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domingo, junho 06, 2021

Atos antidemocráticos: inquérito da PF cita 'rachadinha', dinheiro do exterior e uso de verba federal

A Polícia Federal indicou pelo menos seis linhas adicionais de investigação no relatório parcial do inquérito que apura a organização de atos antidemocráticos no país em 2020.


A PF pediu novas diligências à Procuradoria-Geral da República em janeiro mas, cinco meses depois, a PGR pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento do caso – sem fazer diligências adicionais.


As investigações dos atos antidemocráticos apuram o financiamento e a organização de manifestações realizadas em abril do ano passado. A abertura do inquérito foi pedida pela PGR e autorizada pelo STF.


As manifestações levantaram causas inconstitucionais, como ataques ao Congresso e ao STF e apologia ao AI-5, considerado o ato mais repressor da ditadura militar. Parlamentares e blogueiros bolsonaristas são investigados no inquérito.


A TV Globo teve acesso ao relatório parcial da PF, enviado à PGR no início do ano. No documento, a corporação diz ter encontrado indícios de que apoiadores e parlamentares bolsonaristas discutiram ações para a propagação de discursos de ódio e a favor do rompimento institucional.


Ao longo do relatório, a Polícia Federal indica uma série de linhas para o aprofundamento das investigações. Essas sugestões incluem:


apurar uma suposta articulação para evitar que um sócio do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos fosse chamado para depor à CPI das Fake News;

conferir se houve direcionamento de verbas do governo federal para sites e canais bolsonaristas;

investigar repasses a uma empresa de tecnologista ligada à publicidade do Aliança pelo Brasil (partido que Jair Bolsonaro tentou fundar) e que também prestou serviço para parlamentares governistas;

apurar valores repassados por servidores públicos ao blogueiro Allan dos Santos, incluindo uma funcionária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);

investigar a existência de um braço estrangeiro de financiamento dos atos antidemocráticos, contando com um acordo de cooperação internacional com o Canadá;

aprofundar investigações sobre uma possível "rachadinha" em gabinetes de deputados governistas na Câmara dos Deputados, com o redirecionamento das verbas para o financiamento dos atos antidemocráticos.

Um despacho obtido pela TV Globo mostra que o relator do caso no STF, ministro Alexandre de Moraes, enviou esse relatório parcial da PF à PGR em 4 de janeiro. A resposta da PGR, sem aderir às sugestões de diligência, saiu nesta semana.


A PGR afirmou à TV Globo que recebeu o inquérito em fevereiro. Documento obtido pela reportagem, no entanto, indica que o relatório deu entrada na procuradoria em 5 de janeiro.


A PGR também diz que fez uma “auditagem” da investigação feita pela PF, mas não providenciou novas diligências.


Ao pedir o arquivamento, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, apontou a falta de aprofundamento nas investigações da Polícia Federal. Disse, por exemplo, que os policiais não seguiram o rastro do dinheiro usado para organizar e financiar os atos, e que não haveria mais prazo razoável para fazer isso após um ano de inquérito.


O ministro Alexandre de Moraes ainda vai analisar o pedido de arquivamento feito pela PGR e o material produzido pela PF.


Linhas de investigação

Ao longo do relatório, no entanto, a PF sugere aprofundar a investigação em diferentes linhas. Veja abaixo detalhes de algumas delas:


Blogueiro e CPI das Fake News


A Polícia Federal quer ampliar a apuração sobre o blogueiro Allan dos Santos – um dos principais aliados de Jair Bolsonaro, com forte influência sobre deputados da chamada “base ideológica” do governo.


A PF identificou a articulação e a atuação de integrantes do grupo para evitar que um sócio de Allan dos Santos fosse convocado para depor na CPI das Fake News, na Câmara. O tema foi debatido em um aplicativo de mensagens de celular (veja no vídeo que abre esta reportagem).


Repasses federais a apoiadores

A PF fez uma série de cruzamentos de dados de empresários, políticos e apoiadores do governo. Outra linha de investigação sugerida trata do possível direcionamento de repasses federais para que sites e outros canais bolsonaristas atacassem as instituições.


A Polícia Federal também pede, especificamente, investigações adicionais sobre a Inclutech Tecnologia, do empresário Sérgio Lima. A empresa ficou responsável pela marca do partido Aliança pelo Brasil, que Bolsonaro pretendia criar.


A firma recebeu R$ 1,7 milhão de reais pelo projeto, mas também recebeu valores da cota parlamentar de deputados bolsonaristas do PSL. Segundo o relatório, os deputados Aline Sleutjes, Elieser Girão, José Negrão Peixoto e Bia Kicis pagaram R$ 30,3 mil à Inclutech.


A PF diz no documento que, segundo Sérgio Lima, tais valores "estariam relacionados a prestação de serviço de desenvolvimento de redes sociais de tais parlamentares".


