O juiz do trabalho de São Paulo e professor Marcos Scalercio, acusado de assédio sexual e estupro, pediu férias nesta terça-feira (16) no Tribunal Regional do Trabalho (TRT).
Após reportagem do g1, 30 novas mulheres procuraram a ONG Me Too com novos relatos, que levou as dez primeiras queixas ao Conselho Nacional do Ministério Público, com novas denúncias. Além de uma vítima que alega ter sido estuprada pelo professor.
Desses 30 relatos, 10 foram ouvidas pelo Projeto Justiceiras e manifestaram a intenção de encaminhar denúncias para os órgãos competentes.
"O juiz substituto Marcos Scalércio requereu férias a partir de hoje e encontra-se afastado de suas atividades no Tribunal", afirmou o TRT em nota.
Ele é juiz substituto do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região e professor de direito material e processual do trabalho no Damásio Educacional. Ele nega as acusações e diz que já foi absolvido pela corregedoria do TRT e teve denúncias arquivadas.
Relatos das vítimas
Duas das três mulheres que decidiram levar à frente na Justiça as denúncias de assédio sexual contra o juiz do trabalho de São Paulo e professor Marcos Scalercio relataram ao g1 e à TV Globo detalhes da abordagem.
Uma delas afirmou ter sido impedida de fazer perguntas por Scalercio durante uma audiência por não ter aceitado sair com ele. A advogada diz que era aluna dele no cursinho Damásio em 2014, onde Scalercio dava aulas, e que foi abordada por ele em redes sociais.
O professor começou a oferecer ajuda a ela. "Ele ficava falando de me levar livros até a minha faculdade e um dia simplesmente apareceu. Entrei no carro dele e nós fomos numa cafeteria próxima ao local, quando ele tentou me agarrar", afirmou.
"Na hora, eu falei que não queria isso, fiquei assustada e me retirei daquele local. Depois ele passou a mandar mensagens nas redes sociais dizendo que a gente tinha que sair juntos. Eu me recusava, e ele falava coisas do tipo: 'Como você não quer sair comigo, eu sou juiz, você não tem noção de quem eu sou?'. Depois disso, eu bloquei ele nas redes", completou.
A advogada conta que continuou frequentando as aulas normalmente, e que Scalercio passou a tratá-la com indiferença. Depois de formada, ela afirma que o encontrou em audiências e que teria sofrido retaliações profissionais por parte do juiz.
"Eu estava numa audiência que deveria ocorrer normalmente, onde o advogado faz perguntas, e a parte responde. E todas as perguntas que eu fazia, ele falava: 'Está indeferido, não vai perguntar nada'. Na época, o cliente até me perguntou o que estava acontecendo, e eu ficava constrangida em responder", afirmou.
Assédio dentro do fórum
Uma outra vítima, funcionária do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), contou em entrevista à TV Globo que foi agarrada e beijada à força por Scalercio dentro do gabinete dele no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa na capital, em 2018.
"Ele se levantou, veio perto da minha cadeira, se apoiou na minha cadeira e começou a tentar me beijar, me assustei e fui para trás com a cadeira. Mas ele forçava todo o corpo pesado nos meus braços, até que teve uma hora que ele fez menos força, e eu consegui me desvincular. Ele tentava me beijar e falava que 'sabia que eu queria' e, como não tinha câmeras no gabinete, eu podia ficar tranquila", afirmou a vítima.
Ela também conta que ficou com marcas nos braços por ter sido pressionada com força pelo juiz. Ela é uma das três denúncias contra Scalercio que são apuradas pelo CNJ e pelo Ministério Público Federal (MPF).
A servidora se lembra de que ele disse: "Sei que você quer". Assustada, ela fala que tentou se livrar do magistrado e chegou a colocar a mão no rosto dele e o empurrou. Ainda segundo a mulher, Scalercio “começou a falar que era juiz, que tinha um monte de mulheres que queriam sair com ele”.
"Ele só falou: ‘Eu sou juiz, tem um monte de mulher que quer sair comigo, e você não tem prova e não vai poder fazer nada’. Na hora eu não falei nada, só teve um momento um pouco antes que eu peguei o celular e tentei filmar, mas ele tirou da minha mão e disse que eu não tinha provas e que eu não poderia fazer nada. Fui fechada naquele gabinete e com certeza, pelo fato de eu ter um cargo inferior, quem sairia punida seria eu”, continuou.
