Três ex-médicos da Prevent Senior prestaram depoimento nesta quinta-feira (25) na CPI da Câmara Municipal de São Paulo e denunciaram que a operadora de saúde usa enfermeiros para atender e prescrever medicamentos para pacientes em pelo menos dois hospitais da rede.
Segundo os depoentes, os enfermeiros usam senha e login dos médicos para escrever em prontuários, chegando a assinar receitas e pedidos de exames usando carimbos com o nome dos médicos.
"O médico não tem mais um consultório. Quem tem um consultório é o enfermeiro. O paciente chega e ele é atendido no consultório pelos enfermeiros. Ele está sentado na frente do computador, logado no sistema com login e senha do médico, escrevendo no prontuário dos pacientes como se fosse o médico. Ele atende, faz anamnese. Em alguns casos, até solicita exames, de acordo com alguns protocolos. Na teoria, o médico deveria sentar e revisar o trabalho do enfermeiro, mas essa não é a proposta real que acontece de fato na Prevent", afirmou o médico Walter Souza Neto, que dava plantões na unidade de Santana, na Zona Norte da capital paulista.
"Há uma pressão por atendimento muito rápido, o que leva o enfermeiro a fazer o atendimento. O médico só passa ali para carimbar e assinar. Em alguns casos, os médicos chegavam a ter 3 ou 4 carimbos. Deixavam um com cada enfermeiro e eles assinavam pelo próprio médico. E agiam como se fossem um médico. É uma coisa que sempre recusei a fazer e talvez tenha sido um dos motivos, a gota d'água, para a minha demissão", completou.
A atuação da Prevent Senior durante a pandemia da Covid-19 se tornou um escândalo investigado no Congresso e em outras instâncias, como a CPI da Câmara Municipal.
A empresa é investigada na CPI da Covid no Senado por conduta antiética e anticientífica na pandemia. Pesam sobre ela denúncias de alteração de prontuários médicos para maquiar mortes por covid-19, realização de pesquisa médica sem consentimento de pacientes e distribuição de medicamentos para tratamento precoce da doença – que não têm qualquer eficácia comprovada.
A médica Andressa Joppert confirmou o método denunciado pelo colega e afirmou que foi realocada da unidade da Prevent Senior do Butantã, na Zona Oeste, justamente por se negar a deixar que os enfermeiros usassem a senha dela para escreverem em prontuários ou adotar procedimentos.
"Eu estava de plantão na unidade Buntantã e foi mandado uma mensagem dizendo que não era mais para deixar o carimbo na mão dos enfermeiros, após uma fiscalização do Conselho Regional de Enfermagem. E nem que os enfermeiros assinassem, porque era muito comum isso", disse.
"Foi uma briga minha lá no hospital do Butantã porque eu falei que não faria isso. Que o enfermeiro ia logar e escrever [na senha] dele e depois eu iria fazer. Os diretores e coordenadores me chamaram para conversar e me disseram que eu não obedecia às ordens e, por isso, estavam me realocando para outras unidades", declarou a médica.
Joppert reafirmou à CPI que existia uma orientação dentro da Prevent Senior para que o código de doença dos pacientes fosse mudado nos prontuários após 14 dias de internação.
Ela também declarou que foi revisora do estudo da empresa com hidroxicloroquina, que foi paralisado pelo Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) por suspeita de fraude, e nele ela se deparou com pacientes com infecção urinária, por exemplo, mas que eram relacionados aos protocolos de Covid para o uso da medicação e participação no estudo.
"Nós éramos seis médicos revisando aquela tabela com mais de 600 pacientes. Tenho uma mensagem do doutor Fernando Oikawa, quando começo a ver inconsistência, e coloco para ele dessas inconsistência. Inclusive um paciente que estava com infecção urinária e foi incluído num protocolo de Covid. A partir daí a gente começa a ver que tinha algo estranho ali", declarou a médica.
Em nota, a Prevent afirmou que "os médicos mentiram à CPI e serão processados criminalmente, assim como a advogada que os representa".
"É de se lamentar o depoimento de médicos que trabalharam por anos numa empresa que consideravam criminosa. Se os depoimentos destes médicos fossem verdadeiros, eles facilmente seriam acusados, criminalmente, de omissão ou cumplicidade. Vale lembrar que o médico Walter Correa foi o mesmo que violou prontuários de pacientes, posteriormente vazados à imprensa. Pela prática, criminosa, está sendo investigado pelo Conselho Regional de Medicina."
