A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu nesta segunda-feira (4) da decisão da ministra Rosa Weber, que negou o pedido para arquivar o inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro (PL) cometeu crime de prevaricação no caso da negociação da vacina Covaxin.
Prevaricar é retardar ou deixar de praticar um ato que seria de responsabilidade do servidor público ou fazer isso de forma contrária à lei para "satisfazer interesse ou sentimento pessoal". O delito é listado entre os crimes praticados por servidores contra a administração pública.
A investigação foi aberta a partir de pedido da CPI da Covid, em julho de 2021, depois que o deputado Luis Miranda (Republicanos-DF) afirmou ter alertado o presidente sobre suspeitas na compra da Covaxin (veja mais abaixo). Depois que supostas irregularidades na negociação se tornaram públicas, o governo cancelou o contrato.
A PGR quer que a ministra reconsidere a decisão e arquive o inquérito. Se não for possível, que o caso seja analisado pelo colegiado de ministros, no plenário. A procuradoria argumentou que não viu crime e pediu o arquivamento para o STF. O recurso é assinado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.
Rosa Weber porém afirmou que, diante de ser comunicado de um possível crime, o presidente não tem "direito à letargia". Ela disse ainda que, ao ser informado de suposto delito, o presidente da República tem obrigação de acionar órgãos de controle.
“Todas as razões anteriormente expostas evidenciam que, ao ser diretamente notificado sobre a prática de crimes funcionais (consumados ou em andamento) nas dependências da administração federal direta, ao Presidente da República não assiste a prerrogativa da inércia nem o direito à letargia, senão o poder-dever de acionar os mecanismos de controle interno legalmente previstos, a fim de buscar interromper a ação criminosa – ou, se já consumada, refrear a propagação de seus efeitos –, de um lado, e de 'tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados 'de outro', escreveu a ministra.
Recurso da PGR
No recurso, Aras defende que, em sua decisão individual, Rosa Weber "parece ter abdicado" da imparcialidade para fazer valer o seu entendimento em relação ao que foi dito pela PGR. O procurador diz ainda que a ministra objetiva uma "potencial acusação judicial indireta e forçada" contra Bolsonaro.
"[ A ministra] parece ter abdicado do seu papel imparcial e equidistante para fazer valer o seu entendimento quanto ao conteúdo da opinio delicti da Procuradoria-Geral da República, objetivando o enquadramento do tipo penal pretendido em uma espécie de potencial acusação judicial indireta e forçada — hoje em face do atual Presidente da República —, distanciando-se da legitimidade do Poder Judiciário no desenho democrático brasileiro", diz o recurso.
Também no pedido, o procurador-geral citou decisões anteriores do Supremo que tratam do procedimento de arquivamento de investigações e argumentou que elas resguardam o chamado sistema acusatório, consagrado na Constituição.
Por esse sistema, as funções de acusar e julgar são feitas por instituições separadas. Ele difere do chamado sistema inquisitorial, onde essas funções se confundiam. Para Aras, sem indiciamento da polícia e sem denúncia do Ministério Público, não cabe decisão analisando mérito (conteúdo) em um inquérito.
Aras afirmou ainda que não vê como avançar nas investigações.
“Destarte, considerando as circunstâncias que permeiam o caso, sobretudo por não se vislumbrar, por ora, diligências que possam apresentar resultado minimamente exitoso, carece o feito de justa causa para prosseguimento da investigação, porque é certo que a instauração de investigação demanda um suporte mínimo de justa causa”, diz o recurso.
Para o procurador, o objeto da apuração contra Bolsonaro é "a falta de mera comunicação por parte do Presidente da República aos órgãos de fiscalização ou de investigação criminal quanto à possível irregularidade a ele informado".
Aras sustentou ainda que dados da transparência do governo federal apontam que a União tem mais de 1,1 milhão de servidores ativos e que "não é razoável exigir do Presidente da República que aja e atue pessoalmente em todas as irregularidades comunicadas a ele, sobretudo informalmente, como no caso em apreço".
Ainda, de acordo com o procurador, as declarações dos irmãos Miranda e os outros elementos de investigação não comprovam que houve satisfação de interesse ou sentimento pessoal do agente do crime, como requer a caracterização do delito no Código Penal.
CPI da Covid
Em depoimento à CPI, no ano passado, o deputado Luis Miranda e o irmão dele, Luis Ricardo Miranda, funcionário do Ministério da Saúde, disseram ter informado a Bolsonaro as suspeitas envolvendo as negociações para compra da vacina produzida na Índia.
Segundo eles, integrantes do alto escalão do ministério haviam feito pressão atípica para acelerar as negociações com uma empresa intermediária num valor acima do preço pago por outras vacinas.
Primeiro, o presidente Jair Bolsonaro confirmou o encontro com os irmãos Miranda, mas disse não ter sido avisado das suspeitas. Depois, integrantes do governo passaram a dizer que Bolsonaro recebeu as denúncias e as repassou para o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
PGR não vê crime
No parecer enviado em fevereiro ao Supremo, o procurador-geral, Augusto Aras, afirmou que o arquivamento do caso é "medida que se impõe", já que a conduta do presidente não pode ser enquadrada como prevaricação.
Aras disse ainda que Bolsonaro não tinha o dever funcional de tomar nenhuma providência após ter sido comunicado de eventuais irregularidades, uma vez que essa atribuição não estava prevista nas competências no cargo.
"Levando-se em consideração que o comportamento atribuído ao presidente não está inserido no âmbito das suas atribuições, as quais estão expressamente consagradas no texto constitucional, não há que se falar em ato de ofício violado, razão pela qual revela-se ausente o elemento normativo do tipo", escreveu.
O procurador-geral também argumentou que, ainda que Bolsonaro tivesse o dever funcional de comunicar as suspeitas aos órgãos de fiscalização, o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) analisaram os contratos relativos à aquisição da Covaxin.
Relatório da PF
O relatório da PF sobre as investigações do inquérito foram enviadas ao Supremo em 31 de janeiro. A Polícia Federal informou ter concluído que o presidente da República não cometeu o crime de prevaricação.
No documento, o delegado William Tito Schuman Marinho afirmou que o conteúdo do contrato da Covaxin não foi alvo da investigação, assim como eventuais irregularidades ou crimes envolvendo a negociação.
Marinho disse ainda ter considerado que Bolsonaro pode ter faltado com dever cívico, mas não cometeu crime.
"É legítimo, por certo, do ponto de vista da opinião pública, esperar que a principal autoridade pública da República manifeste, de algum modo, um agir. Mas, mesmo assim, na hipótese de omissão, tal conduta se aproximaria mais de uma ausência do cumprimento de um dever cívico, mas não de um desvio de um dever funcional", escreveu o delegado.
Fonte: g1
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