O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) negou o pedido de prisão preventiva dos empresários Alexandre e Diógenes Carvalho investigados por tortura contra os funcionários William de Jesus Conceição e Marcos Eduardo Serra Silva, com pauladas na mão, em agosto deste ano.
A prisão de Alexandre e Diógenes Carvalho foi pedida pelo MP-BA. A denúncia seguiu o laudo pericial do Departamento de Polícia Técnica (DPT).
A decisão foi determinada pelo juiz José Reginaldo Costa Rodrigues Nogueira na sexta-feira (21). O magistrado também marcou uma audiência de instrução e julgamento para o dia 19 de abril de 2023, às 14h, na modalidade telepresencial (videoconferência).
Uma das vítimas da tortura, William de Jesus, teve as mãos queimadas com o número 171, como "punição" pelo suposto furto de R$ 30 da empresa. O jovem nega que tenha roubado o dinheiro.
Além das mãos queimadas, ele também foi agredido com pauladas nas mãos e no corpo. O colega de trabalho dele, Marcos Eduardo, foi agredido a pauladas. O inquérito sobre do caso já foi concluído, mas ainda não há detalhes sobre indiciamentos.
Crime
Os dois trabalhadores registraram o caso em delegacia, ainda em agosto. Alexandre e Diógenes foram ouvidos mais de uma vez pela polícia. Eles confessaram as agressões, mas alegaram que não torturaram os jovens.
Na época, o delegado afirmou que não havia elementos para pedir a prisão dos patrões das vítimas, no curso das investigações. As duas vítimas disseram que foram atacadas na própria loja onde trabalhavam, em uma emboscada armada pelos patrões. Eles foram agredidos em dias diferentes.
"Começaram a falar que eu estava roubando, aí começaram as agressões, tanto física quanto verbal, fizeram aquela tortura. Só eu sei o que eu passei", contou William.
"Brincaram comigo como se eu fosse um objeto. Acho que foi uma hora ou 40 minutos [de agressões], não sei, era muito doloroso para mim contar o tempo. Passei por muita dor e muito sofrimento. Eu pedi a todo instante para ele parar, pedia a todo momento pela minha vida e ele só me agredia".
Humilhações
Além da tortura física, as vítimas também foram humilhadas verbalmente. Apesar de negros, os patrões proferiram insultos racistas a William, segundo ele relatou.
"Tentei sair, tentei me explicar a todo momento. Tentei conversar, mas ele estava com frieza. Ele sorria para mim e me agredia demais com palmatória, murros. A todo momento era só agressão. Eu chorava muito e pedia para ele não faz isso. Ele sorriu e disse que eu ia passar as coisas que os negros passaram [na escravidão]. Foi muito humilhante. Ainda me colocaram uma saia".
"Eu consegui fugir. Acho que se eu ficasse mais tempo eu não ia resistir, de tanta paulada. Ele me deu muita paulada, foi muita agressividade. Achei que não ia conseguir resistir. Eu não desejo a ninguém passar por isso".
Antes das queimaduras, os patrões ainda colocaram um pano na boca de William, para servir como mordaça e abafar os gritos de dor do jovem.
"Não vi arrependimento no olhar dele, eu vi o querer fazer toda essa situação que ele fez comigo. Ele queimava com calma para eu sentir a dor. Eu gritava muito, apesar de eu estar com o pano a boca, para não fazer zoada, para não chamar atenção. Ele me queimava devagar, com aquela crueldade, ainda falando que não queria estar na minha pele".
Ameaças de morte e 'tribunal do crime'
O caso ocorreu na primeira quinzena de agosto, mas a história só foi denunciada à polícia no dia 26, porque as vítimas foram ameaçadas pelos homens para não prestarem queixa, e ficaram com medo. Além das agressões, os investigados filmaram a situação e expuseram na internet.
Vítima das agressões, Marcos Eduardo Serra foi o primeiro a procurar a delegacia. Ele trabalhava no local há cerca de um ano. Nas imagens, Marcos aparece sentado, recebendo pauladas nas mãos.
"Foi traumatizante. Tanto que eu não durmo direito, me assusto de madrugada, porque ele me ameaçou. Ele ameaçou pegar a gente. Falou que ia chamar os homens da boca [traficantes] que ele mora para pegar a gente. Ameaçou de morte", relatou o jovem.
A intimidação e ameaça foi uma prática semelhante ao crime praticado contra Bruno e Yan Barros – tio e sobrinho mortos após furto de carne em um supermercado de Salvador: o tribunal do crime. Na ocasião, em abril de 2021, as vítimas foram entregues a traficantes que se organizavam como grupo de extermínio.
Já William de Jesus, além de agredido, também teve as mãos queimadas com um ferro de passar roupas. Os agressores escreveram o número 171 na vítima, em referência ao crime de estelionato.
"Já ia fazer dois meses eu trabalhando na loja. Ele me acusou de roubo sem prova nenhuma, entendeu? No momento em que ele estava me batendo, ele estava gravando para que eu confessasse. Eu falei: 'rapaz, eu não vou confessar nada não, porque eu não roubei nada", contou William.
Afronta aos Direitos Humanos
Para o presidente do núcleo Bahia do grupo Tortura Nunca Mais, Joviniano Neto, o caso é uma barbárie e afronta aos princípios dos Direitos Humanos e da dignidade humana.
"Existe, na sociedade brasileira, uma ideia de que o modo de enfrentar os crimes – ou suspeitas de crimes – é o uso da violência, é o uso da intimidação. A mais feroz possível. E, ao contrário [do que se pensa], a violência só faz aumentar a violência".
"Quando os patrões divulgaram o ato criminoso, eles tinham confiança e crença de que tinham direito. O mesmo direito que os senhores de escravos tinham antigamente, no período colonial, de supliciar os seus subordinados, os seus escravos".
Fonte: g1
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