O Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA) investiga a denúncia de tortura contra dois trabalhadores que foram agredidos pelos patrões em Salvador, neste mês. Uma das vítimas teve as mãos queimadas com o número 171, referente ao artigo do código penal referente ao crime de estelionato.
Os empresários suspeitos foram procurados pelo g1, mas não se manifestaram até a publicação desta reportagem.
As agressões aconteceram em 19 de agosto, mas só foram denunciadas à Polícia Civil no dia 26. O crime foi motivado por um suposto furto de R$ 30. Os trabalhadores negam que tenham roubado o dinheiro. Os empresários suspeitos prestaram depoimento e estão soltos.
Nesta segunda-feira (29), o advogado das vítimas esteve na delegacia que investiga o caso para cobrar rapidez no inquérito. Já o MPT informou que vai solicitar informações para Polícia Civil, e que as vítimas e os empresários serão convocados para prestar depoimento.
Tortura física e psicológica
O relato do jovem William de Jesus, de 21 anos, aponta como aconteceu a tortura. "Ele falou: 'eu só não vou queimar sua testa porque você já é feio. Com a testa queimada vai ficar mais feio ainda, então vou queimar na mão'".
As duas vítimas prestaram depoimento em delegacia. Além delas, o empresário, identificado como Alexandre Carvalho Santos, também falou com a polícia. Um segundo homem, que filmou a tortura, também deve ser ouvido pela polícia.
Willian contou que no dia da agressão chegou para trabalhar, e foi pego em uma “emboscada” montada pelos dois. Durante a sessão de tortura, os homens queriam que ele confessasse o suposto roubo.
"No momento em que estava me batendo, eles estavam gravando e dizendo para que eu confessasse. Eu falei: 'não vou confessar nada, porque eu não roubei nada'".
Marcos Eduardo, que também foi agredido com pauladas nas mãos, contou que está traumatizado e que sofreu ameaças de morte.
"É traumatizante. Eu não durmo direito, me assusto de madrugada porque ele me ameaçou de morte. Falou que, se não tivesse gostado [da tortura], era para dar queixa".
"Eu não preciso disso [roubar]. Eu tenho um filho, pago aluguel, trabalho. Acordava às 5h da manhã todos os dias, para trabalhar para ele. Saia quase 20h da noite. Fechava a guia e ainda ficava. Se eu fosse roubar, eu não ia roubar só R$30".
Mães indignadas
As imagens gravadas por um dos empresários, o que ainda não foi identificado, mostram Alexandre dizendo que identificou os funcionários roubando. Em um trecho ele diz: "Mais um ladrão aqui, mais um ladrão, pessoal. Trabalhou para mim, a gente deu moral e confiança, e ele metendo a mão no dinheiro".
As mães das duas vítimas estão indignadas com a tortura e também prestaram depoimento. À mãe de Willian, Claudete Batista, o agressor relatou que queria fazer "justiça com as próprias mãos".
"Ele disse: 'eu fiz isso porque seu filho estava roubando'. Mesmo se ele [filho] estivesse roubando, ele [Alexandre] tinha que ir à Justiça, não torturar e fazer justiça com as próprias mãos", apontou Claudete.
A mãe de Marcos, Vilma Serra, também trabalhava para Alexandre e relatou a mesma consternação com as agressões.
"Ele [Alexandre] telefonou para mim, porque eu também trabalhava para ele. Quando eu cheguei, ele [filho] estava sentado. Ele [Alexandre] suspendeu a porta e começou a falar que ele [filho] tinha roubado, aí eu fiquei sem reação".
Para o filósofo Rosival Carvalho, a tortura deturpa a ideia de Justiça.
"Nenhum de nós tem autoridade sobre o outro, de cometer tal delito – aquela ação foi uma ação delituosa. Aí é tortura e não podemos acertar aceitar a naturalização da barbárie, como algo que faz parte de um processo de sociedade".
Polícia investiga
O caso é investigado pelo delegado William Achan, que informou que Alexandre admitiu ter feito “justiça com as próprias mãos”.
"Ele disse que ficou bastante chateado pela subtração, segundo ele, de um valor de R$30. Só que a vítima alega que, enquanto estava fazendo a limpeza achou esse dinheiro, e que seria entregue a ele [Alexandre], mas ele não aceitou os argumentos dos funcionários. E então, de modo imprudente, acabou tentando fazer a lei com as próprias mãos".
Fonte: g1
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