Canais na internet que apoiam o presidente Jair Bolsonaro aproveitaram o acesso a informações de dentro do governo, como vídeos feitos por assessores do Palácio do Planalto, para aumentar o lucro nos últimos meses.
As informações, reveladas nesta sexta-feira (4) em reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo", constam do inquérito da Polícia Federal que investiga a organização de atos antidemocráticos.
De acordo com a reportagem, a rede de canais bolsonaristas investigada no inquérito "registrou faturamento em torno de R$ 100 mil mensais, chegando até a R$ 1,7 milhão num período de 10 meses".
O inquérito foi aberto em abril, a pedido da Procuradoria-Geral da República, após atos com manifestações pelo fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e pela reedição do ato institucional número 5, o AI-5, mais duro ato da ditadura militar, que fechou o Congresso, cassou políticos, suspendeu direitos e instituiu a censura de imprensa. Também levou à tortura e morte de presos políticos.
O relator do caso no STF é o ministro Alexandre de Moraes.
De acordo com o "Estado de S.Paulo", os canais investigados no inquérito são ligados ao gabinete do ódio, como é conhecida a rede bolsonarista que espalha informações falsas contra opositores do governo.
A TV Globo também teve acesso a parte do documento. O inquérito corre sob sigilo e ainda está em fase de produção de provas. Quando a PF concluir essa fase, o caso segue para Moraes, que deve repassar a investigação para o Ministério Público.
Os trechos do documento aos quais a TV Globo teve acesso não informam quais as fontes desse faturamento informado pelos canais bolsonaristas – propagandas exibidas junto aos vídeos ou financiamento coletivo, por exemplo.
Depoimentos
Em um dos depoimentos, Anderson Rossi, que se apresenta como "administrador do canal Foco do Brasil" diz que "seu faturamento mensal fica entre R$ 50 mil e R$ 140 mil; que tem um custo mensal de cerca de R$ 23 mil com pessoal, sendo R$ 16,5 mil para Cleiton Basso, R$ 3,65 mil para Carlos Apolo e R$ 3 mil para Felipe; que além dessas despesas de pessoal possui ainda despesas com a locação do escritório virtual em Brasília, em torno de R$ 450, com a empresa Tactus Contabilidade, em torno de R$ 340, além dos tributos; que além das imagens de satélite, também obtinha imagens fornecidas pela TV Brasil, por meio de um sitio eletrônico da própria TV Brasil, com acesso denominado ITPV".
Rossi disse ainda que para abastecer o conteúdo da página recebeu vídeos de Tércio Arnaud, assessor especial da Presidência da República e criador de um site no Facebook chamado "Bolsonaro Opressor". Ele trabalha numa sala a poucos metros do gabinete do presidente.
"Que recebeu, por meio do aplicativo Whatsapp, vídeos do presidente Jair Bolsonaro, do sr. Tércio, que seria assessor do presidente Jair Bolsonaro; que conseguiu o contato do sr. Tércio em contatos telefônicos (números telefônicos oficiais disponibilizados na internet) na assessoria do presidente Jair Bolsonaro, se apresentando como proprietário do canal Foco do Brasil; que em contato com Tércio ofereceu seu apoio para enviar vídeos do canal Foco do Brasil sobre o presidente Jair Bolsonaro", afirmou Rossi em outro trecho.
No inquérito, Tércio admite aos investigadores que envia vídeos do presidente ao canal Foco do Brasil.
Mais adiante, Tércio admite que está num grupo de Whatsapp administrado por Allan do Santos, dono do canal Terça Livre. "Indagado se faz parte de algum grupo de Whatsapp administrado por Allan dos Santos, respondeu que, sim, participou, o declarante foi inserido por Allan, pois ele queria montar um grupo que pudesse se reunir na casa de Allan, semanalmente, para discutir temas relacionados ao governo federal com pessoas que estão dentro do governo", afirma o inquérito. Tércio disse que nunca participou dos encontros.
Allan dos Santos é outro alvo do inquérito. De acordo com os depoimentos, além do contato com Tércio, Allan também recebia informações do ajudante de ordens do presidente da República, o tenente coronel Mauro Cesar Barbosa Cid.
No depoimento, Cid admite conversas com Allan pelo aplicativo Whatsapp.
Os investigadores questionaram sobre conversa de 20 de abril, um dia depois de Bolsonaro ter participado de uma manifestação antidemocrática na frente do quartel general do Exército.
Allan dos Santos enviou mensagens a Cid sugerindo a necessidade de uma intervenção militar, e Cid respondeu: "Já te ligo".
Aos investigadores, o ajudante de ordens disse que acredita que não realizou a ligação
No inquérito há outro depoimento, de Ernani Fernandes Barbosa e Thais Raposo, responsáveis pelo canal Folha Política. Eles dizem que recebem um montante mensal entre R$ 50 mil e R$ 100 mil.
Nos depoimentos, a Polícia Federal questionou se os blogueiros repassaram parte do faturamento para terceiros. Todos negaram.
Audiência dos canais
Além de se beneficiar do contato privilegiado com pessoas de dentro do Palácio do Planalto, os canais investigados aumentaram a audiência durante os meses em que ocorreram os atos antidemocráticos.
Levantamento feito pelo "Estado de S.Paulo" identificou que o número de inscritos nos onze canais sob investigação aumentou 27% no total, de 6,7 milhões para 8,5 milhões, entre 1º de março e 30 de junho.
Depoimento de Carlos Bolsonaro
Os investigadores também questionaram os blogueiros sobre a relação com o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho de Bolsonaro. No inquérito, o nome do vereador é citado mais de 40 vezes.
Perguntado se utilizou robôs para impulsionamento de informações em redes sociais envolvendo memes ou trabalhos desenvolvidos pelo governo federal, Carlos Bolsonaro respondeu que "jamais fui covarde ou canalha a ponto de utilizar robôs e omitir essa informação", segundo o inquérito.
O vereador disse que "a pulverização das informações ocorre em razão da estratégia adotada relacionada a diversidade das redes sociais utilizadas, horários, temas e layout das informações divulgadas". Carlos afirmou que as redes sociais dele e do seu pai (contas pessoais) não são monetizadas;.
Carlos também negou que tenha relação com fatos relacionados a criação e divulgação de conteúdo de caráter antidemocráticos.
Resposta do governo
Em nota, a Secretaria Especial de Comunicação (Secom) do Palácio do Planalto afirmou que jamais a Secom ou integrantes do palácio contribuíram com conteúdos antidemocráticos.
O Palácio do Planalto também afirmou que não há gabinete do ódio e não há um centavo de dinheiro público em sites antidemocráticos.
O governo disse ainda que está prestando todos os esclarecimentos às autoridades e confia que a justiça prevalecerá.
Fonte: G1
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