Há 16 anos, quando se aposentou, Gustavo Schmidt passou a viver um dos personagens mais queridos do Natal. Basta a data se aproximar para que o morador de Mogi das Cruzes, que tem 74 anos, tire do armário a tradicional roupa vermelha e prepare a barba para encarnar o Papai Noel. Em 2020, porém, a situação é diferente.
Gustavo Schmidt mora em Mogi das Cruzes dá vida ao Papai Noel desde 2004 — Foto: Gustavo Schmidt/Arquivo Pessoal
Pela primeira vez desde 2004, por causa da pandemia do coronavírus, ele não recebeu nenhum convite para trabalhar como Bom Velhinho. O corte no orçamento das empresas, as escolas fechadas, o distanciamento social e o risco da doença para a saúde dele e dos visitantes estão entre as prováveis razões para a falta de oportunidade.
No entanto, apesar do cenário difícil, há quem tente se reinventar. Nas cidades do Alto Tietê, dois papais noéis vão aderir ao home office para continuar atendendo ao pedido das crianças. Um deles chegou a participar de um curso on-line, onde aprendeu como se posicionar diante das câmeras e como falar com os pequenos neste ano tão diferente.
Bom Velhinho sem emprego
Gustavo se tornou Papai Noel por acaso e diz amar o trabalho — Foto: Gustavo Schmidt/Arquivo Pessoal
Gustavo virou Papai Noel por acaso. Tinha acabado de se aposentar quando recebeu um convite para dar vida ao personagem na propaganda de uma universidade. Na época, morava na Bahia e foi visto enquanto cuidava do jardim de casa. A barba longa chamou atenção.
“Ela [agente] me convenceu. Queria que eu fizesse para eles esse trabalho desse jingle. Combinaram comigo para fazer um ensaio, gostaram do ensaio. Mandaram fazer roupa para mim, inclusive. Foi muito bonito. Não parei mais de fazer o Papai Noel”.
Quando voltou para Mogi, cidade onde nasceu, vieram novos convites. Foi o Papai Noel em associações, atendeu às crianças em praças e ganhou visibilidade. “Quando a gente faz o Papai Noel, as pessoas começam a convidar a gente para fazer vários trabalhos. Foi muito bom, fiquei muito contente de participar. Depois fiz vários outros papais noéis”.
Após anos vivendo o Bom Velhinho, em 2020, ele viu o cenário mudar. Como é idoso, Schmidt faz parte do grupo de risco da Covid-19. Talvez por isso, segundo ele, não surgiu nenhuma proposta de trabalho. Mesmo assim, o engenheiro que virou Papai Noel tem esperança de que apareça alguma oportunidade até o Natal.
“Ainda não tem planos definidos. Porém, muita preocupação pela situação que estamos atravessando. Eu geralmente faço o Papai Noel em Mogi, porém, nesse ano, ainda estou na expectativa”.
“Na situação que nós estamos vivendo, é muito preocupante devido a essa pandemia, que nos traz insegurança por ter que nos proteger, usar máscara, que tira, inclusive, a nossa visibilidade. Também a proteção de uma maneira geral, principalmente porque eu também sou linha de risco”.
Gustavo explica que não depende do trabalho financeiramente, embora o valor recebido seja uma boa ajuda para o final de ano. Porém, diz que não poder interpretá-lo pode não pesar no bolso, mas balança no emocional.
“Eu não vivo de fazer o Papai Noel. Eu faço o Papai Noel de alegria, de felicidade, de ver nossas crianças felizes, contentes. É nesse sentido que eu faço o Papai Noel. Financeiramente, é claro que eu não rasgo dinheiro, mas não vivo de fazer o Papai Noel em si. Isso é uma parte que me mexe emocionalmente”.
“Eu gosto de fazer o personagem do Papai Noel. Não tem dúvida nenhuma. Principalmente pela alegria que eu vejo nas crianças, que acreditam no Papai Noel. É aquela figura tradicional, aquele personagem tradicional, que motiva as crianças, que deixa as crianças felizes”.
Ele também teme que outros noéis fiquem sem trabalho e, consequentemente, que as crianças não possam contar com eles. “Vai ser meio difícil. A presença do Papai Noel para a criança é uma alegria muito grande. É onde a gente vê as energias, das meninas, dos meninos, em seus olhos alegres por ver o Papai Noel. Nesse ano estamos assim, limitados”, completa.
Papai Noel também faz EAD
Apesar da preocupação de Gustavo, tem Papai Noel se reinventando para que os pequenos não percam a magia do Natal. A Escola de Papai Noel do Brasil, todos os anos, oferece cursos para quem quer atuar nessa profissão. Em 2020, o treinamento foi pela internet e ainda ganhou matérias novas. O objetivo é preparar os atores para esse novo cenário.
“Esse ano ficou tudo diferente. A gente queria fazer o curso presencial, mas por causa desse distanciamento, essa pandemia que tomou o mundo todo, a gente acabou optando por fazer o curso virtual. Normalmente a gente fazia o curso para os cariocas, para o pessoal do Rio. Como a gente abriu o curso virtual, a gente acabou pegando aluno de outros estados”, relata Limachem Cherem, diretor da escola.
