A Polícia Civil do Rio Grande do Norte confirmou que abriu um inquérito para apurar a entrada de bilhetes de criminosos em penitenciárias do estado, supostamente levados por advogados para seus clientes presos.
Os casos foram divulgados no dia 2 de maio pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado.
Na ocasião, a Seap divulgou mudanças no acesso de advogados aos presídios e informou que enviou os materiais apreendidos à Polícia Civil e ao Ministério Público para abertura de investigação.
Ao g1, a polícia confirmou nesta segunda-feira (9) que o inquérito foi instaurado e está a cargo da Delegacia de Nísia Floreta, na Grande Natal - município onde fica localizado o Presídio Rogério Coutinho Madruga, no complexo de Alcaçuz.
Criminosos apontados como líderes de facções criminosas que atuam no estado estão detidos na unidade. Segundo a Seap, dos 10 casos de bilhetes encontrados com advogados desde o início do ano, sete foram lá.
De acordo com a Polícia Civil, as oitivas de pessoas envolvidas serão iniciadas nesta semana. A corporação, no entanto, não confirmou quantas pessoas são investigadas. A polícia também não informou quais seriam os supostos crimes investigados.
Mensagens
Segundo as informações divulgadas pela Seap, a troca de mensagens ocorre por meio de bilhetes portados pelos próprios advogados dos presos, que receberiam até R$ 1 mil pelo serviço ilícito.
"Algumas apreensões foram registradas pelas câmeras de circuito interno das unidades, inclusive casos de troca de salas de atendimento para que o advogado pudesse falar com liderança do crime organizado que sequer era cliente dele. As imagens também estão em poder das autoridades", informou a pasta.
“Não vou mais mandar gravata (advogado) aí porque CADA IDEIA É MIL REAIS” (sic), de um dos bilhetes em poder da polícia.
Numa das mensagens, levada por um advogado, constam crimes como tráfico de drogas, porte e posse de arma de fogo e movimentação detalhada financeira da organização criminosa.
“Em relação a LSD, para conseguir e ajeitar o material, a mulher de [nome suprimido] que vai ensinar como fazer acontecer. Aonde estão os MÓNEIS, O FERRO [arma] E OS DINHEIROS, ele ficou na mão dela” (SIC), diz outra mensagem apreendida.
Em outro trecho, o interlocutor diz: “Em cima da ideia do [nome suprimido], já que ele vem passando por cima das ideias é para afastar ele da QBD [Quebrada - ponto de venda de drogas] e para brecar ele de vender por 6 meses, se passar por cima, levar ele para o conselho [liderança de facção] e explicar o que levou a isso. Caso passe por cima das ideias do [nomes supreimidos] e do conselho, já era. Em cima das mercadorias, os manos [nomes suprimidos] tão com autonomia de abastecer geral”.
Ao todo, são identificadas 25 pessoas em estrutura organizada e com divisões de tarefas, típica de organizações criminosas.
Com outro advogado, também na penitenciária de segurança máxima, foi apreendido o seguinte bilhete: “Aí [nome suprimido] tá sabido demais. O cavalo lá eu tenho interesse mas desse valor não. O cavalo lá eu conheço. Dá pra ficar por 65 1 de leite 1 de oro 10 mil” (sic).
Outra mensagem, desta vez apreendida com uma advogada, fala da disputa por pontos de venda de drogas.
“Mano velho, o que eu posso fazer para te ajudar é colocar dois aviões lá no campo, desde que pegue comigo. Se você encantar de mandar colocar avião para trabalhar com mercadoria dos outros não vai dar certo porque eu vou mandar parar”.
Outro bilhete, apreendido na sala de atendimento dos advogados, após a assistência jurídica a três internos, trata da venda de entorpecentes e produtos de roubos e furtos. O material foi apreendido e registrada ocorrência na Polícia Civil.
“Foi determinado que o rapaz ia vender lá dentro do beco. Ele começou a discutir e todos pegaram a visão do que aconteceu e ele foi disciplinado”, diz um dos trechos.
Mudança no acesso dos advogados aos presídios
Após as apreensões de bilhetes, a Seap alterou os procedimentos de entrada dos advogados nos presídios, por meio de uma recomendação publicada no dia 29 de abril, mas a validade do documento foi discutida na Justiça.
No dia 1º de maio, a seccional potiguar da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com um mandado de segurança na Justiça Federal, contra as novas normas, e conseguiu indeferimento de parte delas, porém o juiz federal plantonista Francisco Glauber manteve outras.
O que mudou
De acordo com a pasta, agora os advogados deverão passar pelo bodyscan (aparelho de raios-x semelhante aos utilizados em aeroportos) e terão as visitas limitadas a 30 minutos de atendimento por cliente.
Outras normas criadas pela pasta foram a limitação de atendimento jurídico de um preso por advogado ao dia, em cada unidade, e a revisão dos pertences dos advogados, inclusive das documentações deles, antes de entrar nos parlatórios. Essas duas medidas foram suspensas pela Justiça.
Na decisão, o magistrado entendeu como “razoável e proporcional”, o tempo de 30 minutos para a assistência jurídica dos advogados, visto “a necessidade logística e de observância de toda a rotina de uma unidade prisional”.
Segundo a Seap, há registros de uma visita com quatro horas e trinta e um minutos de duração para um único interno já condenado. "Numa unidade com três salas de atendimento, outras assistências jurídicas ficam prejudicadas", argumentou a pasta.
Sobre o bodyscam, o juiz entendeu que o equipamento já é utilizado até mesmo em unidades judiciais e o uso não traz qualquer ofensa jurídica à dignidade da profissão.
No dia 2 de maio, o presidente da OAB/RN, Aldo Medeiros, afirmou que as medidas surpreenderam a categoria e defendeu que não há motivo para as novas regras estabelecidas. "A OAB vai continuar insistindo no cumprimento integral sa defesa das prerrogativas e não vê motivos nenhum para que se tenha tomado uma medida tão drástrica, principalmente sem conversar", afirmou.
O presidente ainda confirmou que teve conhecimento apenas de um caso recente de um advogado flagrado com mensagens relacionadas a uma facção criminosa, mas disse desconhecer outras situações semelhantes.
"Nós tivemos um episódio recente onde foi apreendido um material com um advogado, que era realmente uma comunicação, aparentemente, de facção criminosa. Nós fomos comunicados e já estamos tomando as devidas providências no tribunal de ética e disciplina. O local que deve enfrentar esses excessos eventualmente praticados por advogados é o tribunal de ética e disciplina da OAB. Nós não nos furtamos em agir quando há necessidade", declarou.
Fonte: g1
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