O ex-secretário da Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo foi alvejado por senadores governistas e e oposicionistas durante depoimento nesta terça-feira (15) à CPI da Covid.
O depoimento de Campêlo foi o primeiro sobre a conduta de estados e municípios na pandemia. Até então, somente o governo federal tinha sido objeto das atividades da comissão.
Em relação ao Amazonas, a CPI apura, entre outros pontos, o colapso na rede pública de saúde do estado no início do ano, com o desabastecimento de oxigênio e a morte de pacientes por causa da falta do insumo.
Durante a audiência, senadores que costumam tentar proteger dos ataques da oposição os depoentes ligados ao governo federal passaram a fazer duros questionamentos.
Vice-líder do governo, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) chegou a dizer que houve “crime de responsabilidade” por parte do governo amazonense ao não firmar com antecedência um novo contrato com a empresa White Martins, fornecedora de oxigênio.
Senadores independentes e de oposição, por outro lado, se ampararam no que consideraram uma omissão do governo federal diante da situação na região e na disseminação de cloroquina, por parte do Ministério da Saúde, na véspera do desabastecimento de oxigênio.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) ressaltou a confirmação de que houve disseminação no estado de cloroquina — remédio sem eficácia comprovada contra a Covid —para apontar “crime”.
“O grande crime está em defender uma medida de controle sanitário ineficaz, que largou brasileiros e brasileiras à própria sorte, ao contágio, à infecção e, por conseguinte, à morte, que fez gestores verdadeiros enxugadores de gelo”, afirmou.
“Isso não quer dizer, ex-secretário Marcellus Campêlo, que o governador do seu estado não foi um incompetente, não foi um fraco. Foi conivente. Foi conivente porque ele sabia de todos os riscos e voltou atrás. Ele não teve coragem de manter a posição dele porque desagradava ao presidente e o grupo político do qual ele faz parte”, afirmou o senador.
Na mesma linha, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) afirmou que “a culpa do estado [Amazonas] não exclui a culpa do governo federal”.
“Isso é chamado culpa concorrente. O senhor está aqui e eu quero lembrar também que o senhor foi convocado pela base aliada do presidente Jair Bolsonaro. [O governo federal] age como se não tivesse responsabilidade para tentar se eximir da sua responsabilidade, que é patente”, disse Contarato.
‘Ênfase’ na cloroquina
No depoimento, Marcellus Campêlo relatou que a secretária de Gestão do Trabalho e Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, esteve em Manaus no dia 4 de janeiro, quando defendeu com “ênfase” o uso de remédios comprovadamente ineficazes para tratamento da Covid
Na ocasião, ela também falou do TrateCov, aplicativo que estabelecia a forma de uso desses medicamentos sem que sequer fossem feitos exames para se constatar a doença no paciente.
Sete dias depois, em 11 de janeiro, Campêlo participou de evento em que o aplicativo foi formalmente apresentado pela secretária do Ministério da Saúde.
O então ministro Eduardo Pazuello também estava no evento – à CPI, Pazuello negou que o TrateCov tenha sido formalizado.
Questionado sobre a adoção de cloroquina para a Covid-19 no Estado, Campêlo inicialmente afirmou que a medicação era utilizada para outras doenças, lúpus e artrite, e que o estoque da medicação estava “zerado”.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), então, apresentou documento assinado pelo próprio depoente em 5 de janeiro deste ano, formalizando o recebimento de 120 mil comprimidos do remédio.
“O pedido foi para atender a esse programa que a doutora Mayra estava querendo implantar lá, para distribuição para os municípios”, admitiu o secretário. Ele reforçou, no entanto, que caberia ao médico tomar a decisão de receitar ou não o medicamento.
“A sua presença aqui não fluiu, não houve esclarecimento nenhum. Você só veio aqui para tentar explicar o inexplicável”, criticou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).
Colapso de oxigênio
Campêlo também foi questionado sobre o desabastecimento de oxigênio em Manaus
Em janeiro deste ano, o número de internações por Covid disparou e as unidades de saúde ficaram superlotadas, o que acarretou na falta de oxigênio. Órgãos de controle denunciam que pessoas morreram por asfixia em hospitais de Manaus e de cidades do interior.
Os senadores buscam saber o momento exato em que o governo federal foi avisado sobre a crise no Amazonas e quais medidas o governo federal tomou para conter o colapso. Pazuello é alvo de inquérito por suposta omissão no enfrentamento da pandemia no Amazonas.
Mantendo versão apresentada por Pazuello, ele relatou que telefonou para o ex-ministro em 7 de janeiro pedindo ajuda para transporte de oxigênio hospitalar de Belém a Manaus. Segundo o ex-secretário, naquele momento, não se tinha conhecimento de que poderia haver desabastecimento no insumo.
O ex-secretário contou que informou Pazuello em 10 de janeiro sobre uma “preocupação” com o fornecimento de oxigênio hospitalar por parte da empresa White Martins.
A versão de Campêlo foi contestada por senadores. O senador amazonense Eduardo Braga (MDB) reforçou que a CPI tem documentos que apontam que desde julho a White Martins demonstrava preocupação com a “explosão do consumo”.
“Nós estamos falando de julho de 2020, e as pessoas morreram por falta de oxigênio a partir do dia 8, dia 9 de janeiro de 2021. Seis meses para providenciar o oxigênio”, afirmou Braga.
O senador Marcos Rogério ressaltou documentação que, segundo ele, comprova que o governo do Amazonas demorou para ampliar a compra de oxigênio e somente assinou um aditivo com a fornecedora no final de novembro.
“Teria que ter feito, no primeiro momento, um aditivo no seu limite máximo, por precaução, como medida de planejamento. Não o fez”, afirmou.
“Num segundo momento, teria que ter instaurado um novo processo licitatório para ampliar a aquisição do insumo. Ou seja, houve absoluta falta de previsibilidade. Escolheu expor a população do Amazonas ao risco de morte, e foi isso que aconteceu no estado do Amazonas, por irresponsabilidade administrativa”, ressaltou Rogério.
Prisão e Operação Sangria
O ex-secretário, preso pela Polícia Federal no último dia 2, foi questionado pelos senadores sobre esse episódio. A Operação Sangria, na qual ele foi preso, investiga possíveis desvios de verbas públicas destinadas ao combate à Covid no Amazonas.
Campêlo contestou as razões que o levaram à prisão
Uma das frentes da investigação é a celebração, pela Secretaria de Saúde do estado, de contratos fraudulentos para favorecer um grupo de empresários na construção do hospital de campanha Nilton Lins.
Sobre as acusações, Campêlo afirmou que "não houve contratação", e sim uma "requisição administrativa" tanto do próprio hospital quanto dos serviços prestados, entre eles limpeza e radiologia, por exemplo.
"Nenhum pagamento foi efetuado nessa requisição, porque a requisição administrativa é um ato legal onde se faz a requisição em caso de calamidade e depois só que é pago o preço justo discutido entre as partes", explicou o depoente.
O ex-secretário argumentou que o Hospital Nilton Lins poderia funcionar no combate à pandemia, que as instalações "eram adequadas" já que, após inspeção do Ministério Público estadual, "um plano de ação pela controladoria interna da Saúde foi elaborado e executado".
Questionado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre suposta "intermediação ilegal, conhecida como triangulação, de uma loja de vinhos na compra de respiradores", o ex-secretário explicou que, quando assumiu o cargo, a aquisição dos equipamentos já tinha acontecido.
"Quando eu cheguei, no dia 8 de maio, como secretário-executivo, já haviam instaurado uma sindicância, e a Controladoria-Geral do Estado estava apurando isso".
Fonte: G1
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