A justificativa da queda de receitas provenientes da arrecadação do ICMS para o não repasse das parcelas dos consignados dos servidores não é aceita por sindicatos que representam os trabalhadores do Rio Grande do Norte. Os consignados estão suspensos há dois meses no Estado e não há prazo para o retorno. O Sindicato dos Servidores Públicos da Administração Indireta do RN (Sinai-RN) avalia, junto com sua assessoria jurídica, uma ação judicial contra a situação.
De acordo com o diretor de comunicação do Sindicato dos Servidores Públicos da Administração Indireta do RN (Sinai-RN), Alexandre Guedes Fernandes, a retenção das parcelas é uma “apropriação indébita” e configura uma atitude “gravíssima” por parte do Governo do Estado.
“Além do servidor estar sendo obrigado a recorrer a empréstimos, comprometendo sua renda, ela ainda passa pelo constrangimento de ter descontado no seu contracheque o valor do empréstimo e o Governo não repassar para o banco. O banco se diz lesado e corta o consignado, nos prejudicando. E o governo comete um ato até criminoso. Isso é apropriação indébita, se apropriar de recursos de um trabalhador. Esse dinheiro não é do Governo”, avalia.
Ainda segundo o representante sindical, os servidores ficam prejudicados de duas formas, tanto pelo fato de não poderem obter os empréstimos consignados para ajudar nas contas, quanto pela possibilidade de ficarem com restrições ao crédito.
“Provoca um duplo prejuízo ao servidor, que além de estar sofrendo com o pagamento do empréstimo, ainda fica inadimplente, o nome sujo no SPC, então é importante que as assessorias jurídicas dos sindicatos possam avaliar a possibilidade de mover um processo contra o Governo por danos morais e materiais. ”, acrescenta Alexandre Guedes.
Em nota enviada à imprensa na última sexta-feira, o Governo do Estado disse que reconhecia o atraso no repasse do pagamento dos consignados, “em razão da significante perda de receita com a nova política do ICMS dos combustíveis, energia, e telecomunicações”.
“A fração restante do repasse dos consignados ao Banco do Brasil, referente ao mês de setembro, será quitada nos próximos dias, assim como o início do pagamento do mês de outubro. Ressalte-se que a atual gestão foi responsável pela retomada dos empréstimos sob consignação do funcionalismo estadual ao assumir uma dívida de aproximadamente R$ 120 milhões deixada pelo último Governo”, diz a nota do Poder Executivo.
A presidente do Sindicato dos Servidores Públicos da Administração Direta do RN (Sinsp-RN), Janeayre Souto, a falta dos repasses dos consignados é uma “penalização aos servidores” e algo “grave”.
“O dinheiro vem do salário dos servidores, é descontado diretamente do contracheque, então não há justificativa afirmar que uma possível menor arrecadação atrapalha no pagamento de um dinheiro que já foi retirado dos servidores. O que o governo está fazendo é se apropriando indevidamente do dinheiro dos servidores públicos estaduais. Isso porque ele só repassa esse dinheiro. Essa relação é entre os servidores e as instituições bancárias. Não há nenhuma relação dos empréstimos consignados com a arrecadação do Estado ou as finanças do governo”, cita Janeayre Souto.
“O SINSP denuncia a suspensão desde 2020, sempre lutando para que o governo tome uma atitude em favor dos servidores públicos, que, mesmo com as parcelas descontadas dos seus contracheques, recebem cartas sofrendo ameaças de negativação de seus nomes. Esses servidores correm risco de ficarem sujos, sem crédito. E os demais perdem a oportunidade de buscar o empréstimo para suas necessidades cotidianas. É um absurdo que precisa chegar ao fim”, acrescentou Janeayre Souto.
O SINSP orienta que todos os servidores que recebem cobrança dos seus empréstimos consignados, guardem a carta ou o print da cobrança e entrem em contato com o sindicato para providências jurídicas.
De acordo com a advogada Cristina Braga, especialista em Direito Administrativo e Servidores Públicos e Coordenadora da Comissão de Agentes Públicos do IDASF, o Estado estar sem fluxo de caixa para o repasse dos consignados aos bancos “não é uma justificativa plausível”.