O presidente da CPI da Câmara, vereador Antonio Donato (PT), disse que as denúncias sobre a atuação dos enfermeiros nas unidades da Prevent Senior "são muito graves e trazem elemento novo" à investigação contra a empresa.
"É uma infração muito grave. Tem representantes do Cremesp acompanhando as oitivas aqui. São depoimentos muito fortes, dizendo que isso acontecia sem o conhecimento dos pacientes. Inclusive com vestimenta similar entre médicos e enfermeiros, induzindo o paciente a acreditar que estava sendo atendido por um médico e era um enfermeiro. É uma conduta bastante grave", afirmou o vereador.
Os membros da comissão disseram que pretendem convocar o Conselho Regional de Enfermagem de SP (Coren-SP) e diretores da Prevent Senior para apurar mais as novas denúncias.
A representante do Conselho Regional de Medicina (Cremesp) que assistia aos depoimentos não quis se pronunciar e se limitou apenas a dizer que a atuação de enfermeiros assinando e prescrevendo exames era totalmente irregular.
O g1 procurou o Coren e o Cremesp e aguarda posicionamento.
Quem são os depoentes?
Em 3 de outubro, os médicos Walter Neto, Andressa Joppert e George Joppert narraram ao programa Fantástico, da TV Globo, que sofriam pressão da operadora de saúde para a alta precoce de pacientes, a fim de diminuir custos e liberar leitos de UTI nos hospitais da empresa durante a pandemia (veja vídeo abaixo).
Na CPI desta quinta (25), eles reafirmaram a pressão para prescrição de ‘kit Covid’ nos hospitais da empresa e confirmaram que havia meta para que os médicos da empresa atendessem 60 pacientes por cada plantão de 12 horas nos hospitais.
George e Andressa Joppert voltaram a negar que tenham manipulado o estudo polêmico da Prevent Senior sobre o ‘kit Covid’, que foi suspenso pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), por suspeita de fraude, três dias depois da autorização dada pelo colegiado.
O grupo de ex-médicos da Prevent Senior é composto por cerca de 12 pessoas, que são representados pela advogada Bruna Morato, que já prestou depoimento à CPI de Brasília e também na Câmara Municipal de São Paulo.
Nas duas CPIs, Morato disse que, no início da pandemia, a Prevent Senior passou a trabalhar em sintonia com o grupo que ficou conhecido como “gabinete paralelo da saúde”, e que assessorava o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
O objetivo, segundo ela, era difundir o uso de medicamentos ineficazes contra a Covid, passar uma falsa sensação de segurança, e assim evitar que fossem decretadas medidas de isolamento que prejudicassem a economia brasileira.
Semana anterior
Na semana passada, outra ex-médica da Prevent Senior foi ouvida pela CPI da Câmara Municipal e disse que era contra a política da empresa de indicação “generalizada” de hidroxicloroquina e azitromicina para pacientes com Covid-19. Os medicamentos são comprovadamente ineficazes contra a doença.
“Desde o início eu discordava sobre o uso generalizado de hidroxicloroquina. Então eu optei por não participar [das pesquisas] e foquei as minhas atividades na infraestrutura, na prevenção, no uso de EPIs”, afirmou.
A infectologista Carla Morales Guerra afirmou na quinta-feira (18) que o kit-covid na Prevent Senior não era usado em pacientes graves internados, mas em pessoas com sintomas iniciais.
“Essa pressão da prescrição era mais para pacientes ambulatoriais, da telemedicina, e pacientes que passavam pelo pronto-socorro, não era para paciente internado”, afirmou.
A infectologista, que tinha cargo de chefia na área, deixou a operadora de saúde em setembro deste ano. Segundo ela, era de sua responsabilidade a organização de fluxos nos hospitais, mas não o atendimento direto dos pacientes.
Em nota, a Pevent Senior afirmou que nunca obrigou médicos a prescrever os medicamentos. "A discordância da médica Carla Guerra e a afirmação do Dr. Saulo Oliveira, que não prescreviam hidroxicloroquina, são provas do respeito à autonomia médica pela Prevent Senior. A Prevent Senior nunca obrigou seus médicos a prescrever quaisquer remédios ou atendimentos", disse a empresa.
Fonte: g1
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