Cientistas da Universidadade de São Paulo (USP) concluíram, depois de dez anos, o sequenciamento do material genético de 1.171 idosos de São Paulo, a maior análise desse tipo já feita na América Latina.
O estudo, feito com pessoas acima de 60 anos, pode ajudar no diagnóstico de doenças raras, a entender o envelhecimento saudável e a desenvolver técnicas mais precisas na medicina, explica a autora sênior, Mayana Zatz, em entrevista à GloboNews nesta quarta (23) (veja vídeo acima).
"A nossa população e a do resto do mundo está envelhecendo, mas queremos envelhecer de uma maneira saudável. Por isso que focamos esse estudo em pessoas com mais de 60 anos; se você estuda uma pessoa jovem, não sabe se ela tem risco de ter Alzheimer, Parkinson, essas condições que aparecem mais tarde", lembra.
"A gente pode correlacionar os achados genômicos com os dados clínicos – saber quem tem o risco aumentado de ter essas doenças e poder, no futuro, prevenir o aparecimento numa idade muito mais precoce", acrescenta a pesquisadora.
Os resultados da análise ainda não passaram por revisão de outros cientistas (a chamada "revisão por pares") – etapa necessária para que a pesquisa seja publicada em revista científica – mas o banco de dados já está disponível on-line.
Os idosos foram selecionados por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da USP e tinham, em média, 71 anos de idade.
"Estamos, nesse momento, focando em nonagenários e centenários saudáveis – o que faz uma pessoa passar dos 90, passar dos 100, e continuar saudável – tanto do ponto de vista físico como cognitivo", explica Zatz.
O foco do estudo era entender como as células de idosos com mais de 90 ou 100 anos e saudáveis conseguiam se preservar durante tanto tempo. Zatz lembra que várias pessoas dessa idade também venceram a Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2).
"O que nós vimos é que várias dessas pessoas que passam dos 100 anos conseguiram, também, resistir à Covid-19. Temos vários casos de centenários que foram afetados pelo coronavírus e que tiveram formas muito leves ou que permaneceram assintomáticos", lembra a cientista.
O banco com os dados de DNA também vai ajudar, explica Zatz, a desenvolver técnicas baseadas na medicina de precisão – em que cada pessoa recebe um tratamento "personalizado" de acordo com seu código genético.
"Toda vez que você toma um remédio, uma droga nova, não sabe se vai ser eficiente, inócua ou se vai ser tóxica. Hoje, a gente sabe que isso depende do nosso genoma [código genético]", diz a pesquisadora.
Variedade
Zatz também frisa a variedade genética vista no banco de dados brasileiro – que não existe, por exemplo, nos europeus.
“Esse estudo é representativo da população idosa de São Paulo porque é baseado no censo do município paulista e inclui pessoas de todos os níveis socioeconômicos”, afirmou a cientista em entrevista à Agência Fapesp, a agência de fomento à pesquisa no estado de São Paulo.
As primeiras análises dos dados genômicos dos idosos paulistanos, que incluem descendentes de imigrantes de diferentes continentes, permitiram identificar mais de 76 milhões de variantes genéticas, das quais dois milhões não estão descritas em bancos de dados genômicos internacionais.
"É o maior banco de DNA de pessoas idosas da América Latina e de uma população altamente miscigenada como a brasileira, resultado de um trabalho iniciado há mais de 10 anos”, disse Zatz à Fapesp.
Cortes em pesquisas
A cientista também alertou para os possíveis cortes orçamentários nas universidades do estado de São Paulo, previstos no projeto de lei 529/20, do governador João Doria (PSDB). O texto propõe uma reforma administrativa no estado para cobrir um rombo nas contas públicas de R$ 10 bilhões em 2021, usando a sobra do caixa das universidades públicas estaduais e da Fapesp.
"Vai ser um desastre: vai interromper um monte de pesquisas, alunos vão perder suas bolsas, nós vamos perder mais jovens que vão para o exterior buscar oportunidades melhores. Vai ser um enorme retrocesso", avaliou.
Fonte: G1
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