O Hospital Nossa Senhora Aparecida, de Camaquã, no Centro-Sul do RS, confirmou, nesta quarta-feira (24), a morte de três pacientes com coronavírus que foram nebulizados com uma solução de hidroxicloroquina. O procedimento foi administrado pela médica Eliane Scherer, denunciada pela instituição ao Ministério Público e ao Conselho Regional de Medicina.
Na sexta-feira (19), o presidente Jair Bolsonaro defendeu a atuação da médica Eliane Scherer durante entrevista a uma rádio do Rio Grande do Sul.
"A doutora me disse e eu já tinha comprovado isso também. Ela falou, muito humildemente, que não é uma ideia dela a questão a questão da nebulização. A primeira vez que ouviu falar foi lá no estado do Amazonas", afirmou na ocasião.
O G1 entrou em contato com o Palácio do Planalto, solicitando posicionamento sobre a questão.
Segundo o diretor técnico do hospital, Tiago Bonilha, três dos quatro internados que fizeram o tratamento apresentaram taquicardia ou arritmias após a nebulização.
"Não tenho como atribuir melhora, ou piora diretamente ao procedimento, mas de fato, o desfecho final de três pacientes submetidos a terapia foi óbito. Todos eles têm documentado em prontuário taquicardia ou arritmias algumas horas após receberem a nebulização. Dois deles já estavam em grave estado geral, com insuficiência respiratória em ventilação mecânica, e um deles estava estável recebendo oxigênio por máscara com boa evolução", descreve Bonilha.
O G1 tenta contato com a médica, sem sucesso. Eliane Scherer foi afastada pelo hospital, após suposto assédio moral cometido contra enfermeiros que teriam se recusado a realizar a nebulização.
Estudos feitos em várias partes do mundo desde o ano passado não comprovaram a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento contra a Covid-19. Neste mês, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou que o medicamento não seja usado como prevenção da doença.
Entrada do Hospital Nossa Senhora Aparecida, em Camaquã — Foto: HNSA/Divulgação
Entenda o caso
Durante o final de semana, ao menos duas pessoas buscaram, no Judiciário, a aplicação da nebulização. Um dos pedidos foi concedido, desde que a médica assumisse o tratamento integral da paciente e que os familiares assinassem um termo eximindo o hospital de responsabilidades.
A direção do HNSA explicou, por meio de nota, que, após a concessão da liminar, "o hospital firmou com outras famílias que tinham o mesmo interesse em aplicar o tratamento em seus familiares termo de acordo no qual a médica e os familiares se responsabilizavam pelas consequências do tratamento, e tinham ciência de que não havia nenhuma comprovação cientifica quanto ao mesmo". Assim, além de dois pacientes que já haviam recebido o tratamento, duas outras famílias pediram o mesmo. (Leia a íntegra mais abaixo)
"Dos quatro pacientes internados que receberam o tratamento por inalação de HCQ, três deles vieram a óbito. Por se tratar de um tratamento sem comprovação cientifica, o Hospital não pode afirmar que houve relação direta entre os óbitos e a inalação com HCQ, por sua vez, não verifica que a nebulização contribuiu para melhorar o desfecho dos pacientes. Os indícios sugerem que está contribuindo para a piora, porque todos os casos (de óbito) apresentaram reações adversas após o procedimento", diz a nota.
O diretor Tiago Bonilha diz que irá aguardar manifestação do Conselho Regional de Medicina. No entanto, como afirma não ter experiência com este tipo de terapia e não encontrou referências seguras para aplicá-la, optou por não fazer.
"Infelizmente, nesse cenário de desespero, polarização e politicagem, diante de muita pressão da sociedade, permitimos que, via judicial e de maneira formalizada, os pacientes que desejavam receber essa terapia assim o fizessem", pontua.
O chefe do Serviço de Pneumologia do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, alerta para potenciais riscos provocados pela nebulização de hidroxicloroquina. Segundo Marcelo Gazzana, não há resultados conclusivos sobre a eficácia do procedimento.
"Há dano potencialmente, sim. Quando a gente faz medicação inalatória, tem que ser adequada. Não apenas pegar um comprimido e botar no inalador", disse.
