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quarta-feira, julho 07, 2021

CPI: antes de ser preso, ex-diretor da Saúde negou propina e citou militares em negociação de vacinas



Em um fato até então inédito na CPI da Covid, o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias teve a prisão determinada nesta quarta-feira (7). A decisão foi do presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), que acusou Dias de mentir e cometer perjúrio, isto é, violar o juramento de falar de verdade.


O depoimento durou mais de sete horas. Antes de ser preso, Dias negou ter cobrado propina em negociação para aquisição da vacina AstraZeneca, conforme foi denunciado pelo policial militar Luiz Paulo Dominghetti, e disse que não fez pressão para que a Covaxin fosse liberada.


Exonerado na semana passada, o ex-diretor reafirmou ser alvo de retaliações de "terceiros" e, assim como a servidora Regina Célia, negou acusações e a atribuiu responsabilidades a outros setores do ministério, entre os quais os que estavam sob o comando de militares, indicados pelo então ministro Eduardo Pazuello (leia mais abaixo).


No decorrer do depoimento, Omar Aziz disse reiteradas vezes que Dias estava omitindo informações, que sabia "em que país" estão guardadas informações supostamente armazenadas pelo ex-diretor e que tinha conhecimento de um "dossiê" elaborado por ele para se proteger.



Antes da determinação da prisão, Aziz apresentou um áudio em que Dominghetti afirma a um interlocutor que "a compra vai acontecer"; que Dias "vai assinar" e que haveria uma reunião para "finalizar com o ministério". Não há, no entanto, detalhamento sobre a que o assunto se refere. Na sessão, Dias confirmou que se encontrou Dominghetti, mas não pediu propina (leia mais abaixo).


O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ainda tentou negociar com a defesa de Dias para que ele apresentasse fatos concretos e reunisse mais dados, mas a proposta não avançou.


"O fim dessa CPI não é a prisão de ninguém, é buscar a verdade. O que nós tentamos ao final foi uma negociação com o Roberto Dias, mas não foi possível. Lamentável", acrescentou o vice-presidente da comissão.


Não houve, no entanto, consenso entre o grupo majoritário em torno da decisão de Aziz, mas senadores evitaram entrar em confronto com o presidente.


Senadores governistas protestaram publicamente contra a medida, chamada por eles de "arbitrária" e "abuso de autoridade".


O que Roberto Dias negou

Saiba o que Roberto Dias negou durante o depoimento:


Ter sido indicado pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara e ex-ministro da Saúde;

Ter participado das negociações de vacinas contra a Covid-19;

Ter pedido propina em oferta de 400 milhões de doses da AstraZeneca;

Ter combinado o jantar com o empresário Luiz Dominghetti, suposto vendedor de vacinas;

Ter pressionado o servidor Luis Ricardo Miranda pela liberação da Covaxin.


Encontro 'incidental'

Um dos principais pontos questionados na sessão desta quarta foi o jantar entre Dias e Dominghetti. O encontro foi chamado pelo ex-diretor do ministério de "incidental".


Foi nesse jantar, no dia 25 de fevereiro que, segundo Dominghetti, Dias teria cobrado propina no valor de US$ 1 dólar por dose da vacina AstraZeneca para que o contrato fosse firmado. No dia seguinte, Dominghetti foi ao Ministério da Saúde e se reuniu oficialmente com o então diretor de Logística.


Nesta quarta, Roberto Dias confirmou o encontro com o suposto vendedor em um restaurante em Brasília, mas negou ter pedido propina e ter feito tratativas sobre vacinas.


Segundo o ex-diretor, naquele dia, ele estava tomando um chope com um amigo em um restaurante quando chegou o coronel Marcelo Blanco, ex-assessor na diretoria de Logística, acompanhado de Dominghetti, e os dois sentaram-se à mesa. Segundo ele, o encontro não foi previamente marcado.


Dias disse que ainda não conhecia o suposto vendedor, a quem chamou de "picareta", mas que já havia ouvido falar sobre a suposta oferta de vacinas pelo coronel Blanco. O coronel também foi apontado como o responsável por intermediar as reuniões no Ministério da Saúde com um reverendo, chamado Amilton Gomes, que também se apresentava como vendedor de vacina.



“Essa oferta de 400 milhões de doses me foi trazida pelo coronel Blanco, como diversas pessoas foram ao ministério, em diversas áreas do ministério, supostamente alegando que possuíam 100 milhões de doses, 200 milhões de doses”, afirmou.


O ex-diretor foi diversas vezes questionado sobre a “coincidência” do encontro no restaurante.


