Embora todos os índices de vulnerabilidade social tenham aumentado durante a pandemia, os abrigos esvaziaram e o número de crianças abrigadas pelo Estado diminuiu no país e em São Paulo.
Em 13 de março de 2020, pouco antes da quarentena por causa do coronavírus ser decretada, havia 31.950 crianças e adolescentes em abrigos no Brasil. No dia 30 de setembro, esse número era de 26.626, uma queda de 17%.
Em São Paulo, a queda foi de 4%: de 8.433 em março de 2020 para 8.090 em outubro deste ano. Os dados são do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (veja mais abaixo).
A diminuição não foi por um aumento das adoções. Isso porque o número de crianças e adolescentes adotados durante a pandemia também caiu. De janeiro a setembro de 2019, foram realizadas 2.338 adoções no país. No mesmo período em 2020, foram só 1.993, e em 2021 um pouco menos, 1.894.
De acordo com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o acolhimento institucional é uma medida de proteção excepcional e provisória aplicada a qualquer criança e adolescente violado ou ameaçado em seus direitos básicos, seja por omissão do Estado ou pela falta, omissão ou abuso dos pais/responsáveis. Cada caso é avaliado de acordo com a gravidade e a possibilidade ou não de a família ficar com a criança é decidida pelo Poder Judiciário ou por requisição do Conselho Tutelar.
A primeira alternativa deve ser o retorno familiar, assim que essa família tiver condições de receber a criança de volta. Caso contrário, o poder familiar pode ser destituído, e a criança, inserida nos cadastros de adoção.
As situações que autorizam o acolhimento são aquelas que colocam a criança ou adolescente em risco. As mais comuns são situações de maus tratos, excesso de castigo, abusos sexuais, adicção em drogas e alcoolismo. A extrema pobreza não é um determinante. Mas pode criar situações de vulnerabilidade, que faz com que a criança possa ser colocada em abrigo enquanto aquela família é trabalhada, como para conseguir um emprego.
O juiz da Vara da Infância e Juventude, Iberê de Castro Dias, atribui a queda do número de crianças abrigadas à subnotificação das situações de risco. Isso porque as vítimas perderam nesse período o principal canal de escuta: a escola. Forçadas a ficarem em casa, também tiveram que conviver mais tempo com pais e cuidadores que, em parte dos casos, são os responsáveis pelas agressões. A perda do convívio social pode ter deixado os casos de abusos escondidos. Além disso, os organismos de proteção à infância, como o Conselho Tutelar, tiveram mais dificuldades para atuar em meio à pandemia.
"Essa queda no número de crianças e adolescentes acolhidos, que acontece tanto no Brasil quanto em São Paulo, aparentemente seria algo positivo, indicaria que há menos criança em situação de risco, mas não temos nenhum motivo para acreditar que seja essa a situação. Mas sim que isso se deve à subnotificação. Com o aumento da pobreza, da inflação, do desemprego, as famílias vulneráveis ficam ainda mais fragilizadas. Em tese, haveria razão para o aumento da quantidade de crianças acolhidas. A gente precisa identificar esses casos de risco para poder proteger essas crianças", afirma Dias.
Durante a pandemia, todos os indicadores de vulnerabilidade social pioraram. O país também viu uma redução da violência urbana, mas um incremento da violência doméstica.
O desemprego, por exemplo, disparou. Ao longo da crise do coronavírus, subiu 8,5 pontos percentuais para a parcela mais pobre da população. Enquanto os preços dos alimentos subiram quase 40%, colocando metade da população em insegurança alimentar.
Em um ano, a renda real familiar per capita do trabalho na metade mais pobre despencou 18%, de R$ 210 mensais para R$ 172. De acordo com a FGV Social, 27,4 milhões de brasileiros ou 13% da população, vivem com menos de R$ 261 por mês. É a maior taxa de miseráveis em uma década.
Segundo os especialistas em segurança pública, o desemprego e a queda na renda têm impacto na violência doméstica, que cresceu durante a pandemia.
Em 2020, o país teve 1 chamado de violência doméstica por minuto e aumento de 16% em relação ao ano anterior, mostrou o Anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública.
Ao menos 6.122 crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta e intencional no Brasil no ano passado, uma alta de 3,6% em relação aos 5.912 casos registrados no ano anterior.
Em 2020, houve uma pequena queda no número de registros de violência sexual. No entanto, analisando mês a mês, observamos que, em relação aos padrões históricos, a queda se deve basicamente ao baixo número de registros entre março e maio de 2020 –-justamente o período em que as medidas de isolamento social estavam mais fortes no Brasil. Esta queda provavelmente representa um aumento da subnotificação, não de fato uma redução nas ocorrências, segundo o Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, do Fórum com o Unicef.
Antes da pandemia, a violência intrafamiliar não era tão comum e costumava representar cerca de 1% dos casos. Agora, entre os autores de violência doméstica, além dos companheiros (25%), e ex-companheiros (18%), aparecem pais e mães (11%), padrastos e madrastas (5%), filhos e filhas (4%), segundo a pesquisa “Visível e Invisível – A vitimização de mulheres no Brasil", feita pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O número de pessoas vivendo nas ruas também aumentou. Embora não haja cálculo oficial, levantamentos dos governos locais e de ONGs mostram que mais brasileiros foram dormir nas calçadas.
Somado a isso, muitas crianças ficaram órfãs porque seus cuidadores morreram vítimas da Covid. Segundo um levantamento da Associação da Cartórios, são pelo menos 12 mil órfãos da Covid até seis anos no país.
"Temos que tomar cuidado pra não agravar a situação das famílias vulneráveis. A ideia não é apartar a criança dos pais, que já estão fragilizados. Ela é acolhida e protegida, mas mantém o contato com os pais ou familiares, até que seja possível reestruturar a família de origem para a criança poder retornar", diz o juiz.
Acolhidos no Brasil
13/03/20 - 31.950
30/09/21 - 26.626
Acolhidos em SP
13/03/2020 - 8.433
20/10/2021- 8.090
Fonte: Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento
Adoções no Brasil
2019 - 3158
2020 - 2875
2021 (até 30/9) - 1894
Comparando só janeiro a setembro
2019 - 2338
2020 - 1993
2021 - 1894
Adotantes habilitados em SP
13/03/20 - 8553
20/10/21 - 8008
Fonte: Cadastro Nacional de Adoções
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