A servidora conta que, no dia em que sofreu assédio, estava em um evento no fórum e comentou com Scalercio sobre uma possível troca de lotação no tribunal.
"Só fui perceber todas essas questões depois, voltando nos fatos, percebendo desde o momento como eu entrei e como que foi, também era numa sexta-feira - que é o dia de menor movimentação no Tribunal. Então essas questões eu só fui realmente perceber depois", continuou.
Após sofrer assédio, nervosa, ela decidiu ir embora. No dia seguinte, contou a uma amiga o que aconteceu. Dez dias depois, resolveu mandar mensagem para o juiz dizendo que “houve falta de respeito, que não deu abertura” para ele abordá-la daquele jeito.
O magistrado então “respondeu que não sabia sobre o que ela estava falando”, de acordo com a funcionária.
Na época, ela não o denunciou porque acreditava que “não tinha provas” contra ele, exceto suas próprias palavras. Mas mudou de opinião quando viu outras mulheres acusando o magistrado por assédio sexual nas redes sociais. Procurou então o Me Too Brasil para formalizar sua denúncia contra Scalercio.
"Eu sofria cada vez que ficava sabendo de uma mulher, uma menina assediada. As marcas ficam, não dá para falar que não ficam e, eu sei que cada uma delas também sente. É algo que eu acho que só para quando você tem uma resposta, um acolhimento afetivo porque até agora não foi o que aconteceu, eu espero realmente que tudo seja esclarecido e as vítimas tenham coragem de falar de denunciar", diz a servidora.
Desde então, ela aguarda decisões do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público Federal. Atualmente faz terapia e tem acompanhamento psicológico por conta do trauma que sofreu, segundo a ONG. "O tribunal arquivou e não abriu procedimento disciplinar, eu esperava que o Tribunal abrisse um procedimento pelo menos por uma apuração melhor do caso e nem isso foi feito".
"Hoje eu confesso que chorei, mas é um choro de alívio por saber que outras pessoas estão denunciando e que eu tenho ciência que só essa voz coletiva é que dará resultado. Eu fico aliviada e uma coisa que eu tenho é consciência tranquila por ter participado dessa denúncia - apesar de ter sido muito custosa - só assim eu consigo dormir com a consciência tranquila", afirmou.
Segundo a defesa de uma das três mulheres que decidiram formalizar na Justiça as denúncias de assédio sexual contra o magistrado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ainda não marcou uma data para analisar as acusações contra Scalercio.
"Com novas denúncias de assédio, a expectativa é que a Corregedoria do CNJ faça novas diligências para melhor instruir o procedimento, antes de novamente pautá-lo para decisão do plenário do CNJ, com elementos mais robustos para uma abertura de processo disciplinar", disse ao g1 o advogado José Lúcio Munhoz.
De acordo com ele, o CNJ irá decidir se abre um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) contra o juiz ou se arquiva o caso, assim como já havia sido feito antes pelo TRT.
Mais denúncias
Dezenas de mulheres relataram terem sido assediadas pelo juiz do trabalho de São Paulo e professor Marcos Scalercio depois de o g1 ter publicado uma reportagem nesta segunda (15) com denúncias de ao menos dez mulheres contra o magistrado por assédio sexual entre 2014 e 2020.
Ele é juiz substituto do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região e era professor de direito material e processual do trabalho no Damásio Educacional. Ele nega as acusações e diz que já foi absolvido pela corregedoria do TRT e teve denúncias arquivadas (leia mais abaixo).
O curso preparatório para concursos públicos Damásio Educacional anunciou na noite da segunda (15) ter afastado Scalercio.
Até o início da tarde desta segunda (15), após a publicação da matéria, 13 mulheres procuraram o Projeto Justiceiras, uma parceria entre os Institutos Justiça de Saia, o Instituto Bem Querer Mulher, e o Instituto Nelson Wilians, para denunciar o magistrado por assédio sexual. Ao menos outras três mulheres procuraram a reportagem do g1 e da TV Globo para acusar o juiz.
Em uma página chamada "Nação Jurídica", no Instagram, mulheres afirmaram que ele fez o mesmo com elas quando eram alunas dele para a prova da OAB. Outras disseram que ele mandava mensagens pelo Facebook. "Finalmente te pegaram", disse uma.
Ao g1, após a publicação da reportagem, professoras do Damásio relataram casos de assédio contra alunas e colegas. Em um dos casos, Scalercio ameaçou uma aluna dizendo que, se não largasse o namorado, não passaria na OAB.
