A diretora-executiva da Precisa Medicamentos Emanuela Medrades prestou depoimento à CPI da Covid por mais de seis horas nesta quarta-feira (14) e negou ter havido ilegalidade ou irregularidade nas negociações envolvendo a vacina Covaxin e o governo brasileiro.
Emanuela Medrades deveria ter sido ouvida nesta terça (13), mas o depoimento foi remarcado porque ela decidiu ficar em silêncio.
A aquisição da Covaxin, cujo contrato firmado foi de R$ 1,6 bilhão para 20 milhões de doses, é alvo de investigações da Polícia Federal, do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público. Emanuela se recusou a mostrar o contrato e, diante disso, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), informou que vai requisitar o documento à empresa.
A CPI apura as supostas pressões do governo para liberação do imunizante, além das suspeitas de irregularidades no contrato. A aquisição da vacina acabou suspensa.
Emanuela se apresentou como a responsável pelas negociações do imunizante com o Ministério da Saúde. Segundo ela, a Precisa atua como representante da farmacêutica indiana Bharat Biotech no Brasil. Das vacinas em aplicação no Brasil, nenhuma contou com intermediadores – as contratações se deram de maneira direta com os fabricantes.
A representante admitiu que a Precisa não tinha experiência em aquisições de vacinas. Ela foi questionada diversas vezes sobre quanto a companhia iria receber com a venda da Covaxin ao governo brasileiro, mas alegou confidencialidade do contrato e se negou a responder. Presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) disse que a comissão deve requisitar o documento (leia mais abaixo).
Durante o depoimento, Emanuela esteve acompanhada pelos advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso e os consultou antes de responder à maioria das perguntas. Houve momentos em que as respostas dadas pelos advogados escapavam ao microfone, o que gerou incômodo entre os senadores.
"Presidente, coloca logo os advogados para responder, porque não tem uma resposta que ela dá que não tenha uma petição de orelha", reclamou a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Suspeita de sobrepreço
As reuniões entre a Precisa e o Ministério da Saúde começaram em novembro do ano passado. Um dos pontos centrais da investigação é se houve sobrepreço no imunizante após o início das tratativas e se a diferença entre os valores pode ser indício de corrupção e beneficiamento ilícito.
Memória do Ministério da Saúde sobre uma reunião com Emanuela em 20 de novembro registra que a dose do imunizante custaria US$ 10 e que esse valor inclusive poderia ser reduzido em caso de aquisição de quantitativo maior. O contrato firmado com o governo, no entanto, era de US$ 15, o mais caro contratado pelo Brasil.
Aos senadores, a representante da Precisa negou o conteúdo ata elaborada pelo ministério e a chamou de "mentirosa" e "equivocada".
"Essa memória de reunião foi unilateral, confeccionada pelo Ministério da Saúde, em que nós, parte da reunião, não tivemos oportunidade de ler, assinar ou até validar o que ali estava escrito. O que eu posso garantir é que não houve nenhuma oferta de US$10 por dose, e nós, o tempo todo, tentamos que esse produto fosse mais barato para o Brasil", afirmou Emanuela. Segundo ela, o preço seria definido pela Bharat.
Na sequência, a diretora da Precisa disse que esse valor pode ter sido apresentado como uma "expectativa" de venda.
Diante da divergência do preço, senadores pediram à diretora que apresentasse o contrato firmado entre a empresa e a Bharat Biotech para checar o valor de pagamento previsto com a venda do imunizante ao Brasil. Emanuela, no entanto, disse que não iria mostrar esses dados.
"Na questão da participação da Precisa, ela tem cláusula de confidencialidade, e eu não tenho autorização para compartilhar aqui", afirmou.
Ao longo da audiência, ao ser novamente cobrada pelo documento, Emanuela disse que não tinha acesso a esses dados.
'Invoice'
Um dos pontos abordados durante o depoimento foi a "invoice", nota fiscal internacional, da Covaxin.
Emanuela Medrades afirmou que a primeira versão do documento foi enviada ao Ministério da Saúde no dia 22 de março.
