No meio evangélico, ele sempre foi uma voz contrária ao slogan "irmão vota em irmão". Ex-pastor presbiteriano e hoje líder do movimento de evangélicos críticos à igreja enquanto instituição física, Caio Fábio D'Araújo Filho é a memória viva do processo de envolvimento das igrejas com a política partidária, desde a ditadura aos tempos atuais.
Caio Fábio tem 67 anos, é escritor e psicanalista responsável por fundar a Associação Evangélica Brasileira (a AEVB), em 1978, no Rio de Janeiro.
Como foi o comportamento de líderes evangélicos durante a ditadura militar? De apoio ou resistência?
O grupo que fez resistência foi muito, muito pequeno. Era vinculado a igrejas históricas, como a Presbiteriana, a Batista e alguns membros da Anglicana. Mas, no todo, o apoio à ditadura foi inequívoco, tanto de pastores quanto da maioria dos membros. Em alguns casos, não foi só apoio, mas adesão. Vários pastores colaboraram com os militares, dando nomes de jovens envolvidos com grêmios universitários considerados de esquerda. Alguns foram presos, outros tiveram que fugir. A maior parte das assembleias de Deus e das pentecostais da época davam um valor extremo a militares. Havia muitos pastores do Exército, da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros. Não eram oficiais, mas militares de baixa patente que tinham grande admiração por seus superiores. Mais do que apoio, houve adesão das igrejas evangélicas ao golpe.
Quando começa o interesse de líderes evangélicas pela política partidária?
Durante a ditadura, houve participação de lideranças evangélicas, tanto na Arena, quanto do MDB. Mas em 1986, no início da redemocratização, Josué Silvestre, membro da Assembleia de Deus de Brasília, lança o livro "Irmão vota em irmão". Essa obra serviu de base de articulação política para fisiologismo religioso, com o argumento de que o irmão que não votasse em irmão estava traindo a fé. Com a propaganda nos púlpitos, isso entrou na cabeça de milhares de pessoas, percorreu gerações. Uma das minhas maiores lutas na vida, foi tentar convencer os cristãos que muitas vezes era melhor votar num ateu honesto do que num crente perdulário. Mas até isso era ouvido como heresia.
As igrejas sempre lançaram pastores como candidatos ou apoiavam políticos que defendiam suas bandeiras?
No início, os grandes representantes do mundo evangélico eram das denominações históricas, mas rapidamente foram engolidas pelo grupo pentecostal, bem mais bem organizado no sentido de fazer cabala política. As assembleias de Deus, inicialmente, não lançavam pastores, mas figuras importantes e conhecidas nas igrejas. Com o passar do tempo, os pastores começaram a querer, eles próprios, a se lançar candidatos. Na década de 1980 surge a Teologia do Domínio.
O que é a Teologia do Domínio?
Ela significa Reinar em Cristo, uma expressão do apóstolo Paulo, que nada tem a ver com política, com qualidade existencial do ser. Mas eles tomaram essa expressão, a tornaram política e deram o significado de que os cristãos vieram para ser cabeça e não cauda, para dominarem o máximo possível. Uma espécie de projeto de poder estilo República do Irã. Ou seja, quando forem maioria no governo, na política, na população, os cristãos vão dar as cartas no país e não consentir esse liberalismo moral e de costumes. Nem o comunismo.
De onde vem a ideia de que o marxismo, portanto a esquerda, tem ligação com o satanismo?
O pastor evangélico Richard Wurmbrand, preso e torturado pelo regime comunista na Romênia, lançou o livro "Cristo em Cadeias Comunistas", que virou um best seller evangélico e contava os horrores do cárcere e o combate à fé pelo regime. Mais tarde, ele migra para o Ocidente e escreve outro livro com o título "Seria Karl Marx discípulo de satanás?". Conta a história de Marx mais jovem e traz algumas poesias que ele escreveu, no qual declarava que seu objetivo era lançar o mundo no abismo das trevas. E que ele tinha a espada do Príncipe do Mal. São poesias lúgubres. E acrescenta que Karl Marx foi visto, certa vez, em sua casa com a velas acesas. Isso foi vinculado a rituais satânicos. Aí, pronto. Correu o mundo cristão. Como nos regimes comunistas os estados eram ateus, isso era considerado uma ação de Satanás, do Anti-Cristo.
E, por que, hoje algumas dessas teses colam no PT?
O bolsonarismo se apropria de fantasmas que não existem para tentar demonizar, diabolizar um possível governo Lula. Mas não existe nenhuma honestidade nos temas que a grande maioria das igrejas evangélicas tenta colar na esquerda. No Brasil, a gente não chega a ter nenhuma extrema esquerda. O partido mais à esquerda é o Psol, que é um partido de diálogo, está dentro da defesa da democracia. Nos 30 anos de democracia, só tivemos uma ameaça golpista com Bolsonaro. Então, voltamos ao ponto inicial da entrevista, de apoio ao regime militar. Com o agravante, que neste governo, alguns pastores se tornaram aiatolás, liberando verbas de governos.
Fonte: Blog do Octavio Guedes
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