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domingo, setembro 26, 2021

Sem verba extra motivada pela Covid, teto de gastos pode impor perda de R$ 25 bi à Saúde em 2022



O fim — em dezembro deste ano — do orçamento extraordinário criado pelo governo em razão da pandemia de Covid-19 poderá levar a uma redução de cerca de R$ 25 bilhões da verba destinada à saúde pública no ano que vem.


Isso porque as despesas em saúde terão de voltar a obedecer o teto de gastos — que limita o crescimento das despesas à variação da inflação do ano anterior.


Essa variação, de acordo com a lei do teto, é a da inflação em 12 meses até junho do ano anterior. A inflação nesse período acumulou 8,35%. Com isso, o valor mínimo a ser aplicado em saúde no ano que vem é de R$ 134,1 bilhões.


A proposta de orçamento para o próximo ano, enviada pelo Ministério da Economia ao Congresso Nacional em agosto, prevê R$ 134,4 bilhões para despesas com saúde em 2022 — pouco acima, portanto, do mínimo estabelecido pela lei do teto.


Neste ano de 2021, a despesa total com saúde tende a superar esse valor, em razão dos gastos extras motivados pela Covid, mas o Tesouro Nacional informou que o número final depende de informações a serem enviadas pelo Ministério da Saúde.


Perda

A norma anterior à regra do teto de gastos, que começou a vigorar em 2017, determinava que o governo deveria aplicar 15% da receita corrente líquida em ações de saúde no ano seguinte — o que implicaria, para 2022, uma despesa mínima de R$ 159,3 bilhões por esse critério.


Desse modo, a regra do teto de gastos está impondo uma perda de R$ 24,9 bilhões para a área de saúde em 2022 (R$ 159,3 bilhões pela regra anterior ao teto menos R$ 134,4 bilhões previstos para o ano que vem com base no teto).


O que diz o governo

Embora tenha feito a proposta de R$ 134,4 bilhões para a área de Saúde em 2022, patamar pouco acima do gasto mínimo fixado pela regra do teto de gastos, o Ministério da Economia informou que esse valor poderá ser elevado mais adiante.


"É preciso ressaltar que o valor estabelecido para as Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) é mínimo. O governo pode destinar às ASPS um valor superior a esse e tem feito isso todos os anos, antes e depois que a regra do teto de gastos entrou em vigor", informou a pasta.


Entretanto, pela regra do teto de gastos, se o Legislativo quiser aumentar o orçamento da área de saúde, terá de cancelar despesas em outros setores em igual proporção — porque os gastos totais já estão no limite no ano que vem.


O governo também diz que podem ser editados créditos extraordinários para aumentar as despesas em saúde no próximo ano, mas admite que, para isso, é necessário que as despesas sejam "atípicas e imprevisíveis". "Em 2022 pode ocorrer o mesmo, em caso de necessidade", diz o Ministério da Economia.


Por fim, a pasta avalia que a responsabilidade fiscal — caracterizada pelo respeito ao teto de gastos — não exclui o atendimento à população, pois foram destinados mais recursos para isso na pandemia — por meio de ações extraordinárias, fora dos limites impostos.


"Graças ao teto, a relação entre despesas primárias e PIB [Produto Interno Bruto] no ano que vem pode recuar para 17,5% [do PIB], nível inferior aos registrados antes da pandemia" — o governo tem dito que a responsabilidade fiscal contribui para juros mais baixos, maior crescimento econômico e geração de empregos.


Dificuldade para elevar gasto

Analistas avaliam, porém, que será difícil elevar os recursos para gastos em saúde no próximo ano, considerando que o orçamento de 2022, para todas as áreas, já está reduzido e com espaço limitado, devido justamente à regra do teto de gastos e diante da expansão dos precatórios (sentenças judiciais).



Para abrir espaço no orçamento em 2022, o governo corre contra o tempo para aprovar no Congresso alterações nas regras de pagamento dos precatórios ainda neste ano. Na proposta discutida com o Legislativo, o governo busca autorização para mais R$ 50 bilhões em despesas no próximo ano. Parte dos recursos iria para a ampliação do Bolsa Família.