À TV Globo e ao g1, uma ex-aluna do Damásio, hoje advogada, relatou como ocorreu o assédio contra ela.
"Eu estudei lá na Liberdade [unidade do cursinho] presencialmente em 2018 e 2019 e ele era um dos meus professores. Eu estudava para a carreira trabalhista. Ele me adicionou nas redes sociais, no Instagram e me mandava mensagens, falando que se eu precisasse de alguma coisa, alguma dúvida com ele, ele estava à disposição, que eu sempre poderia procurar ele. Eu: 'ok, professor, muito obrigada'. Nisso, todas as vezes que a gente tinha aula ele mandava: ‘nossa, você estava linda hoje’, elogiando. Até então ok, mas depois ele começou a fica insistindo e passou o WhatsApp dele, e eu comecei a fazer aula de sentença também com ele", disse.
"Quando eu tinha dúvida eu perguntava pra ele e foi aí que trocamos WhatsApp. Ficou mandando coisas que não tinham nada a ver com matéria, sabe? Ele me via nos corredores e me mandava mensagem falando que tinha sonhado comigo, que pensou muito em mim, que acordou de pau duro e que se tivesse alguma chance da gente se encontrar no Damásio escondido, em algum banheiro, que seria muito pra ele, porque fazia tempo que não ficava com ninguém. Eu falei pra ele que tinha um relacionamento e meu interesse era mesmo só o estudo, que eu queria prestar o concurso e deu uma parada", completou.
Assédio sexual é crime no Brasil. Pode ocorrer em um contexto em que há relação hierárquica entre o agressor e a vítima, no qual ele a constrange, geralmente no ambiente de trabalho, seja usando palavras ou cometendo ações de cunho sexual, sempre sem o consentimento da pessoa, como um beijo ou um toque forçados, por exemplo.
Investigação
A ONG Me Too Brasil levou as dez primeiras queixas ao Conselho Nacional do Ministério Público, que depois acionou os órgãos competentes. Atualmente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília, e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), em São Paulo, apuram essas três acusações contra o juiz, respectivamente, nas esferas administrativa e criminal (saiba mais abaixo).
Dez mulheres
O g1 teve acesso às dez denúncias contra o magistrado feitas pelas mulheres. Os relatos foram divulgados inicialmente nas redes sociais, e só depois chegaram ao Me Too Brasil.
As denunciantes, que não querem ser identificadas por temerem represálias, são: uma funcionária do TRT, uma advogada, uma estagiária de direito, seis alunas do cursinho Damásio à época, e uma professora de direito - com quem a reportagem conversou.
Algumas das mulheres postaram e compartilharam prints das conversas que alegam ter tido com ele e que, segundo elas, comprovam os assédios sexuais cometidos por Scalercio (veja mais abaixo). As fotos dos diálogos foram divulgadas em grupos fechados de concursos públicos voltados a mulheres, compartilhadas entre as próprias vítimas e também acabaram encaminhadas ao Me Too Brasil.
Das dez mulheres, três delas acusam o magistrado de 41 anos de agarrá-las e beijá-las à força dentro do seu gabinete no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, na Barra Funda, Zona Oeste da capital, ou em uma cafeteria próxima ao cursinho, no Centro.
Outras sete vítimas também relatam que ele usou as redes sociais para assediá-las, tendo comportamento inapropriado e enviando mensagens com conotação sexual.
Denúncias começaram na internet
As denúncias de assédio contra o juiz começaram em 2014, mas só começaram a ser discutidas entre as vítimas em 2020. Primeiro pela internet, quando vítimas que não se conheciam começaram a citar o nome de Scalercio em pelo menos dois grupos fechados de discussão voltados a concursos públicos para mulheres. Elas o definiam como assediador sexual.
Em um desses grupos, a organizadora pedia às concurseiras que a seguiam que enviassem as postagens que haviam feito anteriormente com denúncias contra o magistrado (veja foto acima).
Ao descobrirem que outras mulheres denunciaram o juiz por assédio, três das vítimas que procuraram o Me Too Brasil decidiram dar sequência às denúncias. As queixas seguiram então para os órgãos competentes apurarem.
O Me Too Brasil, ou o "Eu Também" (na tradução do inglês), foi criado em 2020 no país, inspirado pelo movimento que nasceu nos Estados Unidos em 2017, depois de uma série de denúncias contra o produtor Harvey Weinstein, acusado por dezenas de mulheres de abuso sexual e estupro. Desde então, a ONG combate assédio e abuso sexual prestando assessoria jurídica gratuita a mulheres por meio de profissionais voluntários.
