O senador Randolfe Rodrigues (Rede) afirmou nesta quarta-feira (10) que um dos médicos que fizeram denúncias contra a Prevent Senior durante a pandemia da Covid-19 tem sofrido ameaças e pediu a inclusão de seu nome e de sua família no Programa de Proteção à Testemunha.
“O médico Walter Correa está sendo ameaçado. Ele está no Programa de Proteção à Testemunha. Ele e a esposa dele ameaçados", disse Randolfe durante entrevista coletiva concedida em São Paulo com os promotores que fazem parte da força-tarefa do Ministério Público do estado de São Paulo que investiga a operadora de saúde.
De acordo com o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubo, haverá uma investigação específica sobre as ameaças ao médico. Ele afirmou que essa é uma das informações "estarrecedoras" trazidas pelos senadores na reunião desta terça.
A advogada Bruna Morato, que representa médicos e os ajudou a elaborar um dossiê com as denúncias de irregularidades cometidas pela operadora de plano de saúde durante a pandemia, confirmou que foi feito um pedido ao Ministério Público Federal para a inclusão de Corrêa e da família dele no Programa de Proteção à Testemunha, mas que ainda não houve uma resposta a respeito disso.
O médico Walter Correa chegou a registrar boletim de ocorrência depois que recebeu uma ligação do diretor-executivo da empresa, Pedro Batista Júnior.
A ligação foi em abril deste ano, depois que Correa foi ouvido, sem se identificar, para uma reportagem com denúncias contra a Prevent. “A minha esposa estava do lado e ficou apavorada com aquilo. Queria até ir embora da cidade. Ficou assustada, temendo pela minha filha, a gente ficou apavorado com aquilo”, afirmou.
Randolfe, vice-presidente da CPI da Covid no Senado, além dos também senadores Omar Aziz (PSD), presidente da comissão, e Renan Calheiros (MDB), relator da CPI, entregaram, nesta quarta, o relatório da comissão a juristas e promotores da força-tarefa do MP. O material será usado na investigação sobre a Prevent.
Rotina de medo após denúncias
Correa é um dos três médicos que trabalhavam na operadora que ajudaram na construção do dossiê investigado pela CPI da Covid e mostraram o rosto pela primeira vez, em entrevista ao Fantástico em outubro. Eles narraram pressão da operadora de saúde para a alta precoce de pacientes, a fim de diminuir custos e liberar leitos de UTI nos hospitais da empresa.
Correa, George Joppert e Andressa Joppert dizem que vivem atualmente uma rotina de medo, apreensão e insegurança, após as denúncias contra a operadora se tornarem públicas.
Na entrevista, reafirmam a pressão para prescrição de ‘kit Covid’ nos hospitais da empresa e confirmam a meta para que os médicos atendessem 60 pacientes por cada plantão de 12 horas nos hospitais.
“A intenção de denunciar também é expor a fraude. Expor a fraude do tratamento precoce, a fraude de suposto sucesso de gestão”, disse Walter Correa ao Fantástico.
“Nós estamos fazendo a coisa certa. Nós não somos criminosos. O bem social acho que tem que prevalecer acima de qualquer outra definição, ou de dinheiro ou de lucro”, afirmou George Joppert.
“São vidas que eles estão cuidando, e não estão cuidando como deveriam cuidar”, declarou Andressa Joppert. Os três fazem parte do grupo de 12 médicos que escreveram o dossiê contra a operadora e devem ser ouvidos pela CPI da Covid nos próximos dias.
Na entrevista, George e Andressa Joppert também negam ter manipulado estudo polêmico da Prevent Senior sobre o ‘kit Covid’ (veja detalhes clicando aqui).
‘Kit Covid’
Os três médicos contam que, no ano passado, houve muita pressão da Prevent Senior para que eles receitassem o chamado “kit Covid”, que é o pacote com os remédios ineficazes contra a Covid-19, que era distribuído para os clientes do plano de saúde no momento das consultas.
Segundo os profissionais, não havia autonomia dos médicos para decidir ou não pela prescrição desses remédios durante a pandemia.
“Eles estavam de olho em quem prescrevia ou não. Foi uma coisa que eles tinham um controle, então não havia essa autonomia”, afirmou Walter Correa.
“Entregava a receita, entregava o kit que já ficava no consultório. Era tudo controlado. Ficava um balde com um monte de saquinho com os kits, era meio constrangedor às vezes, entregava para os pacientes a receita com kit e orientava 'olha, a gente tem que prescrever mas melhor usa só as vitaminas, não usa medicação'. E era assim que funcionava”, completou.
Andressa diz que um diretor chegou a obrigá-la a receitar hidroxicloquina a uma paciente com problemas cardíacos, sob ameaça velada de demissão.
“É uma contraindicação para o uso de hidroxicloroquina. Até no próprio protocolo da Prevent é uma contraindicação. Então, mesmo com aquela contraindicação, eu fui orientada. Teria que prescrever, mas eu não prescrevi. E fui chamada atenção”, afirmou a médica.
Questionada sobre o que poderia acontecer com o médico que não receitasse os remédios ineficazes, a médica foi taxativa: “Ele teria um castigo. Ficaria sem os plantões uma semana, duas semanas, dependendo do que ele fez. O castigo dele seria isso: não teria o dinheiro dele planejado no fim do mês”, disse Andressa.
“Não era necessário que fosse feito uma ameaça aos médicos. O ambiente hostil já fazia isso por si só. A gente já sabia que existe uma sugestão de um protocolo, se você não segui-lo, você vai sofrer sanções. O máximo que acontecia era alguém prescrever e orientar a não usar”, declarou Walter Correa, que trabalhou oito anos como plantonista do Pronto Socorro da Prevent Senior.
