O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), em São Paulo, informou nesta segunda-feira (5) que sua corregedoria decidiu transferir de fórum o juiz Marcos Scalercio, acusado de assediar sexualmente e estuprar mulheres. O magistrado, que estava em férias e voltou a trabalhar nesta manhã, deixou o Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, na Zona Oeste, para atuar no Fórum Trabalhista da Zona Sul. Além da mudança de local, ele não irá mais participar de audiências (veja abaixo a nota completa).
A Corregedoria do TRT-2 também abriu, na semana passada, uma nova Reclamação Disciplinar (RD) contra o magistrado, desta vez para apurar mais três denúncias contra ele. O tribunal não informou, porém, quais são essas novas acusações, alegando que seu teor está em sigilo (leia abaixo a íntegra do comunicado).
De acordo com a corregedoria, essas denúncias mais recentes foram encaminhadas pela Ouvidoria do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília. Procurado, o TST também não divulgou o conteúdo das queixas alegando que está seguindo lei (veja a nota nesta reportagem).
A Reclamação Disciplinar é apurada pelo corregedor do TRT. Depois, a conclusão do desembargador relator é levada para avaliação dos demais magistrados. Todos votarão se há indícios de irregularidades para se instaurar um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) contra o juiz. Se o PAD for aberto, o magistrado poderá ser absolvido, e o caso é arquivado. Ou poderá ser considerado culpado. As punições possíveis são: exoneração do cargo, suspensão, afastamento ou advertência.
O Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Estado de São Paulo (Sintrajud) realizou um protesto nesta segunda em frente ao fórum em que Scalercio trabalhava, na Barra Funda. Servidores distribuíram panfletos com a frase "assédio não" para pedir o afastamento preventivo do juiz. Eles afirmam que o magistrado não tem condições de continuar atuando no Tribunal Regional do Trabalho depois das denúncias de crimes sexuais.
Esta é a terceira Reclamação Disciplinar que Scalercio responde na Corregedoria do TRT-2. Nas duas primeiras, os magistrados votaram em 2021 pelo arquivamento de três queixas de assédio sexual contra o juiz. Eles alegaram insuficiência de provas. Scalercio sempre negou todos esses crimes, alegando inocência, segundo a sua defesa.
Nesses dois casos anteriores, uma aluna do cursinho Damásio Educacional, onde ele dava aulas como professor, uma advogada e uma funcionária da Justiça do Trabalho o acusavam de assédio sexual. Elas tinham dito que Scalercio as abordou, respectivamente, numa cafeteria próxima ao curso, nas redes sociais e dentro do gabinete dele no Fórum Ruy Barbosa.
Casos revelados em agosto
Essas e outras sete denúncias de mulheres contra Scalercio foram reveladas em agosto deste ano pelo g1. Os relatos de assédios são de 2014 a 2020. As denúncias haviam chegado ao conhecimento do Me Too Brasil, que levou algumas delas às autoridades. As demais sete mulheres que acusaram o docente e magistrado não quiseram levar os casos à Justiça.
Depois da repercussão das denúncias, o magistrado de 42 anos tirou 20 dias de férias, retornando nesta segunda.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília, e o Ministério Público Federal (MPF), em São Paulo, analisam atualmente as três acusações anteriores de assédio sexual que a Corregedoria do TRT-2 havia arquivado por duas vezes no ano passado. Esses casos também são apurados nas esferas administrativa e criminal. Os dois procedimentos estão em sigilo e ainda não têm uma conclusão.
CNJ decide se abre PAD
O CNJ pautou para esta terça-feira (6) a discussão se deverá ser aberto ou não um Procedimento Administrativo Disciplinar contra o juiz em razão das três denúncias de assédio arquivadas pelo Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo. Se o PAD for aberto, o magistrado poderá ser afastado para o andamento das apurações.
Com a divulgação do caso, o Me Too Brasil recebeu mais denúncias de assédio sexual contra o juiz e professor. Até a última sexta-feira (2), haviam sido contabilizados um total de 96 relatos, seis deles de estupro. O movimento tem parceria com o Projeto Justiceiras. Os dois órgãos prestam assistência jurídica gratuita a vítimas de violência sexual. Eles já encaminharam 62 desses casos para apuração dos órgãos responsáveis, entre eles, também o Conselho Nacional de Justiça.
O Damásio Educacional, onde Scalercio era professor de direito no cursinho preparatório para concursos públicos e para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o desligou da instituição em agosto, após as denúncias contra ele aumentarem. O cursinho sempre negou, no entanto, que soubesse de relatos de assédio sexual envolvendo ele e alunas.
MP ouve vítimas de estupro
Segundo o Me Too, as vítimas de Scalercio continuam sendo alunas do Damásio, advogadas e servidoras do TRT. Quatro dos casos de estupro foram encaminhados ao Ministério Público (MP) de São Paulo. As outras duas mulheres que disseram ter sido estupradas por Scalercio não quiseram levar as denúncias à frente.