A organização levou as acusações das três mulheres contra o juiz para o Projeto Justiceiras e a Ouvidoria das Mulheres do Ministério Público, em Brasília, com os quais tem parceria. A Ouvidoria acionou depois as autoridades responsáveis para que as denúncias fossem investigadas.
Pelo fato de os membros da Justiça do Trabalho terem competência federal nas suas atribuições, eventuais violações cometidas por eles são apuradas por órgãos federais. Se for considerado culpado no âmbito administrativo, o magistrado poderá ser exonerado do cargo, suspenso, afastado ou advertido. No aspecto criminal, condenados por assédio sexual podem ser punidos com até dois anos de prisão.
O que diz o Damásio
O curso preparatório para concursos públicos Damásio Educacional anunciou o afastamento de Scalercio.
“A instituição ressalta que não recebeu manifestação de estudantes em seus canais oficiais desde 2015. Para questões desta natureza, a instituição disponibiliza um Canal de Denúncias oficial, que se destina a registrar desvios de conduta, tendo como desdobramento o procedimento administrativo de apuração com base em normativos internos. A Administração da Instituição decidiu afastar o docente de suas atividades.”
Apuração administrativa
A Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, em Brasília, vai apurar se Scalercio cometeu alguma infração disciplinar como juiz por conta das denúncias de assédio sexual. Existe a possibilidade de que o caso comece a ser analisado a partir desta terça-feira (16) por vários magistrados. Eles decidirão se abrem um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o juiz do trabalho ou não.
A lei da magistratura determina que juízes devem manter conduta irrepreensível na vida pública e também na particular.
“A Corregedoria Nacional de Justiça informa que os fatos relacionados ao juiz Marcos Scalercio estão sendo apurados no Pedido de Providências”, que “tramita sob segredo de justiça”, de acordo com trecho da nota do CNJ encaminhada ao g1.
O CNJ vai apurar as denúncias contra o juiz depois que a Corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo arquivou por duas vezes as acusações contra Scalercio. Por determinação do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça irá analisar mais profundamente o caso e revisar os trabalhos feitos pelo órgão do TRT.
Em dezembro do ano passado, um corregedor do Tribunal Superior do Trabalho fez críticas ao arquivamento.
O Tribunal Regional do Trabalho analisou os depoimentos das três mulheres que procuraram o Me Too Brasil para acusar Scalercio de assédio. São elas: a funcionária do TRT que o acusou de assediá-la no gabinete, a ex-aluna do Damásio que disse que ele a agarrou numa cafeteria e a advogada que falou ter sido chamada de "assexuada" pelo juiz numa troca de mensagens por celular.
Além disso, testemunhas e juízas ouvidas pelo órgão disseram saber de mais denúncias de crimes sexuais contra o magistrado.
Mas, mesmo diante dessas acusações contra Scalercio, a maioria dos desembargadores do TRT em São Paulo seguiu a posição do relator, que arquivou o caso em meados de 2021. Ele era corregedor do tribunal e analisou a Reclamação Disciplinar (RD) contra o magistrado. A maior parte dos magistrados decidiu por votação que não havia provas de que o juiz do trabalho cometeu irregularidades durante o serviço e na vida pessoal. E que por este motivo não iriam abrir um Procedimento Administrativo Disciplinar para investigá-lo.
O resultado do TRT seguiu para apreciação do CNJ, que não concordou com o arquivamento das denúncias e determinou nova apuração, desta vez pela corregedoria do próprio órgão, por entender que há indícios de infrações contra o juiz que precisam ser esclarecidas.
“O Pedido de Providências é uma apuração preliminar, na qual a Corregedoria Nacional procede à avaliação do fato e das provas existentes, a fim de estabelecer se houve prática de infração disciplinar, o que pode determinar a propositura de Processo Administrativo Disciplinar ou, em hipótese contrária, acarretar o arquivamento do procedimento”, continua o comunicado do CNJ à reportagem.
Se o CNJ abrir o Processo Administrativo Disciplinar contra o juiz e ele for considerado culpado, as punições possíveis poderiam ir de uma suspensão, um afastamento ou uma advertência até a exoneração do cargo. Além do arquivamento do caso, se o magistrado for inocentado.