O curso existe há 27 anos e começou no porão de uma casa no Rio de Janeiro. Hoje é realizado no salão de convenções de um hotel e passou a receber cerca de 50 alunos por ano. Por causa da Covid-19, Limachem explica que foi preciso adaptar as disciplinas. As matérias de interpretação, postura e caracterização, por exemplo, foram mantidas, mas ganharam um novo foco: o ambiente digital.
“Hoje, para os trabalhos que estão surgindo, poucos trabalhos, são todos no virtual. O Papai Noel vai estar sentado num trono, com a câmera lá na frente, de dentro de uma sala. Um aparelho de televisão vai ficar lá no cenário da praça de eventos para a criança interagir com o Papai Noel. Não vai ter, realmente, esse contato físico. É uma coisa bem complicada”, afirma Limachem.
Sem poder abraçar e ouvir de perto o pedido das crianças, eles também precisaram aprender a fazer com que os pequenos se sentissem acolhidos em tempos de distanciamento. Pensando nisso, o curso da Escola de Papai Noel também contou com a presença de uma psicóloga, que ainda orientou em como os noéis devem reagir quando o assunto for coronavírus.
“Como agir às perguntas das crianças quando perguntarem ‘Papai Noel, o que você está fazendo dentro dessa casa de vidro? O que você está fazendo falando comigo só na telinha do celular?’. O Papai Noel tem que estar atento para saber responder que tem a pandemia, que o coronavírus nos separou, mas gostaria de estar todo mundo junto, dar abraço.”
Em meio às dificuldades, que não agradam ninguém, é preciso inovar. Cherem afirma que faz parte do trabalho dos bons velhinhos manter essa magia viva. Apesar das mudanças provocadas pela Covid-19, ele torce para que o espírito natalino esteja presente em 2020, um ano diferente em vários aspectos.
“O Natal é mágico, o Papai Noel tem as renas mágicas. Temos que tentar manter tudo isso como era. Essa magia toda, essa parte lúdica, não pode ser quebrada. Hoje, com essa tecnologia toda, as crianças estão ficando com um espírito de adulto muito cedo. Estão deixando de acreditar na magia do Natal muito cedo. Então, quanto mais o bom velhinho tentar manter essa parte lúdica, parte mágica, é melhor”, conclui.
Home office
O aposentado José Luiz Barros foi um dos alunos do curso oferecido por Limachem. Ele atuará no shopping de Suzano, de certa forma, à distância. Para não ter contato direto com as crianças e evitar o risco de contaminação pela Covid-19, o Papai Noel usará a tecnologia para anotar os pedidos.
“Vou trabalhar de 24 de novembro até 24 de dezembro. Eu vou ficar fechado em uma sala, onde a imagem vai ser transmitida na parte de baixo, na parte das lojas, onde está montada uma decoração, um espaço próprio para crianças. Eu vou conversar através da tela do monitor”, comenta.
Toda a interação será por meio da tela. Barros reconhece que o novo formato de trabalho é necessário, mas destaca que sentirá falta do contato físico. Para ele, é a proximidade com os pequenos que faz o trabalho do bom velhinho tão especial.
“É doloroso porque aquele contato, aquele abraço, aquele carinho que a criança traz pra gente, não tem. A coisa da essência do nosso trabalho é a pureza da criança. Embora a gente possa conversar também, é tão gostoso a gente sentir o carinho, ela falar, querer contar um segredo do que quer ganhar”, diz.
“Isso a gente não vai ter. Isso é doloroso para a gente. É doloroso ficar afastado das crianças”.
Entretanto, não é só para a saúde dele que o coronavírus gera preocupação. Ele teme que a doença volte a causar grandes impactos e que as famílias deixem de ir ao shopping neste período que é tão esperado todos os anos. A única alternativa é ter esperança.
“Eu, realmente, há alguns dias estava até bastante otimista. Agora estou preocupado com esses aumentos de casos que estão acontecendo. Isso deixa a gente muito pessimista, porque sabemos que os pais não vão levar as crianças ao shopping”.
“Por outro lado, sigo na linha de que vai dar tudo certo. Estamos torcendo para que a coisa melhore e os pais levem as crianças para conversar com a gente”.
No shopping de Mogi das Cruzes o esquema de trabalho será parecido. O Papai Noel também aderiu ao home office e trabalhará "direto do Polo Norte". Além de conversar com as crianças por meio de vídeo-encontro, o bom velhinho também enviará vídeos de agradecimento às crianças que contribuírem com a campanha de doação de brinquedos do centro de compras.
Ele afirma que está preparado e, apesar do ano atípico, as expectativas são positivas. “O Papai Noel está preparado sempre, para qualquer ocasião e, principalmente, nesta aqui. Estamos passando por uma coisa diferente esse ano. Eu estou preparadíssimo. Eu acredito que, lógico, que esse Natal vai ser diferente, mas vai ser um Natal bom sim”, diz.
O Bom Velhinho também deixa um recado e espera que a solidariedade prevaleça neste final de ano. “Vai ter muita alegria, vai ter muita gente de bom coração que vai fazer doações. Que todas as crianças sejam atendidas nesse ano”.
“Para as crianças, principalmente nesse Natal, que é diferente, é atípico, que ele vai ser um Natal muito bom, que as crianças vão se comportar muito bem. Toda vão ganhar seu presentinho. Aquelas que puderem também vão ajudar outras que não vão ter essa oportunidade”.
Fonte: G1
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