saúde pública em foros multilaterais e em suas relações bilaterais.
A proposta era de que o Brasil retornasse em sua tradição de atuar, de forma ativa, com base em evidências científicas, para o "reforço de arquitetura global da saúde que promova a prevenção, preparação e resposta a pandemias e o correspondente fortalecimento dos sistemas de saúde, assim como no que diz respeito aos determinantes sociais da saúde e suas consequências na equidade no acesso à saúde".
O grupo ainda pede que a volta da atuação brasileira na promoção da ciência, tecnologia e inovação.
Entre as ações propostas para o governo Lula, o grupo pedia ações emergenciais para os primeiros 30 dias, mas também uma revisão fundamental da política externa nos cem primeiros dias de governo.
Fonte: Uol
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