Por 8 votos a 1, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou um recurso e manteve a ordem para que o Google entregue dados para embasar a investigação dos assassinatos da vereadora do Rio Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes.
Esse material, dizem os investigadores, é essencial para se chegar aos mandantes do crime. O Google argumenta que a medida fere o direito à privacidade dos usuários e que pode transformar um serviço de pesquisa na internet em ferramenta para vigilância indiscriminada dos cidadãos.
A maioria dos ministros votou para manter a decisão da Justiça do Rio, para que a empresa entregue ao Ministério Público do Rio informações relacionadas a números IP – que significa "protocolo da internet", em português - e a Device ID, que é a identificação de computadores e celulares e que está atrelada às pessoas.
O cruzamento das informações do IP com o Device ID permite a localização de alguém.
Essa decisão da Justiça do Rio atendeu a pedido feito em agosto de 2018 pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio, e determina ao Google a entrega da lista dos IPs e Device IDs de usuários que pesquisaram as combinações de palavras "Marielle Franco", "Vereadora Marielle", "Agenda vereadora Marielle", "Casa das Pretas", "Agenda vereadora Marielle", e "Rua dos Inválidos", entre os dias 7 de 14 de março de 2018 - quando Marielle e Anderson foram assassinados.
Momentos antes do crime, Marielle participou de um debate na Casa das Pretas, um espaço cultural localizado na Rua dos Inválidos, no Centro do Rio.
Os dois acusados de serem os executores — o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa e o ex-soldado da corporação Élcio Queiroz — estão presos desde março do ano passado.
Votos
A maioria do colegiado seguiu o voto do relator, Rogerio Schietti, que não viu ilegalidade na requisição e na entrega dos dados.
Segundo Schietti, a ordem judicial para a quebra do sigilo delimitada por parâmetros de pesquisa em determinada região e em período de tempo específico não se mostra medida desproporcional, sendo que não impõe risco à privacidade e intimidade dos usuários atingidos.
O ministro disse que a medida é essencial para ajudar na elucidação do crime e criticou a resistência da empresa.
“Essas mesmas estruturas tecnológicas que nos invadem com fornecimento de nossos dados para empresas, fornecerem serviços de venda de produtos, essas mesmas empresas que deveriam se preocupar com nossa invasão de privacidade agora se colocam de maneira ferrenha contra uma simples investigação de dois assassinatos”, disse Schietti.
Manifestantes protestam por investigação sobre quem mandou matar Marielle no Centro do Rio — Foto: Raoni Alves/G1
O relator elogiou as investigações, que não se limitaram a métodos tradicionais, como depoimentos e acareações. Ele citou ainda que a morte tem relação com agentes estatais.
“São assassinatos que dizem respeito a uma reação de agentes estatais contra a atuação de uma mulher negra, da favela, que dedicou a sua vida em defesa dos direitos humanos e de minorias que são oprimidas por setores podres do Estado brasileiro que invadem residências na periferia, que cometem violência contra, sobretudo, negros, pessoas pobres, vilipendiam os mais comezinhos direitos humanos”.
O voto do relator foi seguido por Antonio Saldanha, Reynaldo Fonseca, Ribeiro Dantas, Joel Paciornick, Felix Fischer, Laurita Vaz e Jorge Mussi.
Saldanha também reforçou a crítica à conduta da empresa.
“A política da Google não pode estar acima de um Estado. Uma barbárie que teve repercussões internacionais, e no momento que precisa de suporte de um órgão tecnológico, que supostamente presta serviço à comunidade, recebe a negativa para dificultar. Qual o fundamento? A base? Tanto tempo se perdeu para se valer de uma política de privacidade, que não prevalece na hora de disponibilizar nossos dados para propaganda e coisas do gênero, que invadem nossa esfera de individualidade cotidianamente”, afirmou.
O ministro Reynaldo Fonseca defendeu que a empresa precisa cumprir ordens judiciais.
“Informação é poder. As empresas devem entender que há também lei neste país e que há juízes nesse país, com cometimento, proporcionalidade, fundamentalidade, tudo isso que são garantias dadas pela Constituição que não autorizam que a macrocriminalidade... que fiquemos à margem desses acontecimentos da sociedade, sem qualquer chavão ou discurso ideológico. Estamos diante de investigação específica onde se pede dados geográficos que foram sopesados por duas instâncias”.
O ministro Sebastião Reis foi o único a votar a favor do recurso do Google, por considerar que a requisição e a ordem judicial para a entrega dos dados foram genéricas.
“Há uma generalidade aqui, não sei a dimensão dessas informações. Se a informação é poder na mão do Google também é na do Ministério Público. Acho pelo menos que a decisão que determinou a entrega das informações deveria apresentar explicação cabível da amplitude”, disse.
Google x MP
Advogado do Google, Eduardo Mendonça afirmou que a empresa não se recusou a auxiliar as investigações do caso, sendo que foram entregues dados de mais de 400 pessoas e informações de quebras de conteúdo de 30 pessoas.
A defesa da empresa afirmou que o recurso tinha o objetivo de esclarecer os limites dessa cooperação e que a ordem da Justiça do Rio foi genérica, com potencial para atingir milhares de pessoas. Segundo a empresa, a lei não contempla esse tipo de medida.
“A questão é saber se há limites e se os limites são os que a lei determina ou os limites da boa intenção, do bom senso. A atividade deve se conter no que a lei determina e não nessa ideia de boas intenções. Muitas ordens específicas foram cumpridas. O que se questiona são ordens absolutamente genéricas. Elas se destinam a pessoas aleatórias”, disse Mendonça.
Segundo o advogado, “uma ordem normal se identifica um alvo e aqui se pede uma engenharia reversa em que a empresa tem que acessar a plataforma e buscar quem possa se incluir nesse padrão genérico".
"Nós entendemos que nenhuma norma jurídica no Brasil autoriza esse tipo de medida”, disse.
O procurador do Estado do Rio, Orlando Neves Belém, afirmou que o acesso aos dados não fere o direito à privacidade dos usuários. Ele afirmou que, no mundo atual, é impossível e inviável a subsistência de qualquer tarefa investigativa que não permita a atuação ampla e negou que a ordem para entrega da informações seja genérica.
“Nós buscávamos dados a partir de base de pontos geográficos e com limite temporal. Não é situação ampla, definida em tempo e espaço. Não há possibilidade de nós termos afrontado o direito à privacidade”, afirmou.
Segundo o procurador, as informações vão contribuir para se chegar aos mandantes do crime, e a requisição do material foi feita com base na lei do Marco Civil.
“Não iriamos fazer nenhum pedido que não fosse respaldado em lei. Temos empenhado esforços em obter todos os elementos para alcançar os mandantes, para poder conseguir chegar aos mandantes. Temos a definição dos executores, mas precisamos continuar. Isso é possível e o reitor ou o juiz não pode ser a Google, que não pode se opor às ordens”.
Fonte: G1
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