Os policiais não chegaram a concluir se os recursos impulsionaram a divulgação dos atos antidemocráticos. Neste caso, a PGR defendeu que o tema seja enviado para a primeira instância, alegando que a suspeita recai sobre pessoas sem foro privilegiado.


A Inclutech já havia sido citada pela PGR em junho do ano passado, por suposta ligação com o financiamento dos atos antidemocráticos. 


Repasses de servidores a blogueiro

A Polícia Federal também apreendeu uma planilha indicando valores repassados por servidores públicos ao canal do blogueiro Allan dos Santos. A lista inclui uma transferência de R$ 70 mil feita por uma servidora do BNDES a um sócio do blogueiro.


Entre abril e maio de 2020, período do auge dos atos antidemocráticos, houve quase 650 transações para Allan sem identificação de CPF.


"A quantidade de doações, o valor repassado por servidores públicos, a forma do repasse [...] indica a necessidade de compreender os fatos e circunstâncias", diz o relatório da PF.


Financiamento estrangeiro

A PF propôs, em outra linha de investigação, aprofundar a apuração sobre a existência de um braço estrangeiro para financiar os atos antidemocráticos.


O elo, segundo a Polícia Federal, seria o empresário João Bernardo Barbosa, sócio de Allan dos Santos que mora em Miami (EUA).


Investigadores apontam a possibilidade de que os valores tenham sido enviados ao exterior para o recebimento de recursos da chamada "monetização" de páginas bolsonaristas. Segundo a PF, um pedido de cooperação internacional foi feito à Justiça do Canadá para que o Brasil receba dados adicionais sobre os fatos.


'Rachadinha' na Câmara

Outra linha de investigação sugerida trata da possibilidade de uma "rachadinha" ter financiado a rede de ódio. A "rachadinha" é a prática de o parlamentar ficar com parte dos salários dos servidores do gabinete.


A PF afirma que a deputada Aline Sleutjes (PSL-PR) recebeu diversos depósitos de funcionários do gabinete em suas contas bancárias. Os investigadores pedem maior apuração sobre esses repasses.


A parlamentar afirmou à corporação que os valores transferidos são legais e se referem, por exemplo, à quitação de um empréstimo feito a seu auxiliar.


Relação entre blogueiros e o Planalto

Em outra frente, a PF defende a apuração de possíveis conexões entre Allan dos Santos e a comunicação oficial do governo federal.



Segundo o relatório, um bilhete encontrado na casa do blogueiro expõe as seguintes ideias:


"Objetivo: materializar a ira popular contra os governadores/prefeitos; fim intermediário: saiam às ruas; fim último: derrubar os governadores/prefeitos."


Bilhete encontrado na casa do blogueiro Allan dos Santos — Foto: Reprodução/TV Globo


Ainda de acordo com a PF, esses "objetivos antidemocráticos externados em manuscritos apreendidos na residência de Allan dos Santos têm de ser interpretados em conjunto com o interesse demonstrado (e ratificado nos relatórios em análise) em obter espaço junto à área de comunicação do governo federal".


Os investigadores citam que, em 2020, Allan dos Santos enviou mensagens ao tenente-coronel Mauro Cesar Cid, ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, tentando influenciar e provocar o rompimento institucional com os atos antidemocráticos.


A troca de mensagens aparece no depoimento de Mauro Cesar Cid à PF. O blogueiro diz: "As FFAA [Forças Armadas] precisam entrar urgentemente".


Mais apurações

No relatório, a Polícia Federal também trata das relações entre o blogueiro Allan dos Santos e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Pela internet, os dois combinaram um movimento que pedia a saída do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).


"No dia 17 de abril do ano passado, o deputado Eduardo Bolsonaro e Allan dos Santos conversam, sobre a #ForaMaia. [...] Na mesma ocasião, Allan dos Santos chama o deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ) para participar ao vivo da transmissão pelo YouTube. Após Jordy perguntar sobre o que seria, Allan afirma: 'Bater no Maia'.", diz trecho do documento.



A PF utilizou uma investigação da empresa Atlantic Council, uma organização que tem parceria com o Facebook para analisar grupos responsáveis por disseminar desinformações em eleições democráticas.


A corporação obteve dados externos para checar a consistência dessa investigação e identificou dois acessos de Eduardo Bolsonaro a uma das contas apontadas. A PF diz, no entanto, que o cenário é provisório em razão de pendências em dados de órgãos públicos, incluindo a Presidência da República e o Senado Federal.


Faltou informação, também, da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, onde atua o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente.


"Foi comunicado que tal instituição não possui arquitetura de registro de logs de acesso à internet, Logo, não teriam como fornecer dados que pudessem individualizar os usuários da internet no ambiente do mencionado órgão público", afirma o relatório da PF.


Fonte: G1

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