Em mensagens e fotos enviadas ao irmão, o belga Walter Henri Maximilien Biot relatou que sofria agressões por parte do marido, o cônsul alemão Uwe Herbert Hahn. Walter foi encontrado morto na noite de sexta-feira (5) no apartamento onde vivia com o marido, em Ipanema, na Zona Sul do Rio. Segundo a Polícia Civil, Uwe é o principal suspeito da morte.
Em depoimento à polícia, um amigo de Walter contou que, depois da morte, falou com com o irmão da vítima. Para sua surpresa, o familiar ainda não sabia que seu irmão havia morrido.
O irmão do belga mostrou ao amigo de Walter o print de uma conversa por Whatsapp em que Walter relatava ter sido agredido por Uwe em 17 de julho. O marido do cônsul também revelou ao familiar o interesse em contar sobre as agressões para a polícia no Brasil.
- “Eu te ligo outro dia. É um inferno aqui com Uwe”, dizia a mensagem enviada por Walter.
- “Não se preocupe... Tenha coragem...”, respondeu o irmão.
- “Eu vou para a polícia”, afirmou o belga, enviando uma foto de um ferimento no queixo.
Uwe segue preso no Rio de Janeiro. No domingo (7), a Justiça negou o pedido de habeas corpus.
O g1 procurou o Consulado da Alemanha no Rio de Janeiro, que afirmou que não vai se manifestar sobre o caso.
Separação
No mesmo depoimento, o amigo de Walter contou que o casal falava em separação diariamente.
Segundo a testemunha, um espanhol de 57 anos, Walter tinha vergonha dos vizinhos por conta das constantes brigas no imóvel e que, por diversas vezes, os dois atiravam objetos um contra o outro.
O amigo de Walter também contou que ele mesmo chegou a reparar em uma porta e uma janela quebradas no apartamento, e que o belga afirmou que Uwe havia quebrado durante uma briga.
A testemunha destacou que nunca chegou a presenciar nenhuma agressão. Walter e Uwe estavam juntos há 23 anos.
Isolado
De acordo com o amigo do belga, Walter tinha muitos amigos na vizinhança do apartamento, mas Uwe não mantinha contato com ninguém. Ele disse que, recentemente, Walter passou a ser menos visto pelos amigos da região.
O homem afirmou, ainda, que o sumiço causou apreensão e, por isso, ele foi até o prédio onde o amigo morava e perguntou sobre ele para os vizinhos, que responderam não tê-lo visto. Depois disso, pediu para o porteiro interfonar para ele, que atendeu e disse que não estava bem, aparentando ter feito uso de bebida alcoólica.
A partir daí, Walter teria ficado cada vez mais recluso e só mantinha contato por mensagens, se recusando a atender ligações. Na terça-feira (2) da semana passada, a testemunha mandou uma mensagem perguntando o motivo pelo qual ele não atendia os telefonemas, e recebeu como resposta que ele estaria em depressão por causa de Uwe.
Os dois não mantiveram mais contato e ele soube da morte pelo noticiário.
Humilhações e agressões
A testemunha relatou no depoimento uma série de humilhações e agressões que a vítima vinha sofrendo por parte do marido.
Funcionário de uma barraca de praia no mesmo bairro da orla carioca, ele revelou que o homem suspeito de homicídio apostava na impunidade, por conta da posição que ocupava.
“Uwe é uma pessoa extremamente arrogante e não raro escutava o cônsul vociferar: 'Eu sou diplomata e nada pode me acontecer'.", disse à polícia a testemunha.
Um artigo da Convenção de Viena sobre Relações Consulares é citado tanto no auto de prisão como na decisão da Justiça que determinaram que o cônsul permanecesse sob custódia das autoridades brasileiras.
De acordo com o auto de prisão, assinado pela delegada Camila Lourenço, da 14ª DP (Leblon), mesmo que seja levado em consideração que o cônsul teria direito à imunidade prevista pela convenção, o artigo 41 do documento destaca que a exceção são os crimes graves cometidos no território onde atuam.
Amigos de Walter tratados com desprezo
A testemunha contou que se mudou para o Brasil em outubro de 2019 e logo se aproximou de Walter. Os dois ficaram muito amigos e costumavam caminhar juntos na Lagoa, apesar de Uwe não gostar muito.
“Uwe tratava os amigos de Walter com desprezo. Que, por não trabalhar, Walter era constantemente diminuído por Uwe. E que ficava responsável por todas as tarefas domésticas do casal”, registrou a polícia sobre depoimento do amigo.
A testemunha também afirmou que o diplomata usava drogas, em especial cocaína e cristal, além de álcool. E disse que Walter também usava drogas, mas esporadicamente.
O espanhol contou ainda que o casal chegou a ficar separado por meses. “Walter possuía um grande amigo rico na Bélgica. Por não tolerar mais as humilhações, resolveu se separar; o amigo belga arcou com toda sua mudança para Bélgica. Após três meses, Walter retornou ao Brasil e retomou o casamento.”
Cerca de um ano atrás, o amigo belga morreu, deixando uma herança de 600 mil euros para Walter, que já tinha recebido 400 e faltavam 200 mil.
“A partir daí, as brigas aumentaram, porque Uwe não podia mais diminuir o marido. Falou também que Walter passou a ter seu próprio dinheiro, realizando suas tarefas por conta própria, o que 'causava extrema irritação em Uwe'", explica.
A testemunha acrescentou que Walter começou a sair sozinho, o que deixou o companheiro ainda mais enfurecido.
'Não há dúvidas sobre a autoria', diz delegada
A delegada Camila Lourenço, responsável pela investigação afirmou, nesta segunda, que a polícia não tem dúvida sobre a existência do crime.
"A gente não tem dúvida sobre a existência do crime. Queremos saber o que teria motivado, qual o plano de fundo, os bastidores, como estava o clima do casal, qual a relação do casal. Essas circunstâncias vão ser importantes, não para definição de autoria, que já está definida, mas para incidência de circunstâncias que vão qualificar o crime e na persecução penal que vai interferir na pena", disse.
Ainda de acordo com a delegada, a vítima tinha inúmeras lesões e até uma mangueira de ar-condicionado teria sido usada nas agressões.
"Foi uma sucessão de espancamentos. Uma das lesões é compatível com pisadura humana na região da costela e outra decorrente de ação contundente com objeto cilíndrico. A gente apreendeu uma mangueira de ar-condicionado que pode ter sido utilizada para realizar as agressões. Também foi apreendido um bastão. Ele foi espancado", afirmou.
Durante a perícia no imóvel, os investigadores encontraram manchas de sangue em diversos cômodos do imóvel. De acordo com a delegada, a explicação do cônsul para a família foi que o marido teve um infarto.
"Ele [o cônsul] teria que apresentar uma versão, tinha que justificar a morte do marido para os familiares. Ele contou que o marido infartou. A versão que ele apresenta para pessoas de seu convívio, inclusive para a secretária dele, era que o marido havia infartado", explicou a delegada.
Fonte: g1
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