sexta-feira, agosto 12, 2022

Região Metropolitana de Natal tem mais de 135 mil em extrema pobreza

Estudo divulgado na nona edição do Boletim das Desigualdades nas Metrópoles aponta que mais de 135 mil pessoas estão em condição de extrema pobreza na Região Metropolitana de Natal. A pesquisa desenvolvida em parceria estabelecida pelo Observatório das Metrópoles, a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL) analisa dados que cobrem o período de 2012 a 2021. 


Renda mensal da extrema pobreza é de R$ 160 per capita


No início da análise, cerca de 86.633 pessoas eram consideradas extremamente pobres na região da capital potiguar. Ainda de acordo com o estudo, Natal foi uma das capitais que registrou maior desigualdade de renda, acompanhada de outras capitais nordestinas como Aracaju, João Pessoa e Salvador. Em valores mensais de 2021, a linha de pobreza é de aproximadamente R$465 per capita e a linha de extrema pobreza é de aproximadamente R$160 per capita.


A pesquisa considerou dados do IBGE e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc). Para o cálculo foi utilizado o coeficiente de Gini, um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. O cálculo mostra que, quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade de rendimento e, quanto mais próximo de 0, mais igual é a região analisada. Em Natal, o cálculo chegou a 0,588 em 2021, o valor anterior era de 0,529. 


De acordo com o professor do departamento de demografia e estatística da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Ricardo Ojima, um dos fatores que influenciou esse crescimento foi a chegada da pandemia. “Isso [aumento da desigualdade] se deve pelo fato de que houve um ganho da renda média daquela população que está entre os 10% mais ricos, enquanto que os 40% mais pobres tiveram um decrescimento da sua renda nos últimos anos, sobretudo no período da pandemia”, explica. Esse dado diz, basicamente, que as pessoas mais ricas ficaram ainda mais ricas, enquanto as mais pobres tornaram-se ainda mais pobres.


Além disso, ele aponta o aumento do desemprego como um desses fatores. Segundo Ojima, mesmo depois de 2020 houve demora na retomada de empregos influenciada pelo atraso do processo de vacinação, que também influenciou o crescimento das taxas de pobreza no estado. “Se a vacinação tivesse começado mais cedo, a retomada dos empregos poderia ter sido um pouco mais agilizada, uma vez que o setor de serviços e turístico é um importante setor da economia da região”, disse. 


O professor ressalta ainda que a interrupção do pagamento do Auxílio Emergencial em 2021 também foi um fator contribuinte no crescimento da pobreza, que andou em conjunto com o desemprego. “Em 2020 o auxílio emergencial contribuiu para o aumento da renda média da população mais pobre. No caso de 2021, por conta dessa interrupção no pagamento do auxílio emergencial, o impacto foi contrário”, disse. 


A inflação dos preços da cesta básica foi um ponto destacado como um fator que contribuiu para a diminuição do poder de compra da população. “A inflação aumentou a quantidade de pessoas na linha da pobreza e também aumentou a quantidade de pessoas na linha da extrema pobreza”, destaca Ricardo Ojima.


Ainda de acordo com o boletim, a renda média da população total da região metropolitana de Natal teve ganho quando compara 2014 a 2021, ou seja, passou de R$ 1.335 para R$ 1.609. Apenas Natal e Belém tiveram variações positivas. Para o professor Ricardo Ojima, esse é um ponto que merece destaque, mas não é comemoração. “Isso não é necessariamente um ponto a se comemorar porque boa parte desse ganho, desse rendimento da população em geral foi puxado pelo complemento da renda média dos 10% mais rico, ou seja, colocar esse ganho na média é aparentemente positivo, mas foi desequilibrado na distribuição da população”, ressalta o professor.


“A gente tem que se virar”, diz Fátima


Fátima da Silva, 37, é moradora do município de Ceará-mirim, região metropolitana de Natal. Tem duas filhas de 15 e 18 anos de idade e cuida sozinha da família vendendo doces nos ônibus. Ela vive sem ter certeza do amanhã, mas faz planos de “ser alguém na vida” agora que voltou a estudar. “Deus é quem sabe até lá, o dia a dia da gente Deus é quem sabe, mas faço planos de um dia ser alguma coisa na vida, mas hoje em dia é muito difícil”, conta.  Ela diz, ainda, que muitas pessoas estudam, mas não têm emprego, a exemplo de sua filha, que está terminando o ensino médio. “Muitas vezes tem estudo e não tem [emprego]. Eu tenho uma filha minha que tem estudo e não tem emprego. Já foi várias vezes em supermercados, em vários cantos e esse emprego nunca chegou. Nunca chega. Infelizmente nunca chega esse emprego”, lamenta.


Fátima da Silva, de 37 anos, tem dificuldades para manter a casa e comprar comida


A falta de emprego afeta as necessidades mais básicas da sua sobrevivência. A escassez alimentar, a necessidade de ter um teto, por mais que seja difícil mantê-lo, são fatores que a inquietam todos os dias. “Tem que se virar do jeito que pode para poder comer, se alimentar porque, infelizmente, todo ser humano precisa do básico de três refeições durante o dia. Você tem que tomar café da manhã, tem que almoçar e tem que jantar. Se você não tiver essas três refeições durante o dia, como você vai sobreviver?”, questiona. As obrigações com a casa também são incertezas na sua vida. “Tem que pagar água, luz. Às vezes não paga aluguel, mora de favor, mas tem que manter água, luz, internet, comida, gás”, continua. De acordo com ela, o auxílio oferecido pelo governo também não supre as necessidades básicas, tendo em vista os preços inflacionados em todo o país. “Eu estava tirando 400 reais. Então se torna difícil, porque não é muito dinheiro. Muitas vezes você tira 110 para um gás e de 400 você fica com quanto para fazer uma feira básica para passar um mês? A coisa mais ruim é quando nossos filhos chegam e dizem 'mãe, hoje não tem nada para comer', conclui.


País precisa de políticas públicas


O professor Ojima destaca, ainda, que o avanço da economia ainda é lento, mas constante à medida que o país sai da situação da pandemia e aumenta a cobertura vacinal da população. Ele diz que o principal objetivo é resolver o problema da fome, já que o país voltou a ocupar o mapa da fome este ano. “Acho que o primeiro objetivo, em termos de políticas públicas, é uma resolução imediata, emergencial em relação à fome. O Auxílio Brasil precisa ser complementado. Não basta só dar dinheiro para essas pessoas, mas tem que oferecer condições para que elas acessem a alimentação a preços mais acessíveis”, disse. 


Políticas de proteção social também podem ser eficazes nesse combate. “Políticas públicas que busquem incentivar a tomada de empregos, controlar, sobretudo a inflação sobre os alimentos e oferecer condições dessa população sair da situação de extrema pobreza”, finaliza. 


As regiões metropolitanas concentram quase 40% da população brasileira, ou mais de 80 milhões de pessoas. De acordo com as informações disponibilizadas, o panorama brasileiro chega a ser ainda mais alarmante. Entre 2020 e 2021, mais de 3,8 milhões de brasileiros residentes nas metrópoles entraram em situação de pobreza. De acordo com o boletim, esse número corresponde a 23,7% da população, um aumento de 7,2 milhões de pessoas em relação a 2014, quando representava 16% da população. Além disso, o estudo revelou 2014 foi o único ano, desde o começo da pesquisa, que a desigualdade de renda medida pelo coeficiente de Gini passou por uma “redução”, atingindo 0,538.


Fonte: Tribuna do Norte

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