"É importante alertar a todas as mulheres a importância de falar. São relatos muito doloridos, graves. Relatos de sofrimento. Relatos que causam muita repulsa em que ouve. É um tipo de violência insidiosa e perversa. Ela se vale da condição de vulnerabilidade dessas mulheres", disse ao g1 a promotora Silvia Chakian, que ouviu algumas das mulheres. Ela integra o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (NAVV) do MP.
"Elas [as mulheres] tiveram muito medo de denunciar na época. Tiveram medo de serem prejudicadas dentro do meio jurídico. Tiveram medo de conseguir provar o crime. De ficarem desacreditadas. E não tinham noção de que isso estava acontecendo com outras mulheres. Agora se sentem mais amparadas e fortalecidas para isso", falou Silvia.
Apesar disso, os advogados de Scalercio sempre negaram quaisquer acusações de assédio sexual contra seu cliente. A própria Corregedoria do TRT chegou a arquivar por duas vezes três dessas denúncias contra ele.
Ex-alunas do Damásio Educacional usaram as redes sociais em agosto para dizer que, pelo menos desde 2016, já haviam procurado o cursinho e denunciado Scalercio por comportamento inadequado. Entre as queixas relatadas estavam convites do docente para sair com as estudantes e envios de mensagens inapropriadas com conotação sexual para as redes sociais delas.
As denúncias de assédio contra o juiz começaram em 2014, mas só vieram à tona em 2020, quando mulheres passaram a discuti-las na internet. Vítimas que não se conheciam começaram a citar o nome de Scalercio em pelo menos dois grupos fechados de discussão nas redes sociais voltados a concursos públicos para mulheres. Elas o definiam como assediador sexual.
Segundo Luanda Pires, diretora de relações institucionais do Me Too Brasil, o número de vítimas que acusam o magistrado por assédio pode ser maior. “A gente já sabe de muitas outras vítimas, que ainda não estão dispostas, não têm condições ainda de falar sobre, mas a gente já sabe de outras mulheres. A sociedade brasileira naturalizou esse crime, entendendo esses atos como 'cantadas'.”
TST combate assédio sexual nos tribunais
Assédio sexual é crime no Brasil. Pode ocorrer em um contexto em que há relação hierárquica entre o agressor e a vítima, no qual ele a constrange, geralmente no ambiente de trabalho, seja usando palavras ou cometendo ações de cunho sexual, sempre sem o consentimento da pessoa, como um beijo ou um toque forçados, por exemplo.
Pelo fato de os membros da Justiça do Trabalho terem competência federal nas suas atribuições, eventuais violações cometidas por eles são apuradas por órgãos federais. Se for considerado culpado no âmbito administrativo, o magistrado poderá ser exonerado do cargo, suspenso, afastado ou advertido. No aspecto criminal, condenados por assédio sexual podem ser punidos com até dois anos de prisão.
Ainda no final de agosto, após a repercussão do caso envolvendo Scalercio, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), com sede em Brasília, instituiu a "Política de Prevenção e Combate ao Assédio Moral e ao Assédio Sexual". A ação ocorrerá em todos os tribunais do TST e também no Conselho Superior da Justiça do Trabalho.
Sobre o caso envolvendo Scalercio, o TST divulgou a seguinte nota abaixo ao ser questionado pelo g1 a respeito de quais são as três novas denúncias contra o juiz:
"Segundo determinação da Ouvidora-Geral do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), Ministra Maria Helena Mallmann, toda e qualquer denúncia que diga respeito a este caso deve ser imediatamente encaminhada para a Corregedoria do TRT da 2ª Região (SP), nos termos do artigo 17 e parágrafo 1º da Resolução CNJ 351/ 2020.
Quanto ao teor das denúncias, não é possível especificar o conteúdo, tendo em vista o artigo 3º, incisos X e XI, e artigo 14 da mesma Resolução, além do previsto no artigo 6º da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Por oportuno, o TST e o CSJT reiteram que seguem rigorosamente todos os trâmites previstos em seus atos normativos para casos de denúncias administrativas."
O que o TRT diz sobre a transferência
A respeito da transferência de Scalercio para outro fórum em São Paulo, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região divulgou que:
"O juiz substituto Marcos Scalercio havia solicitado 20 dias de férias, que se encerraram no domingo (4/9). Assim, ele retornou ao trabalho nesta segunda-feira (5/9).
O magistrado foi designado para atuar na 18ª Vara do Fórum Trabalhista da Zona Sul, auxiliando em processos que estão em fase de execução. Essa fase processual é quando se buscam meios para efetuar o pagamento do(s) credor(es).
A designação foi feita pela Corregedoria do TRT-2, órgão que faz essas indicações de acordo com as necessidades observadas em cada vara do trabalho (VT). No caso em questão, a decisão levou em conta os altos índices de congestionamento na execução desta VT. Vale dizer que, nessa atribuição, o magistrado não participará de audiências.
Independentemente do retorno das férias, na semana passada o Corregedor Regional do TRT da 2ª Região decidiu pela abertura de nova reclamação disciplinar contra o magistrado, após o recebimento de três novas denúncias oriundas da ouvidoria do Tribunal Superior do Trabalho. A investigação está em andamento e corre sob sigilo. Importante mencionar que os fatos estão sendo apurados com a celeridade que o caso exige."
Fonte: g1
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