"Embora o Tesouro Nacional tenha alegado que é possível gastar mais do que o mínimo, o teto não permite isso porque as despesas obrigatórias — principalmente as previdenciárias — crescem acima da inflação e comprimem as demais despesas", avaliou Leonardo Ribeiro, analista do Senado e especialista em contas públicas.


Ele disse que o teto de gastos é uma medida para reduzir o tamanho do Estado, o que, naturalmente, afetará as áreas de saúde e educação, entre outras.


Para Ribeiro, também não seria adequado usar créditos extraordinários para a saúde em um cenário pós-pandemia porque não estariam presentes as premissas necessárias: urgência e imprevisibilidade, associadas a calamidades públicas.


Getúlio Vargas Moura Júnior, coordenador-adjunto da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS), disse que o Sistema Único de Saúde (SUS) continuará pressionado em 2022, mesmo com o fim da pandemia.


Ele observou que o SUS é a única forma de atendimento na área de saúde para sete em cada dez brasileiros.


Moura Júnior lembrou que consultas, procedimentos e cirurgias eletivas, desmarcadas em razão da pandemia, voltarão a gerar demanda para o sistema de saúde, além dos próprios casos de Covid.


"Na contramão de nossa expectativa, a proposta orçamentária traz uma redução para atenção básica, medicamentos, e outros procedimentos que o SUS faria ordinariamente. Esse orçamento limita que isso possa acontecer. Em vez de isso recuperar uma demanda represada pela pandemia, a gente tende a ter um atendimento reduzido em relação ao que tinha antes da pandemia", declarou.



Em artigo, Lenir Santos, especialista em direito sanitário pela USP e doutora em saúde pública pela Unicamp, e Bruno Moretti, mestre em Economia pela UFRJ, avaliaram que, dos R$ 134,47 bilhões destinados no orçamento à saúde em 2022, R$ 8,1 bilhões são emendas parlamentares individuais e de bancada que, segundo eles, não são "aderentes" ao planejamento sanitário necessário.


Para eles, a distribuição das emendas se pauta por “critérios político-parlamentares nem sempre compatíveis com os requisitos técnicos, especialmente a observância do planejamento e plano de saúde”.


“Ou seja, retiradas as emendas parlamentares, o orçamento de saúde estaria aquém do piso da saúde estabelecido pela EC 95 [regra do teto], em um processo de redução de recursos para o SUS”, afirmaram.


Orçamento emergencial

Depois de o governo ter elevado os gastos em saúde em 2020 e 2021, por meio de um orçamento emergencial, ou seja, fora dos limites do teto de gastos, em razão da pandemia, o Ministério da Economia informou que, na proposta de orçamento de 2022, não estão previstos gastos extraordinários para nenhuma área no ano que vem.


Em 2020, com a eclosão da pandemia, o governo gastou R$ 524 bilhões de forma emergencial para conter os efeitos da Covid-19 — a maior parte em auxílio emergencial (R$ 293,1 bilhões). Mas também foram destinados R$ 42,7 bilhões em despesas adicionais do Ministério da Saúde e outras pastas.


Neste ano, o valor dos gastos extraordinários (fora do teto de gastos) caiu para R$ 135,6 bilhões, segundo a última estimativa da Secretaria do Tesouro Nacional, dos quais R$ 64,9 bilhões em auxílio emergencial e R$ 25,94 bilhões em despesas adicionais do Ministério da Saúde e outras áreas. Os números estão no painel de monitoramento do Tesouro Nacional dos gastos com a Covid-19.


Com o fim da pandemia, o governo não previu recursos extraordinários para os ministérios no orçamento de 2022. Com isso, todos os valores estão dentro do teto de gastos, e a verba destinada ao combate da pandemia recuou para R$ 7,1 bilhões, dos quais R$ 3,9 bilhões se destinam à aquisição de vacinas.



Além da vacinação, estão previstos recursos para assistência de média e alta complexidade e tratamento das sequelas da Covid.


Fonte: g1

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