"A Corregedoria Nacional informa que o Pedido de Providências [...], que tramita sob segredo de justiça, aguarda inclusão em pauta para ser julgado pelo Plenário do CNJ", diz a assessoria do Conselho Nacional de Justiça.
Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) do Tribunal Regional Federal da 3ª Região apura desde o ano passado as denúncias de assédio sexual contra Scalercio, mas na esfera criminal.
Ao menos uma das vítimas já foi ouvida pelos procuradores da Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR-3) do MPF, que investigam juízes com foro. A lei penal prevê pena de até dois anos de prisão em caso de condenação.
O g1 procurou o Ministério Público Federal, que, por meio de sua assessoria de imprensa, confirmou estar apurando as denúncias contra o magistrado, mas informou que como o caso está em sigilo não pode dar declarações sobre a investigação.
"A petição criminal [...] continua em trâmite no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. No entanto, em razão do sigilo, a Procuradoria Regional da República da 3ª Região, unidade do MPF que atua neste caso, bem como em todos os casos que estejam tramitando perante o TRF3, não pode dar declarações ou informações sobre ela", informa o MPF.
Procurado pelo g1, o TRF-3 confirmou que o processo criminal contra Scalercio está em apuração no Tribunal Regional Federal, mas que não poderia dar mais detalhes. "O processo tramita em segredo de justiça e não temos acesso às informações", informa a nota enviada à reportagem pela assessoria do TRF.
Caso a PRR-3 denuncie Scalercio por assédio sexual à Justiça Federal, será aberto um processo criminal contra ele. Por ser magistrado e ter prerrogativa de foro, o juiz seria investigado pelo Órgão Especial do TRF-3. Se o tribunal aceitar uma eventual denúncia, o acusado se tornaria réu.
Me Too Brasil
Segundo Luanda Pires, diretora de relações institucionais do Me Too Brasil, muitas vítimas de assédio demoram para denunciar os agressores por se sentirem fragilizadas e com medo, como no caso envolvendo Scalercio.
“É muito comum que vítimas levem pelo menos de 3 a 5 anos para conseguirem falar sobre isso”, relatou a diretora do Me Too Brasil.
Mas de acordo com Luanda, o número de vítimas que acusam o magistrado por assédio pode ser maior. “A gente já sabe de muitas outras vítimas, que ainda não estão dispostas, não têm condições ainda de falar sobre, mas a gente já sabe de outras mulheres. A sociedade brasileira naturalizou esse crime, entendendo esses atos como 'cantadas'.”
Desde o seu surgimento, o MeToo Brasil já atendeu mais de 150 vítimas até 2021. Quase 80 desses atendimentos foram de mulheres contando suas histórias como vítimas de crimes sexuais. A outra parte foi de vítimas pedindo ajuda. E perto de 70 delas foram encaminhadas para redes de proteção do Estado, como delegacias especializadas e hospitais.
Algumas vítimas acabam desenvolvendo sequelas em razão de abusos que sofreram. “Depressão, ansiedade, problemas de alimentação, problemas gastrointestinais... Tudo em razão dessas violências e como elas vão processando isso internamente”, afirmou Luanda.
Justiceiras e Ouvidoria das Mulheres
O Me Too Brasil tem parceria com o Projeto Justiceiras, organização social sem interesse financeiro, que dá suporte profissional voluntário nas áreas jurídica, psicológica, de acolhimento, apoio médico às vítimas.
O Projeto Justiceiras, por sua vez, ouve as vítimas e encaminha as denúncias com indícios de crimes para a Ouvidoria das Mulheres do Conselho do Ministério Público.
“O Me Too recebeu denúncias de acusações contra autoridades, essas denúncias são encaminhadas automaticamente para o Justiceiras, que vai fazer a análise desse caso”, disse a promotora Gabriela Manssur, idealizadora do Justiceiras e então coordenadora da Ouvidoria das Mulheres, que ouviu as vítimas que acusaram Scalercio.
"E, em se tratando, de casos cometidos com abuso de autoridade, por pessoas hierarquicamente superiores à vítima ou que têm alguma ascensão sobre essas vítimas do ponto de vista de trabalho", falou Gabriela.
TRT
O Fórum Trabalhista Ruy Barbosa é uma das três unidades do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que é o órgão da Justiça do Trabalho que cuida da capital paulista, Guarulhos, Osasco, ABC Paulista e Baixada Santista.
Segundo seu site oficial, o TRT-2, onde Scalercio trabalha, tem tramitação de mais de 900 mil processos e é considerado “o maior tribunal trabalhista do país em termos de estrutura e de volume processual”.
