Documentos mostram que o Exército reuniu estudos técnicos e jurídicos para elaborar as portarias que aumentaram o controle sobre armas no Brasil. Mas essas portarias foram revogadas pelo presidente Jair Bolsonaro em abril. Cinco meses depois, o Exército ainda não publicou novas regras. A existência desses documentos do Exército foi revelada pelo jornal "O Globo" nesta segunda-feira (28).
Em abril, o presidente Jair Bolsonaro revogou três portarias sobre rastreamento, identificação e marcação de armas e munição.
Uma das portarias criava o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército, que, além de armas e munição, também faria um controle maior de explosivos, como os comumente usados em explosões de caixas eletrônicos.
O presidente usou as redes sociais para justificar a anulação de regras que tornavam a fiscalização mais rígida. Ele alegou que as portarias "não se adequavam a diretrizes definidas por ele em decretos."
Desde então, nenhuma nova portaria sobre esse mesmo tema foi publicada. E estão em vigor regras de 2004 e 2006.
A reportagem do jornal "O Globo" desta segunda diz que o governo — ao revogar as portarias — ignorou estudos do Exército. De acordo com o jornal, documentos mantidos em sigilo pelo governo mostram que o Exército elaborou estudos, encomendou pareceres e até fez consultas a fabricantes antes de editar, no início do ano, três portarias com novas regras para controlar a produção de armas e munições.
Os documentos sustentam a importância dos atos para reforçar a fiscalização do setor e até auxiliar nas investigações de crimes.
Segundo a reportagem, depois da anulação, o Exército passou a informar que os estudos continham erros e, por isso, os atos tinham sido revogados.
Em março, dias depois de publicada a primeira portaria, Bolsonaro exonerou o general Eugenio Pacelli Vieira Mota do cargo de diretor de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército. Pacelli era o responsável por supervisionar a produção e comercialização de armas e munições.
Questionamentos
O Ministério Público Federal entrou com uma ação na Justiça contra a anulação das portarias. No fim de abril, o comandante logístico do Exército, general Laerte de Souza, ex-chefe do general Pacelli, respondeu ao Ministério Público. Disse que o recuo na publicação foi motivado por questionamentos de dentro e fora do governo — inclusive em redes sociais.
O jornal teve acesso a parte dos documentos que o Exército, com aval da Controladoria-Geral da União, vinha mantendo em segredo.
A reportagem acrescentou que os documentos foram analisados por auditores do Tribunal e Contas da União, que não identificaram erros nas portarias. Os documentos foram requisitados pelo TCU, que investiga as razões que levaram o governo a revogar as três portarias.
A TV Globo também teve acesso aos documentos, que mostram que os estudos começaram antes do governo Bolsonaro. Entre os argumentos para as novas regras, estão a necessidade de um rastreamento mais preciso, do fabricante até o usuário final, e a justificativa de uma fiscalização mais rígida é importante para investigações criminais.
A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, diz que a anulação das portarias do Exército mostra que a decisão não foi técnica e sim política. Houve estudos, investimentos, o Exército ouvi as partes envolvidas — um trabalho de longo prazo, que foi revogado.
"No Brasil, cabe ao Exército fazer o controle e a fiscalização dos produtos controlados, entre eles, as armas e as munições. E esse é um trabalho eminentemente técnico, que demanda muito investimento, um olhar integrado entre as forças de segurança, nos parece que quando o Exercito volta atrás em portarias importantes que a gente ainda não conseguiu entender o porquê houve essa revogação, nos parece que houve uma ingerência política, um desejo muito arbitrário por parte do presidente e que tem como pauta importante esse compromisso com o setor de armas no Brasil", disse Carolina.
Resposta do Exército
O Centro de Comunicação Social do Exército informou são estudadas novas portarias e que já ocorreram duas reuniões sobre o impacto regulatório. Uma terceira está agendada para a próxima semana.
"Após isso, será realizada uma apresentação para o Comandante Logístico, com a presença de representantes dos órgãos envolvidos no processo. Por fim, esclarecemos, ainda, que o corpo técnico da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) está consolidando e analisando de maneira criteriosa cada sugestão recebida, com previsão de conclusão dos trabalhos e edição de novas portarias, que tratam das questões aqui levantadas, para o mês de novembro de 2020", diz a nota.
Fonte: G1
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