De acordo com técnicos do Ministério da Saúde em depoimento à CPI, no entanto, a primeira versão do documento foi enviada no dia 18 por Emanuela e continha a previsão de pagamento antecipado de US$ 45 milhões, tendo como beneficiária uma empresa em Singapura, o que não estava previsto em contrato.
Essas incoerências foram consideradas suspeitas e, de acordo com os irmãos Miranda, relatadas ao presidente Jair Bolsonaro no dia 20 de março.
Em audiência no Senado, a própria Emanuela já havia dito que o documento havia sido encaminhado no dia 18. A versão de que o documento somente chegou quatro dias depois é encampada pelo governo e por senadores aliados da CPI. O vídeo em que Emanuela apresenta data diferente foi mostrado na sessão.
"Esse vídeo foi uma audiência do Senado, foi no dia 23 de março deste ano. E, nesse dia, eu já havia enviado as invoices, já havia enviado, já havia trocado e-mails, já havia recebido as ligações do William [Amorim, técnico do ministério] com algumas solicitações de ajustes. No vídeo, vocês conseguem ver que eu não fui detalhista. Eu estava com aquilo fresco na minha cabeça e eu acabei dizendo que encaminhamos. Sim, encaminhamos, porque já havíamos encaminhado", disse.
"Eu provei e provo, mais uma vez, que essa invoice só foi enviada no dia 22. E eu desafio o William Amorim e o Luis Ricardo [Miranda, um dos denunciantes das supostas irregularidades] a provarem também que eles receberam no dia 18, porque eles não vão conseguir. Então, eu estou disposta, inclusive, a fazer uma acareação", afirmou a representante da Precisa.
Líder do governo, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE) concordou com a proposta de uma acareação entre Emanuela Medrades e os técnicos do Ministério da Saúde.
O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que a acareação será feita "com certeza absoluta".
"A comissão é inteligente, aqui não tem bestinha. Deixa eu só dizer: concordo. Ela está pedindo acareação, acho que nós devemos fazer acareação, até porque ela é que está sendo acusada e ela faz questão de fazer acareação. Então, nós iremos fazer, com certeza absoluta", afirmou Aziz.
Relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL) disse que a questão das datas não tem mais "importância".
"Até porque o próprio presidente da República já confirmou que recebeu as denúncias. Ele não confirmou ainda, e é importante que confirme, é se ele falou do líder do seu governo [Ricardo Barros] ou se não falou", afirmou Calheiros.
Emanuela reforçou ainda que todas as mudanças, ao serem constatadas irregularidades, foram feitas pela própria Bharat Biotech. Segundo ela, as informações sobre os arquivos já foram repassadas à Polícia Federal, que deve fazer uma perícia no material.
Madison e pagamento antecipado
Emanuela Medrades também foi questionada sobre a previsão de pagamento antecipado à Madison Biotech, uma empresa com sede em Singapura que não aparecia no contrato firmado com o governo brasileiro. A CPI apura se essa empresa seria de fachada.
Aos senadores, a representante da Precisa afirmou que a Madison é responsável por todos os contratos da Bharat Biotech e que atuou em todos os países nos quais a Covaxin foi comercializada.
"A Bharat tem o modo dela de fazer emissão dessas invoices e ela utilizou, o tempo todo, como se fosse uma minuta padrão para a confecção. A primeira que nós recebemos, que foi a enviada no dia 22, ela era com condições padronizadas para o mundo inteiro", afirmou.
O relator da comissão, então, questionou como a Receita Federal brasileira cobraria impostos e tributos "de uma empresa que recebeu antecipadamente em paraíso fiscal".
"Senador, não houve pagamento antecipado, e eu gostaria de concluir o raciocínio de que o contrato prevê o produto com um valor final para o ministério com os impostos inclusos. Eu não sou especialista tributária. Eu acho que, sim, vale muito a pena, depois o senhor consultar algum especialista, mas significa que esses impostos serão pagos na fonte. Onde é essa fonte? Na Índia, Singapura. Na fonte", afirmou.
Fonte: G1
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