“Essa não é uma justificativa plausível considerando que o valor descontado em folha de pagamento é particular, pertence ao servidor público, apenas é descontado da folha de pagamento para ser efetuado o repasse à instituição financeira. A governadora, por ser a gestora administrativa do Estado, é a responsável por gerir os recursos e efetuar o repasse dos valores. Conforme entendimento do STJ, essa situação pode incorrer em peculato-desvio que é crime formal cuja consumação não se exige que o agente público ou terceiro obtenha vantagem indevida mediante prática criminosa, bastando a destinação diversa daquela que deveria ter o dinheiro, e os aspectos formais da descrição típica da conduta estariam preenchidos na medida em que é desviado para outra despesa o dinheiro destinado ao pagamento de empréstimos consignados de servidores públicos”, disse Cristina Braga.
Amapá
O governador Waldez Goés, do Amapá, foi condenado em novembro de 2019, com pena imposta foi de seis anos e nove meses de prisão no regime semiaberto e à perda do cargo, além de multa e restituição de R$ 6,3 milhões aos cofres públicos. A denúncia partiu do Ministério Público Federal (MPF). O governador foi acusado de desviar valores referentes a empréstimos consignados de servidores do Estado entre 2009 e 2010, período de sua primeira gestão, os quais eram descontados dos salários e utilizados para despesas diversas do governo, em vez de serem repassados às instituições financeiras credoras.
Góes, que está encerrando seu segundo mandato no fim do ano, recorreu ao próprio STJ e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2020, o então presidente do STF, Dias Toffoli, suspendeu a condenação no caso alegando que o STJ não seria competente para julgar o caso. A pauta está na 1ª Turma do STF. Em abril, o ministro Alexandre de Moraes pediu vistas e mais tempo para analisar o processo, que já está com dois votos contrários à defesa do governador, dos ministros Luís Roberto Barroso, relator do caso, e do decano Marco Aurélio Mello.
Peculato e improbidade: possíveis punições
O Governo do Estado e a governadora Fátima Bezerra (PT) podem ser responsabilizados pelo não repasse das parcelas dos empréstimos consignados ao Banco do Brasil.
Para o advogado João Victor Hollanda, mestre em Direito Constitucional, a prática pode ser enquadrada no artigo 392 do Código Penal, o peculato. “Essa destinação tem que ser observada independentemente da condição financeira que o Estado apresente, porque o Estado deixa de pagar seu servidor, faz a retenção parcial do salário, da verba, e utiliza para uma destinação diversa. Isso não encontra respaldo na legislação”, analisa.
“Um eventual tipo penal para punir essa conduta seria o do peculato/desvio, previsto no artigo 312 do Código Penal que seria a conduta comissiva ou omissiva por parte do gestor de dar uma destinação diversa a uma verba que foi retida dos contracheque dos seus servidores”, explica.
O advogado explica ainda que tanto o Estado quanto a governadora podem sofrer punições caso se comprove a irregularidade. “Em tese, tanto a governadora, que é a gestora e ordenadora de despesas, quanto o secretário responsável pelo processamento da folha de pagamento”, acrescenta. “O Estado também pode ser responsabilizado”, acrescenta.
Mesmo pensamento tem o o presidente da Comissão de Estudos Constitucionais, Legislação, Doutrina e Jurisprudência da Ordem dos Advogados do Brasil no RN (OAB-RN), Vladimir França.
“Pode ter consequências na lei de improbidade administrativa.Há a suspensão de direitos políticos e há a possibilidade de responsabilização penal, nesse caso teria que se fazer uma investigação para identificar qual autoridade pública determinou o não repasse, porque se esse dinheiro foi descontado do servidor e não foi repassado, significa dizer que ficou no orçamento do Estado e foi gasto com outra coisa, isso precisa ser levado em consideração. Naturalmente isso pode ensejar crime de responsabilidade, em que uma das hipóteses é justamente a violação da legislação financeira”, analisa Vladimir França.
O Banco do Brasil disse à TN que não irá comentar o débito do Governo do Estado para com a instituição financeira. O Governo do Estado também não vai se pronunciar sobre o tema.
Fonte: Tribuna do Norte
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