Ele foi demitido em fevereiro deste ano e acha que o motivo do desligamento foi justamente por ter deixado de prescrever o “kit Covid” por algum tempo.
“Apesar de ter ficado muito tempo lá, eu acho que nunca me adequei muito bem às práticas da Prevent Senior. É curioso até eu ter ficado tanto tempo, mas acho que a gota d'água foi no final, a questão de eu ter ficado sem prescrever o kit”.
Redução de custos e meta de atendimento
A Prevent Senior tem atualmente mais de 500 mil clientes. No ano passado, o lucro da operadora de plano de saúde chegou a quase meio bilhão de reais.
Apesar disso, os médicos que denunciaram que a distribuição do “kit Covid’ para pacientes da empresa era uma forma de reduzir o número de pacientes que procuram os hospitais para buscar tratamento e, dessa forma, diminuir também os custos da operadora.
Eles disseram ainda que, dentro dessa mesma lógica, entram outras práticas da Prevent Senior, como dar altas antes do momento certo, evitar determinados procedimentos mais caros e até mesmo uma pressão para liberar leitos de UTI nos hospitais da empresa.
“Importa é o fluxo, importa é o número, não importa o paciente. Vejo a Prevent como especialista em números e não importam as pessoas”, disse o médico Walter Correa.
Meta de atendimentos por plantão
Os médicos da Prevent Senior também disseram que tinham que cumprir uma meta: atender 60 pacientes em 12 horas, o que representa um paciente a cada 12 minutos.
“Infelizmente eles têm essa política, mas felizmente a gente tem essa parte da ética. E a gente sempre tentou fazer conforme a ética. Eu várias vezes levei bronca lá por não cumprir a meta”, contou Andressa Joppert.
A médica é casada com George Joppert, que trabalhou na operadora de saúde de 2015 até agosto de 2020. Ela, que entrou na empresa um ano antes do marido, foi demitida junto com ele.
Questionado sobre o motivo da demissão, George respondeu: “Eles não falaram nada, só que eu ia ser demitido e era para eu assinar a rescisão”.
Medo e ameaças
Os médicos dizem que decidiram se expor para denunciar práticas ilegais por parte da Prevent Senior para que elas tivessem fim. Mas, desde que seus nomes foram divulgados pela própria operadora, eles relatam uma rotina de medo, apreensão e insegurança.
O médico Walter Correa chegou a registrar boletim de ocorrência depois que recebeu uma ligação do diretor-executivo da empresa, Pedro Batista Júnior.
A ligação foi em abril deste ano, depois que Walter foi ouvido, sem se identificar, para uma reportagem com denúncias contra a Prevent.
“A minha esposa estava do lado e ficou apavorada com aquilo. Queria até ir embora da cidade. Ficou assustada, temendo pela minha filha, a gente ficou apavorado com aquilo”, afirmou.
O que diz a Prevent Senior
Pedro Batista Júnior e a direção da Prevent Senior enviaram nota ao Fantástico. Na nota, o diretor disse que "refuta a suposta ameaça", que se tratava de uma conversa entre, até então, dois amigos, em que ele, Pedro, alertava para a "má conduta da violação do prontuário de um paciente".
O diretor-executivo falou que vai processar Walter Correa por denunciação caluniosa.
Sobre a afirmação da médica Andressa Joppert, de ter sido obrigada a receitar hidroxicloroquina para uma paciente cardíaca, a Prevent Senior informou que a paciente recebeu os tratamentos adequados, foi acompanhada pelos cardiologistas da empresa e encontra-se em bom estado de saúde.
A empresa disse também que "jamais adotou protocolos para redução de custo", que "investigações técnicas esclarecerão os fatos".
"A Prevent Senior jamais adotou protocolos para redução de custos. Pelo contrário, investiu R$ 250 milhões durante a pandemia na aquisição de equipamentos, contratação de profissionais e um programa de testagem em massa que atendeu mais de 500 mil beneficiários, com milhares de vidas salvas. Os médicos da Prevent jamais negligenciam as consultas, que duram o tempo necessário", informou a nota.
A empresa também afirmou que os médicos estão mentindo e forjando acusações, “montadas a partir da manipulação de mensagens por três médicos demitidos da empresa por condutas irregulares”. Dentre elas, casos de "mau atendimento a pacientes que resultaram em boletins de ocorrência".
O Fantástico pediu à Prevent Senior que mostrasse os boletins, mas a empresa disse que vai apresentá-los no momento oportuno, judicialmente.
Os médicos ouvidos pela reportagem afirmaram desconhecer esses boletins.
Mudanças urgentes
Questionados pela reportagem sobre o motivo de estarem apresentando publicamente as denúncias, os médicos afirmaram que buscam mudança no método de ação da empresa no tratamento dos pacientes.
“Acho que precisa uma mudança. As pessoas, elas precisam de um cuidado melhor. (...) É uma pandemia, algo que a gente nunca enfrentou, mas precisa ser com ética. Então a gente tá aqui, mostrando que a gente precisa fazer alguma coisa, porque isso não pode mais acontecer”, declarou Andressa.
“Eles estavam vendendo uma coisa que não funcionava e que literalmente estavam enganando as pessoas, colocando as pessoas em risco. Se não houver uma atitude muito energética das autoridades com a Prevent, eles vão continuar fazendo isso e vão sair ilesos de toda essa história”, disse Walter Correa.
Fonte: g1
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