Nota do Hospital Nossa Senhora Aparecida
O Hospital Nossa Senhora Aparecida (HNSA), de Camaquã, Rio Grande do Sul, vem a público prestar esclarecimentos, diante dos acontecimentos em relação aos óbitos de pacientes que se submeteram ao tratamento experimental de inalação de hidroxicloroquina, feitos pela Dra. Eliane Scherer.
A Dra. Eliane Scherer, até o dia 10 de março de 2021, compunha a escala médica do pronto socorro do HNSA. Apedido da direção do hospital, a profissional foi afastada da escala após ter tentado obrigar a equipe assistencial a administrar pela via inalatória uma solução com Hidroxicloroquina, de procedência desconhecida, não prescrita em prontuário, manipulada pela própria médica.
Após o ocorrido, houve grande mobilização em torno do seu desligamento da escala sob o pretexto de o tratamento estar salvando vidas, inclusive com o depoimento de um paciente em um veículo de imprensa local. Diante do ocorrido, a referida médica passou a ofertar o tratamento aos familiares e pacientes que chegavam ao Pronto Socorro do Hospital, bem como aqueles internados na instituição.
Assim, houveram famílias que face a seu desligamento da escala do Pronto Socorro, contrataram a referida médica para acompanhar os pacientes, solicitando assim, que fosse administrado o tratamento experimental. Como se tratava de terapia experimental, houveram médicos que se negaram a prescrever o tratamento aos pacientes sob seus cuidados, razão pela qual, as famílias buscaram o poder judiciário para permitir que fosse feito o tratamento com a inalação da solução de HCQ.
Houve deferimento de liminar para que fosse administrado o tratamento, sob a condição de que a médica assumisse a integralidade da assistência de seus pacientes. Por essa razão, o hospital firmou com outras famílias que tinham o mesmo interesse em aplicar o tratamento em seus familiares, termo de acordo no qual a médica e os familiares se responsabilizavam pelas consequências do tratamento, e tinham ciência de que não havia nenhuma comprovação cientifica quanto ao mesmo. Assim, além de dois pacientes que já haviam recebido o tratamento, duas outras famílias entregaram aos cuidados da Dra. Eliane Scherer seus familiares.
Dos quatro pacientes internados que receberam o tratamento por inalação de HCQ, três deles vieram a óbito. Por se tratar de um tratamento sem comprovação cientifica, o Hospital não pode afirmar que houve relação direta entre os óbitos e a inalação com HCQ, por sua vez, não verifica que a nebulização contribuiu para melhorar o desfecho dos pacientes. Os indícios sugerem que está contribuindo para a piora, porque todos os casos (de óbito) apresentaram reações adversas após o procedimento.
Assim, o Hospital informa que continuará envidando todos os seus esforços para atender os seus pacientes, respeitando os protocolos aprovados pelos órgãos de saúde nacionais e internacionais.
Estamos vivendo um verdadeiro furacão. No auge do agravamento da pandemia, quando os sistemas de saúde estão à beira de um colapso, enfrentamos essa situação tão desagradável. O Conselho Regional de Medicina já está ciente e estamos aguardando uma manifestação sobre o caso.
Afirmamos que esse tipo de terapia ( nebulização com cloroquina) aplicada pela Dra Eliane Scherer transcende o que chamamos de prescrição off label. A instituição não tem experiência com este tratamento experimental, já que não há referências seguras para a aplicação do mesmo, portanto, opta por não fazê-lo.
Infelizmente, nesse cenário de desespero, polarização e politicagem, diante de muita pressão da sociedade, permitimos que, via judicial e, de maneira formalizada, os pacientes que desejavam receber essa terapia, assim o fizessem.
Reafirmamos que não temos como atribuir melhora, ou piora relacionada diretamente ao procedimento experimental, mas de fato, o desfecho final de três pacientes submetidos a terapia foi óbito. Todos eles tem documentado em prontuário taquicardia, ou arritmias, algumas horas após receberem a nebulização. Dois deles já estavam em grave estado geral, com insuficiência respiratória em ventilação mecânica e um deles estava estável, recebendo oxigênio por máscara com boa evolução.
Acreditamos que a Dra Eliane Scherer e os familiares, em momento algum quiseram causar mal aos pacientes e que essa ou qualquer tipo de terapia deve passar por profunda investigação e pesquisa científica antes de ser aplicada.
Esperamos que haja mais entendimento por parte dos pacientes em tratamento de que, até o momento, estamos lutando com todas as armas que temos e fazendo o melhor que podemos.
Fonte: G1
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