Soou estranho quando, da tribuna de honra do estádio Al Bayt, em Doha, o emir do Catar, Tamim bin Hamad al Thani, conclamou à celebração da diversidade e do diálogo, ao abrir a primeira Copa do Mundo no Oriente Médio.
As volumosas críticas e campanhas de boicote vêm ofuscando o torneio de futebol no emirado anfitrião, com histórico alarmante de direitos humanos, que oprime mulheres, criminaliza homossexuais e impõe trabalhos forçados a imigrantes da África e Ásia.
São circunstâncias morais que pesam e dão o caráter inusitado a esta Copa, que trouxe o escrutínio internacional para o Catar. A ausência de líderes ocidentais se contrapôs à presença de autocratas como o príncipe saudita, Mohammed bin Salman, e os presidentes do Egito, Abdel Fatah al-Sisi, e da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.
A BBC ignorou a cerimônia de abertura e optou por transmitir um programa com críticas ao tratamento do país aos imigrantes, que compõem 75% de sua população, às mulheres e à comunidade LGBTQIA+. Músicos se recusaram a participar do evento. Atletas buscam alternativas para se engajar e mostrar solidariedade às vítimas de abusos, ainda que atrelados às punições da Fifa.
Nenhum país investiu tanto para sediar uma Copa do Mundo. Esta pequena nação do Golfo arcou com US$ 220 bilhões para assegurar um torneio grandioso e cercado de opulência, mas corta um dobrado na tentativa de desviar o foco da intolerância para o esporte.
“É a Copa do Mundo mais controversa da história e nem uma bola ainda foi chutada”, disse o apresentador Gary Lineker, da BBC, ao iniciar a cobertura do primeiro jogo, entre Catar e Equador.
Como explicou Minky Worden, diretora de iniciativas globais da Human Rights Watch, sediar eventos como o Mundial de Futebol ou os Jogos Olímpicos faz parte de uma estratégia adotada por governos ditatoriais para polir a sua reputação no cenário internacional. China e Rússia, por exemplo, tiveram sucesso anteriormente na empreitada, mas o Catar esbarra na campanha ininterrupta de denúncias de arbitrariedades por parte de entidades de defesa dos direitos humanos.
Estádios foram erguidos às custas de sacrifício e mortes de milhares de imigrantes, numa versão moderna de escravidão conhecida como sistema kafala. Mulheres são tratadas como cidadãs de segunda classe, sempre guiadas pela tutela de um homem – pai ou marido.
O adultério é punido com apedrejamento. Membros da comunidade LGBTQIA+ enfrentam prisão de até 10 anos por relações sexuais consensuais. Não há goleada capaz de superar tantos abusos no país anfitrião.
Até agora, a exposição das violações aos direitos humanos está no centro do debate, ainda que o emir tenha insistido em reabilitar a imagem da nação em uma mensagem de conciliação, com prazo de validade para os próximos 27 dias:
“As pessoas, por mais que sejam diferentes, com nacionalidades culturas e orientações diversas, vão se reunir em nosso para compartilhar emoções”, assegurou ele, sem esconder o orgulho. Em outras palavras, o recado do monarca: que assim seja, ao menos enquanto durar o torneio.
Fonte: g1
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