“Eu tenho uma agenda com um amigo para tomar um chope num restaurante. Essa é uma agenda minha. A outra que, incidentalmente, se apresenta após, eu não tenho nenhuma administração nem informação sobre ela”, disse. Ele, no entanto, admitiu que Blanco “muito possivelmente” sabia que ele estaria no restaurante naquele dia por alguma mensagem ou por telefonema – a CPI já aprovou a quebra do sigilo telefônico do ex-diretor.


Já sobre a reunião com Dominghetti no ministério no dia seguinte ao jantar, Dias afirmou que quando o suposto vendedor tratou sobre vacinas no encontro, indicou que fosse solicitada uma agenda formal na pasta, o que se confirmou no dia seguinte.


Na reunião, disse, não foi apresentado nenhum documento que comprovasse que o policial militar representava a AstraZeneca e que, por isso, a proposta não foi encaminhada à secretaria-executiva, então comandada pelo coronel Elcio Franco.


Militares

À CPI, o ex-diretor também ressaltou que era uma atribuição de Elcio Franco, então secretário-executivo do Ministério da Saúde, concentrar as negociações sobre vacinas e que a proposta da aquisição da Covaxin foi "anuída" por Franco "durante todo o processo".


Dias foi questionado ainda sobre quem teria indicado a empresa Precisa Medicamentos para intermediar a compra da Covaxin. "O senhor precisa perguntar à Secretaria-Executiva, que é quem trata desse assunto. Eu não faço isso", disse.


A aquisição da vacina indiana e a atuação da Precisa são objetos de investigação, além da CPI, no Ministério Público, no Tribunal de Contas da União e na Polícia Federal, por indícios de fraudes.


Em depoimento, Roberto Dias disse ter "muito pouco contato" com o coronel Elcio Franco e que ele foi responsável por comandar mudanças na Diretoria de Logística, alocando em três cargos militares de sua confiança. Segundo Doas, não havia "empatia" por esses novos subordinados.


"Foram alteradas a Coordenação Financeira, que é o tenente-coronel Marcelo [Batista] Costa – se eu não me engano, o nome é esse. E alterada a Coordenação de Logística que é o tenente-coronel Alex [Lial Marinho]", declarou.


Roberto Dias também creditou a Elcio Franco a indicação do coronel Marcelo Blanco como seu assessor na diretoria de Logística. E disse que não foi consultado sobre essas mudanças.


Na sessão, senadores defenderam que Franco seja ouvido novamente e levantaram a possibilidade de fazer uma acareação entre ele e Roberto Dias.


“Isso obriga a volta do então Secretário Executivo a esta Comissão. Até mesmo porque a acareação se configura, a necessidade, quando depoimentos contrários aqui são colocados. Há até mesmo a possibilidade de fazer uma acareação do senhor Roberto Ferreira Dias com o senhor Coronel Elcio, porque tudo que deve ser atribuído a alguém, qualquer irregularidade, o depoente está atribuindo ao Secretário Executivo”, disse o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL).



Os membros da CPI também ressaltaram que pode haver uma divisão de grupos dentro do Ministério da Saúde. “É óbvio, tem uma disputa aí. E só uma pessoa pode nos dizer qual é: é você”, afirmou o senador Eduardo Braga (MDB-AM).


“Estavam querendo colocar um núcleo militar para tomar conta desse galinheiro. Está muito claro isso. Tirou o poder do Roberto, colocou um militar”, afirmou a senadora Simone Tebet (MDB-MS). “E pelo visto, o ‘número 1’ do ministro tinha mais poder de mando que o próprio ministro”, acrescentou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).


Dias nega negociar vacinas

À CPI, Roberto Dias afirmou que falou com pelo menos quatro pessoas ligadas à venda de vacinas. Além de Dominguetti, ele disse tratado com:


Túlio Silveira, da Precisa Medicamentos;

Cristiano Carvalho, representante da Davati Supply no Brasil;

reverendo Amilton Gomes, fundador de organização religiosa que recebeu o aval do governo para negociar vacinas.

Apesar de admitir os encontros, Dias negou diversas vezes ter negociado a aquisição e os preços de vacinas. “Eu não trato de vacinas, correto? Não as negocio. Fui checar a existência de 400 milhões de doses. Só preciso de um documento para que isso faça sentido, a representação da empresa”, disse.


A fala foi contestada por senadores. “Estava negociando banana?”, ironizou Omar Aziz.


“O senhor disse aqui nesta Comissão Parlamentar de Inquérito que posteriormente entrou em contato diretamente com o empresário para saber da disponibilidade efetiva de vacina. Isso é uma contradição brutal”, disse o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI.


A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) chegou a alertar o depoente sobre a possibilidade de prisão. “Senhor Roberto, é bom lembrar que o senhor aqui está sob juramento para não mentir. E mentir na Comissão, é passível de prisão, vossa excelência tem esse conhecimento”, disse Gama.


Fonte: G1

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