O g1 entrou em contato com o TRT, que encaminhou uma nota por meio de sua assessoria de imprensa, para informar que "condena veementemente qualquer forma de assédio, discriminação ou opressão que possa ocorrer dentro ou fora da instituição".
A respeito do caso das denúncias de assédio sexual contra o juiz Scalercio, o Tribunal Regional do Trabalho informou que elas foram apuradas inicialmente pela Corregedoria Regional do TRT-2, "sendo arquivado posteriormente por insuficiência de provas".
"Primeiramente, é preciso ressaltar que o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região tem, dentre seus valores institucionais, a ética e a valorização das pessoas, e condena veementemente qualquer forma de assédio, discriminação ou opressão que possa ocorrer dentro ou fora da instituição.
O processo [...] tramita em segredo de justiça, razão pela qual não é possível fornecer detalhes sobre os autos.
Podemos esclarecer, no entanto, que assim como ocorre com qualquer reclamação disciplinar, o caso foi recebido e apurado pela Corregedoria Regional do TRT-2. Em seguida, foi levado ao Tribunal Pleno, sendo arquivado por insuficiência de provas. Durante a instrução, as partes envolvidas foram ouvidas e toda assistência a elas foi prestada.
Até o momento, o TRT-2 não recebeu do Conselho Nacional de Justiça nova determinação envolvendo o caso. Se isso acontecer, as providências cabíveis serão tomadas e nova instrução processual será realizada.
Importante mencionar que o respeito à diversidade de gênero, às minorias e o combate ao assédio são princípios que norteiam a Justiça do Trabalho da 2ª Região. Como exemplo, podemos citar a existência do Comitê do Trabalho Decente e Seguro e das comissões de Diversidade e Igualdade e de Combate ao Assédio Moral e Sexual. Além disso, recentemente, em 22/7, o órgão criou a Ouvidoria da Mulher, destinada a atender público externo e interno no tocante a questões relacionadas à violência contra a mulher."
Como denunciar
Vítimas de violência sexual podem denunciar seus agressores procurando a polícia, seja ligando para o número 190, da Polícia Militar (PM), para o Ligue 180, da Central de Atendimento à Mulher, ou entrando em contato com a Delegacia de Defesa da Mulher Online.
As denúncias também podem ser feitas diretamente no site do Me Too Brasil, pelo WhatsApp (11) 99636-1212, na página do Projeto Justiceiras ou pelas redes sociais, usando a hashtag #metoobrasil.
Pela Ouvidoria das Mulheres, as queixas podem ser feitas pelo telefone (61) 3366-9229, que também funciona no WhatsApp.
Íntegra da nota da defesa de Marcos Scalercio
"Os profissionais responsáveis pela tutela jurídica do Dr. Marcos Scalercio vêm a público, diante das notícias recentemente veiculadas acerca de supostas condutas praticadas pelo magistrado em epígrafe, esclarecer o quanto segue:
As acusações que são feitas em face do Dr. Marcos Scalercio já foram objeto de crivo e juízo de valor pelo órgão correcional e colegiado do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região. O Dr. Scalercio foi absolvido pelo tribunal e o caso foi arquivado. Foram ouvidas 15 testemunhas no processo. O arquivamento portanto demonstrou que o conjunto probatório, obtido no exercício do contraditório, é absolutamente insuficiente para dar lastro em qualquer dos fatos relatados.
É de se esclarecer que a passagem do caso pelo CNJ - Consellho Nacional de Justiça, é etapa natural de qualquer expediente em que se delibera pelo arquivamento no âmbito regional. Não se trata, portanto, de nova investigação, até mesmo porquanto inexistem fatos novos. Também é preciso esclarecer que o Dr. Scalercio não responde a qualquer resvalo na esfera criminal, sendo inverídica a informação que parte do pressuposto que o magistrado está denunciado criminalmente.
Uma vez mais, reitera-se o compromisso deste magistrado e seus advogados com a apuração da verdade dos fatos e seu respectivo contexto, na lógica do devido processo legal. O Dr. Marcos Scalercio é profissional de reconhecida competência e ilibada conduta pessoal, quer seja no âmbito acadêmico, quer seja no exercício da judicatura.
São Paulo, 15 de Agosto de 2022.
Evandro F. Capano, Fernando F. Capano e Luciana Pascale Kühl"
Fonte: g1
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua opinião é muito importante para nós, comente essa matéria!