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terça-feira, dezembro 29, 2020

Famílias saem do interior para pedir esmolas em Natal

Em 1955, a história de Severino, que deixou o sertão arrasado pela seca em busca de uma vida melhor na capital pernambucana, ficou conhecida em todo Brasil. Eternizado em “Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo Neto, Severino tenta se livrar do rastro de morte provocado pela seca, mas acaba se deparando com a dureza do asfalto e as dificuldades próprias do meio urbano. Mais de seis décadas passaram desde a publicação do livro, entretanto, a ficção de João Cabral de Melo Neto pode ser vista diariamente nos canteiros da capital potiguar.


Créditos: Adriano Abreu

Romeiga dos Santos já percorreu mais de 100km a pé para pedir ajuda para alimentar os 22 filhos


Em dezembro, famílias inteiras deixam suas casas para acampar nas áreas de maior concentração de renda da cidade. Muitas trabalham com agricultura ou carvoaria e vivem no interior, como foi apurado pela equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE. 


Sem auxílio do Poder Público em seus respectivos municípios, as famílias, como Severino, aguardam a chegada da temporada chuvosa para poderem voltar a se sustentar. Enquanto isso, percorrem distâncias superiores a 100 km, muitas vezes à pé, para pedir nos semáforos da cidade, que concentra a maior parte da renda do Estado, o dinheiro que vai sustentá-las durante o mês de janeiro.


É o caso da família de Romeiga dos Santos, de 75 anos. Mãe de 22 filhos, Romeiga trabalha com agricultura no município de São Tomé, 120km distante da capital potiguar. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em São Tomé, 58,53% da população vive em situação de pobreza, e há apenas 7% de ocupação na cidade, que reúne pouco mais de 10,8 mil habitantes. Ela veio para Natal acompanhada de sua filha, Samantha dos Santos, de 31 anos. Samantha e Romeiga dividem uma barraca na avenida das Alagoas, no bairro de Neópolis, um dos pontos que concentram os acampamentos. Este ano, mãe e filha conseguiram uma carona para trazê-las à Natal mas, em outros anos, o caminho chegou a ser percorrido a pé. 


Samantha trabalha como lenhadora e carvoeira. Ganha R$ 25 por saco entregue, e depende dos acordos feitos com os proprietários dos terrenos, que ficam com parte da produção, para poder exercer seu trabalho. “Quando chega nesse período de fim de ano, que não tem chuva, acabou-se, porque não tem a lenha para cortar”, relatou. Quando falta o que comer, caçam preás e misturam no angu. “Todo ano a gente vem para tentar conseguir o que comer em janeiro. Lá no nosso interior é muito difícil, não tem trabalho, não tem ajuda, e tem mais pobre do que a Prefeitura consegue dar conta”, emendou Romeiga. 


Em Natal, elas contam que também não chegaram a ser assistidas pelo Poder Público. Quando a equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE chegou ao local na manhã desta segunda-feira (28), muitos perguntaram se era da Prefeitura, receosos. “Só quem veio aqui até agora foi o povo recolher nossas coisas, mandar a gente embora, como se a gente estivesse aqui porque quer e não porque precisa”, disse Romeiga. Nem todas as famílias, como a de Romeiga, vêm do interior.


Francisca da Silva, de 68 anos, vive em Natal, no bairro de Felipe Camarão, mas também acampa nos canteiros dos bairros da zona Sul da cidade no fim do ano para tentar conseguir comprar algo para os netos. “Tenho cinco filhos e oito netos. A gente tenta ajudar como pode. Esse dinheiro é para comprar um remédio, uma fralda…”, relatou. 


Apoio social

Segundo Adayane Rodrigues, coordenadora do Serviço Especializado em Abordagem Social da Secretaria Municipal do Trabalho e da Assistência Social de Natal (Semtas), a principal ação da pasta é de escuta qualificada e encaminhamento aos serviços apropriados de assistência social. “Nós identificamos, realizamos o atendimento e o encaminhamento do público identificado para as redes de proteção social das quais dispomos no município. A abordagem social trabalha na perspectiva de assegurar à população que está nas ruas os direitos e serviços assistenciais disponíveis não apenas no município, mas também a nível Federal, como é o caso do Bolsa Família", explicou. 


Ela afirmou, ainda, que as políticas são executadas no sentido da garantia de direitos e proteção. “Não deve ser um órgão de atividades coercitivas ou estigmatizantes". A coordenadora ressaltou que “essa situação de aumento significativo de pessoas ocorre não apenas no fim do ano, mas também em outras datas comemorativas, como o Dia das Crianças, a Semana Santa... Elas são motivadas mais pelo ato solidário da população, de estimular doações nesse período”.


Questionada sobre a integração entre esse tipo de prática e as demais Secretarias do município, como é o caso da Urbana, que também atua nos canteiros, ela afirmou que essa integração se dá principalmente a partir de campanhas educativas. O aumento no número de áreas e pessoas também dificultou o trabalho dos assistentes sociais que fazem a busca ativa, e precisam atuar em todas as zonas da cidade. “Há uma concentração grande na zona Sul pela própria questão da renda dessas áreas, mas também há presença nas demais zonas da cidade que necessitam dessa busca ativa”, comentou Adayane. 


Segundo ela, a população também pode denunciar abordagens ou práticas violentas observadas contra a população em situação de vulnerabilidade através dos telefones (84) 988703327 e (84) 988703861, ambos da Semtas. 


Para muitos, no entanto, os problemas estão também na dinâmica de seus municípios, para onde retornam após as festas de fim de ano. “A gente sai daqui, no máximo, próxima semana. É realmente por uma questão de sobrevivência até começar a poder trabalhar no carvão e plantar de novo”, disse Romeiga.


Fonte: Tribuna do Norte

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