Páginas

quarta-feira, setembro 23, 2020

Crise de governança ambiental pode intensificar fuga de capital estrangeiro do Brasil

Os investimentos estrangeiros no Brasil registram quedas em 2020 sob todas as óticas. Dados do Banco Central e da B3, a bolsa de valores de São Paulo, apontam que, diferente do que afirmou o presidente Jair Bolsonaro em seu discurso na ONU, o caminho do capital estrangeiro no Brasil tem sido a porta de saída.


Além de uma redução do fluxo global de investimentos, natural em uma crise de tamanha dimensão, o Brasil sofre com instabilidade política, preocupações com a situação fiscal do país após a pandemia e com uma crise de governança ambiental que impacta a reputação do país no mercado externo, e pode contribuir para reduzir ainda mais o investimento vindo do exterior.


"Deixamos a desejar em competitividade e potencial de crescimento. As questões ambientais estão ganhando força e, agora, temos um fator adicional de preocupação", afirma a economista Zeina Latif.


O que mostram os números

De acordo com o BC, os investimentos diretos no país somam US$ 22,841 bilhões no primeiro semestre deste ano, uma queda de 26,6% na comparação com o mesmo período do ano passado, que foi de US$ 31,147 bilhões. Trata-se, inclusive, do menor valor para esse período em 11 anos.



A mesma curva de queda se vê no mercado de capitais. Os investidores estrangeiros retiraram R$ 88,9 bilhões da bolsa brasileira neste ano até o dia 18 de setembro, praticamente o dobro do volume registrado em 2019. Os números só consideram negociações de ações já em circulação na bolsa.


Em todo o ano passado, em que a bolsa anotava crescimento de novos investidores pessoas físicas e subida do índice, a retirada foi de R$ 44,5 bilhões – o maior volume anual de toda a série histórica divulgada pela B3, iniciada em 2004.


Falta de confiança externa

O país acompanha um fluxo de investimentos menor em todo o mundo. Segundo o Relatório de Investimento Global 2020 (World Investment Report 2020), da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), a queda deve ser de 40% em 2020, por conta da pandemia do novo coronavírus. Em 2019, o valor chegou a US$ 1,54 trilhões e deve ficar abaixo da casa do trilhão pela primeira vez desde 2005.


As preocupações no Brasil, assim como em outros países da América Latina, são ainda maiores pela dependência da indústria extrativista e commodities, que devem cair ainda mais forte no período. A região terá entre 40% e 55% de redução, segundo a Unctad.


"O Brasil vinha perdendo participação no fluxo global de investimentos porque a China passou a preferir estimular a própria economia. A taxa de investimento mais baixa reforça as fragilidades da economia", diz a economista Zeina Latif.

Para ela, a saída de recursos tirou não só dinheiro do país como também evoluções que viriam de expertise internacional e exigências de governança de países desenvolvidos. Além disso, investimento estrangeiro é reflexo de confiança interna, que o país não tem no momento.



Preocupações ambientais

Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, a atitude de Jair Bolsonaro de minimizar eventos como os incêndios no Pantanal ou o aumento do desmatamento na Amazônia intensifica desconfianças sobre o setor mais produtivo e que trouxe resultado durante a crise, que é o agronegócio.


Os efeitos principais são dois: de reputação, visto que economias desenvolvidas perceberam demanda por produtos com cadeia produtiva mais sustentável, e de relevância em longo prazo, pois, aos poucos os produtos brasileiros podem ser preteridos na competição global.


"É verdade que boa parte dos nossos compradores, como China e Oriente Médio, têm menos preocupações sobre isso que os países desenvolvidos. Mas tais ações do governo podem afetar outras áreas, como acordos de livre comércio, que não conseguem mais avançar enquanto o governo não mudar radicalmente de atitude sobre o meio ambiente", afirma o economista.

Há, de fato, um movimento entre investidores de pressão para uma melhora no trato com o meio ambiente: no primeiro semestre, sete grandes empresas de investimento europeias disseram à Reuters que desinvestirão em produtores de carne, operadoras de grãos e até em títulos do governo do Brasil se não virem progresso rumo a uma solução para a destruição crescente da Floresta Amazônica.


Um grupo de 230 investidores institucionais, responsáveis pela gestão de US$ 16,2 trilhões, tambem está pedindo às empresas que ajam contra o desmatamento e as queimadas que vêm atingindo a floresta amazônica.


Crescimento baixo

Em termos mais específicos, o Brasil tem a particularidade de uma discussão interna sobre a trajetória da dívida pública sem um plano de resolução clara da deterioração fiscal.


As políticas de contenção da pandemia levarão o déficit primário nas contas do governo a cerca de R$ 861 bilhões neste ano, informou nesta terça-feira (22) o Ministério da Economia no relatório de receitas e despesas do orçamento deste ano. A dívida em relação ao PIB já passa de 86%, com expectativa de chegar perto dos 100%.


O cenário instiga o mercado a perguntar sobre as reformas administrativa e tributária, que se arrastam em Brasília. A insegurança afasta investimento e não dá segurança para a retomada do consumo, motor de crescimento da economia brasileira.


"Há um risco muito grande de o Bolsonaro entregar em 2021 a segunda pior média de crescimento desse período democrático, um triênio que só não seria pior que o Fernando Collor. Para investimento direto que depende de crescimento esse é o pior cenário", diz Sérgio Vale, da MB Associados.


Fonte: G1

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sua opinião é muito importante para nós, comente essa matéria!