Informações enviadas por deputados e senadores ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as emendas do chamado "orçamento secreto" dos últimos dois anos não atendem a critérios mínimos de transparência, afirmam especialistas ouvidos pela TV Globo.
O pedido de informações foi enviado aos parlamentes pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), após os relatores dos orçamentos de 2020 e 2021 terem dito que não guardavam esses registros. O STF determinou que o Congresso detalhasse a aplicação dessas emendas.
Cada parlamentar enviou as informações de modo diferente. Alguns não detalharam os valores das emendas, nem os municípios beneficiados, por exemplo. Mais de 20% dos deputados e senadores, aliás, sequer responderam ao pedido de Pacheco.
O que são as emendas de relator?
Emendas são indicações de gastos que os parlamentares têm direito de fazer a partir do dinheiro do orçamento. Os congressistas apontam, por exemplo, quais obras dos municípios deverão receber os recursos.
No pagamento das emendas de relator, não é necessária a divulgação dos nomes dos parlamentares que solicitaram a verba.
Porém, uma decisão de novembro passado do STF determinou que fossem tornados públicos o processo de definição e a execução deste tipo de gasto nos orçamentos de 2020 e de 2021.
Em dezembro, a ministra Rosa Weber deu 90 dias para que o sistema de monitoramento (com individualização, detalhamento e motivação da distribuição do dinheiro) fosse instituído. Em março, o Congresso pediu mais três meses ao STF para concluir o sistema, mas a ministra negou a extensão do prazo.
Dados com baixa qualidade
Sem conseguir renovar o prazo, o Congresso enviou ao Supremo o material bruto obtido por Pacheco junto aos parlamentares, sem qualquer edição ou sistematização.
Os documentos incluem dados das indicações feitas por 404 dos 594 parlamentares, sendo 340 deputados e 64 senadores.
No material do Senado, no entanto, apenas 34 parlamentares incluíram um detalhamento mais preciso dos valores indicados e pagos. Em outros 15 casos, os dados foram enviados de forma incompleta – o que dificulta a comparação e o tabelamento das informações.
A senadora Eliane Nogueira (PP-PI), a segunda que utilizou mais recursos deste tipo de indicação, por exemplo, informou valores por ações, sem detalhar destinos ou emendas. Eliane era suplente e assumiu em julho de 2021 o mandato do filho Ciro Nogueira, atualmente ministro da Casa Civil. Ao todo, a senadora destinou R$ 399,28 milhões das emendas de relator.
Já o senador Zequinha Marinho (PL-PA) apresentou dados contraditórios: o valor total descrito no documento não corresponde ao somatório dos valores individuais registrados pelo próprio parlamentar.
O ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União-AP) não divulgou quanto do montante do "orçamento secreto" foi indicado por ele. O parlamentar expôs somente uma lista de emendas, sem que fosse possível aferir o valor total apontado por ele.
Pelo menos seis integrantes da CPI da Covid enviaram dados incompletos ao STF: Omar Aziz (PSD-AM), Otto Alencar (PSD-BA), Eduardo Braga (MDB-AM), Rogério Carvalho (PT-SE), Marcos do Val (Pode-ES) e Angelo Coronel (PSD-BA).
Outros integrantes da comissão, como o relator Renan Calheiros (MDB-AL), sequer responderam ao pedido de informações do presidente da Casa.
Especialistas apontam desafios
Na prática, a destinação dos recursos das emendas de relator é definida em acertos informais entre parlamentares aliados e o governo federal. Não há uma divisão equilibrada dos recursos entre congressistas. Por isso, esses repasses são alvo de críticas de especialistas.
Para a diretora executiva da Open Knowledge Brasil, Fernanda Campagnucci, organização da sociedade civil voltada à promoção da transparência, as informações das emendas de relator continuam envoltas em “opacidade” mesmo com a publicação dos dados.
“O apelido era 'secreto' pela opacidade, pela falta de detalhamento das informações sobre como o orçamento vai ser alocado na ponta (...) Se tem isso disperso em documentos, você já não está falando de dados abertos, ainda temos opacidade”.
Na análise de Fernanda Campagnucci, a transparência é prejudicada pela divulgação de dados de maneira desorganizada, sem a adoção de um modelo para envio dos dados.
"Para a transparência, não basta você informar em um documento. Precisa ter uma gestão da informação, um sistema que padroniza essa informação (...) se não, a gente não pode chamar de transparência", diz a especialista.
O diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, explica ainda que a transparência só acontece quando os dados estão disponíveis de modo que a sociedade consiga compreender facilmente o que foi publicado.
“A gente sempre fala que publicidade é disponibilizar informações. Transparência é organizar as informações para que a sociedade possa entender essa informação (...) Se não é possível identificar de maneira fácil quem são os parlamentares que pediram cada emenda, os valores, os destinatários, então não está sendo transparente”, defendeu Galdino.
Na avaliação dos especialistas, seria preciso adotar um padrão no envio dos dados. Deste modo, todos os parlamentares disponibilizariam o mesmo conjunto de informações.
“A maior forma de garantir isso (a transparência) é padronizar, definir os campos que devem estar contidos, o formato”, apontou Galdino.
Sistema eletrônico segue fechado
A decisão do STF estabeleceu que todas as demandas teriam de ser "registradas em plataforma eletrônica", estar "em conformidade com os princípios da publicidade e transparência" e garantir "a comparabilidade e a rastreabilidade" dos dados.
Em março deste ano, o Congresso chegou a apresentar um sistema eletrônico para registrar as solicitações de emendas de relator. Mas ainda não foi anunciado quando e como a plataforma vai funcionar.
Em nota, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, disse que o parlamento "fez apenas o encaminhamento dos ofícios ao STF para conhecimento" e que "o Congresso pode encaminhar novos documentos e elementos que entenda ser de interesse da ação judicial".
Fonte: g1
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